02/10/2009

PARLASUL: que bicho é esse?

Há pouco recebi um convite para participar de um debate sobre o Parlasul, ou melhor, a busca de uma nova integração da região a partir dos povos. A bem da verdade o convite foi feito ao Cimi para levar a questão indígena para esse fórum. Sendo no Rio o tema se torna irresistível.


 


Começou então um longo caminho por meandros nunca dantes freqüentados.  Para ser sincero posso até ter ouvido falar, de soslaio, desse tal Parlamento, mas confesso que meu registro deve ter sido deletado. Na vida a gente tem que aprender e sonhar. Depois é viver e assimilar, transformando a experiência em sabedoria.


 


O Seminário era internacional. O tema não menos. Parlamento do Cone Sul, um ilustre desconhecido para a maioria da população, mas que quer seu lugar ao sol, ser um instrumento político de integração e cidadania regional.


 


Iniciei minha contribuição com o debate lembrando que enquanto estávamos confortavelmente debatendo a integração solidária, no Mato Grosso do Sul uma comunidade Kaiowá Guarani, desesperada por ser despejada para a beira da estrada estava sob a ameaça de suicídios em massa. É Laranjeira Nhanderu.


 


Percebi, a partir de então, que se pretendia desencadear um debate em torno de uma bandeira fundamental hoje para os povos, os pobres, os movimentos sociais.  A integração enquanto uma dimensão necessária nos enfrentamentos para construção de uma cidadania ampla, transfronteiras, uma democracia em que o povo de fato participe e decida. Mas havia no horizonte próximo uma motivação bem mais concreta – despertar o debate em torno do Parlamento do MERCOSUL, para o qual estavam previstas eleições já para o próximo ano, no Brasil. Se tudo tivesse corrido conforme idealizado, teríamos que escolher 74 parlamentares para esse espaço de integração regional. O anúncio de que isso já não mais seria possível, foi uma ducha de água fria, mas não apagou o fogo. Mais de 40 representantes dos cinco países que oficialmente compõem o MERCOSUL , continuaram normalmente as exposições e debates previstos.


 


O adiamento das eleições pode se tornar combustível para fazer avançar a reflexão a partir dos movimentos sociais e dos povos, a partir de onde efetivamente pode surgir algo de inovador nas perspectivas de integração no continente.


 


E nesse contexto a questão indígena aumenta de relevância, seja por suas experiências históricas de resistência contra os separatismos das fronteiros, acenando para a possibilidade de outras formas possíveis e necessárias de integração. Uma das questões mais importantes será o reconhecimento de que nossos estados são plurinacionais e como tal deverão organizar suas políticas. Para isso torna-se necessário começar a desconstruir as ideologias de segurança nacional e soberania e articular outras dimensões de territorialidade, como nos apresentam povos indígenas.


 


Concretamente busquei levar para o debate a experiência e esforço atual de integração e


articulação dos Povos Guarani. Se a invasão separou, a solidariedade e estratégia etno-politica leva à reintegração. É o que está acontecendo com os 300 mil Guarani, em mais de 600 comunidades que foram divididas e espalhadas em cinco países: Brasil, Argentina, Paraguai, Bolívia e Uruguai.  O que se denomina hoje a Grande Nação Guarani, é na verdade o resultante de um processo político agressivo e desintegrador, que fez com que diversos povos Guarani (até pouco tempo se falava nos sub-grupos Guarani – Mbyá, Avá ou Nhandeva, Pai Taviterã ou Kaiowá, Xiriguanos e outros) voltassem a desenvolver e recriar instrumentos de valorização de suas diferenças e igualdades, num importante processo de unificação das estratégias de luta e construção de mecanismos de articulação e exigência de políticas públicas unificadas entre os diversos países. É bem verdade que é um processo ainda embrionário, mas sem dúvida revelador da possibilidade e necessidade de se construir caminhos plurais de integração.


 


De que se trata


O Conselho do Mercado Comum aprovou, em 30 de abril de 2007, o Decreto nº6.105, que promulgou o Protocolo Constitutivo do Parlamento do Mercosul. Esse Protocolo foi


assinado pelos governos do Brasil, da Argentina, do Paraguai e do Uruguai, em Montevidéu. Os trabalhos do Parlamento do Mercosul foram iniciados em maio de 2007.


