Quando os demônios andam soltos
“Lembramos ao Sr. Ministro que o povo unido é a maior autoridade deste país! Demônios são aqueles que abusam do poder para defender interesses escusos. Demônios são aqueles que se aproveitam da fragilidade de populações violadas em seus direitos, pela negação de políticas públicas e de serviços sociais básicos, para em nome do desenvolvimento, implantar projetos que não trazem nenhuma melhoria de vida para as comunidades locais. Demônios são aqueles que não saem dos seus gabinetes para conhecer e ouvir outras posições. Demônios são aqueles que cerceiam de forma autoritária e antidemocrática os direitos da população”. (Movimento Xingu Vivo para Sempre! – 2/10/09)
Acabo de ser informado sobre a preparação de um grande debate sobre “As Vítimas do BNDES”. Isso aqui no Brasil. Em vários países do continente, essas vítimas não só estão organizadas, mas também reagindo contra a investida subimperialista que o dinheiro público dos brasileiros exerce, através do banco que tem mais recursos que o Banco Mundial!
Os Guarani Kaiowá estão sendo convidados para esse debate. Eles fazem parte das vítimas, via cana, via boi, via agronegócio. Parece que a cana e o boi fizeram as pazes. E mais, parceria ou casamento. É o caso do Grupo Bertin, que agora também está migrando para o etanol “Instalada em Dourados em 2009, a usina São Fernando é um empreendimento dos grupos Agropecuária JB (Grupo Bumlai), especializado em melhoramento genético de gado de corte, e Bertin, um dos maiores frigoríficos produtores e exportadores de produtos de origem animal da América Latina.”(Repórter Brasil, Vena Glass – 2/10/09). A matéria da Repórter Brasil lembra que o grupo Bertim tem 27,5% de suas ações controladas pelo BNDES, que generosamente beneficiou esse grupo, em 2008 com R$ 338 milhões.
Quando vejo que as vítimas apinhadas na BR 163, na região de Altamira no Pará, há mais de 3 mil km daqui, são chamadas de forças demoníacas pelo ministro de Minas e Energia, e olho para a comunidade dos Kaiowá Guarani de Laranjeira Nhanderu, jogados à beira da mesma rodovia no município de Rio Brilhante no MS, sinto até um arrepio. Começo acreditar que os demônios andam soltos. Não existem limites para a ansiedade do capital. Lá eles querem transformar água, floresta, natureza, tudo em energia em Belo Monte. Aqui em Rio Brilhante querem transformar a terra em energia, através da cana, do etanol, em usinas da Bertin, da Dreyfus, da Bunge. Haja empresas de milícias armadas para empurrar tudo isso goela abaixo! Haja empresa de comunicação para transformar demônios em anjos!
Em visita à comunidade indígena Guarani Kaiowá de Jatawari, no município de Ponta Porã, me chamou atenção não só a fumaça da usina, que acaba de entrar em funcionamento, mas também a placa, cujos letreiros haviam mudado desde a última visita. Antes o nome tinha a ver simpaticamente com algo Verde. Agora ali estava estampado Usina Bunge! Não se trata de metamorfose, é a concentração da renda, do capital e da terra, como provam recentes estatísticas do IBGE. A comunidade denunciou ao Ministério Público que estava sendo literalmente cercada pela cana, e que os ditos donos da terra teriam ameaçado colocar cerca elétrica para impedir os índios de andarem na região. Além disso, denunciaram que parte do pequeno capão de mata sobrevivente estava sendo derrubada por tratores. Todo esse quadro apocalíptico, aos olhares Guarani, é visto como “progresso” pelas lentes míopes dos donos do capital.
O Ministério Público Federal está caracterizando a ação contra a comunidade de Apika’y-Cural do Arame, próximo a Dourados, como genocídio. “Um ataque a um acampamento de índios guarani-kaiowá na região de Curral do Arame, em Dourados (MS), na madrugada do dia 18 de setembro, poderá ser considerado pelo Ministério Público Federal (MPF) no Mato Grosso do Sul tentativa de genocídio. Durante a ação, os pertences e o barraco dos acampados foram incendiados e o indígena Eugênio Gonçalves, de 62 anos, baleado.” (Verena Glass- idem)
Financiando hoje os grandes projetos articulados no IRSSA, no Plano de Aceleração do Cresci mento, e outros projetos na África e Ásia, o BNDES é sem dúvida quem mais faz vítimas hoje no continente, ou promove o “progresso”, dependendo do olhar. Os demônios ou os anjos andam soltos, cabe aos movimentos sociais e populares, aos povos indígenas e quilombolas discernir qual o melhor projeto para suas vidas.
O presidente Lula acaba de fazer um discurso emocionante e com garra, em defesa do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas de 2014. Falou da terra que tem gente de todos os continentes. Falou que temos um povo alegre, resultado de toda essa miscigenação de povos. “Somos um povo que gosta de se misturar”. O que não deixa de ser verdade. Mas o que os povos indígenas sentiram falta na fala do presidente, é de que o país deveria ter orgulho de ter mais de 240 povos nativos, com uma das maiores multiplicidades culturais do mundo. E que a auto-estima dos brasileiros será maior quando souberem valorizar e respeitar essa diversidade.
Egon Heck
Cimi MS