 


O Parlamento é um órgão independente, autônomo e unicameral de representação dos povos dos países-membro, que integram a estrutura institucional do Mercosul. Dentre os seus propósitos pode-se destacar a representação dos povos do Mercosul, respeitando sua pluralidade ideológica e política; a promoção e defesa permanente da democracia, da liberdade e da paz; promoção do desenvolvimento sustentável da região com justiça social e respeito à diversidade cultural de suas populações; a garantia da participação dos atores da sociedade civil no processo de integração.


 


O Parlamento do Mercosul tem como princípios o pluralismo e a tolerância como garantias da diversidade de expressões políticas, sociais e culturais dos povos da região; a transparência da informação e das decisões para facilitar a participação dos cidadãos; o respeito aos direitos humanos em todas as suas expressões; o repúdio a todas as formas de discriminação, especialmente às relativas a gênero, cor, etnia, religião, nacionalidade, idade e condição socioeconômica, dentre outros princípios.


 


Suas competências principais são: velar pela preservação do regime democrático nos Estados Partes; publicar anualmente um relatório sobre a situação dos direitos humanos; efetuar pedidos de informações sobre questões vinculadas ao desenvolvimento do processo de integração; organizar reuniões públicas com entidades da sociedade civil; emitir declarações, recomendações e relatórios sobre o processo de integração, entre outras competências.


 


Representação por gênero e etnia foi rejeitada


Os parlamentares que integram o Parlamento do Mercosul serão eleitos pelos cidadãos dos Estados-membros, por meio de sufrágio direto, universal e secreto. O mecanismo de eleição procurará assegurar uma adequada representação por gênero, etnias e regiões conforme as realidades de cada Estado. No primeiro mandato (2007/2010) os parlamentares são indicados pelos respectivos Congressos, de acordo com a indicação dos líderes de partido respeitada a proporcionalidade, no caso brasileiro1. No próximo mandato (2010/2014) todos os parlamentares serão eleitos diretamente, mas nas datas Idas suas respectivas eleições nacionais


 


Até o momento o Parlamento parece seguir, em sua composição, a risca o ideário colonial: majoritariamente branco e masculino.


 


A presença feminina é irrisória. Entre 72 parlamentares com voto no Parlamento do Mercosul, há apenas nove mulheres. Esta bancada feminina é composta de seis deputadas argentinas, uma brasileira e uma paraguaia e uma uruguaia. Isto representa apenas 13% do total de membros. Por incrível que pareça a senadora Marisa Serrano, é a única mulher brasileira no Parlasul. É aqui no Mato Grosso do Sul, e a gente sequer ficou sabendo. É ilustrativo da desinformação e certamente também ainda falta de ação e definição do próprio Parlasul.


 


Pelo que se saiba não tem nenhum parlamentar indígena no Parlasul. Apesar de se ter feito a proposta de representação por povos indígenas essa tese foi derrotada. Aliás, isso já aconteceu em vários parlamentos nacionais. Dessa forma, por exemplo os Guarani, apesar de ser um povo símbolo de integração nessa região dificilmente conseguirá eleger um representante seu para esse parlamento.


 


Os medos e o futuro


Apesar de ainda não se ter muita clareza com relação à própria função desse tipo de parlamento regional, é notório que ele tende a se espelhar em experiência similares no mundo, e no caso o exemplo é o Parlamento Europeu. O representante desse parlamento no encontro externou as dúvidas que por lá também pairam, tendo como um dos principais exemplos o desinteresse em eleger os parlamentares para esse espaço.


 


Independente desse tipo de incertezas, o que se avaliou é que sem dúvida ele tem sido gestado no momento conjuntural de governos tidos como progressistas, e que não se sabe até quando esse quadro continua. Portanto seria importante consolidar esse espaço na perspectiva que se acredita possa ser um avança na defesa das causas dos povos e dos direitos humanos.


 


O encontro realizado no inicio de setembro, sobre “Parlamento MERCOSUL e democratização: que integração regional queremos” foi realizado e coordenado pelo Instituto Rosa Luxemburg e Instituto Solidariedade Brasil.


 


Egon Heck


Cimi MS

Fonte: Cimi MS
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