Queimando a memória
Quando, em mais de 10 carros, os fazendeiros e jagunços passaram por entre os barracos dos Kaiowá Guarani acampados, numa clara atitude de provocar pânico e terrorismo para que os índios abandonem esse espaço, não estavam apenas demonstrando o ódio e o racismo contra uma comunidade indígena, mas também que a guerra silenciosa também tinha que ser marcada por ruídos, luzes, balas e fogo. Em pouco tempo a comunidade atônita via ao longe a fumaça e labaredas. Não eram apenas suas casas e o que restou que estava queimando, mas com as chamas também estavam queimando a memória, a história, os espíritos dos que ali moravam, conforme afirmou o líder Zezinho. “Os índios estão tristes. O fazendeiro não podia ter feito o que fez. Na tradição Kaiowá, não queimamos as casas que deixamos para trás. Para nós, quando a gente deixa a casa vazia, fica um espírito para cuidar dessa casa. O fazendeiro matou 36 espíritos”. Para o pretenso proprietário, ex-prefeito de Dourados, “isso é conversa fiada do Zezinho, ele está mentindo”.
Conforme escreve o companheiro e um dos fundadores do Cimi, Egydio Schwade, em carta encaminhada à comunidade, “Depois de terem depredado todo o Mato Grosso do Sul, sua biodiversidade, ainda se consideram donos de tudo..É preciso lutar para que todos os que ocupam uma terra seja apenas administradores de um bem que é da humanidade, como os povos indígenas nos ensinaram…Os piores administradores desse bem que não lhes pertence acabam grilando e se abonando das maiores extensões de terra…Transmitam a nossa solidariedade aos Guarani de Rio Brilhante e aos que os apóiam (Presidente Figueredo, 15/09/09)”.
Mundo solidário
Um dos pedidos da comunidade, naquele final do dia 11, dia da vergonhosa expulsão, “não nos esqueçam”, soou como um desafio à solidariedade mundial. Efetivamente vemos um rechaço mundial a esse tipo de vandalismo, em nome da prostituída propriedade privada da terra. O Nhanderu Olimpio não se cansava de repetir, enquanto carregada seus poucos pertences até a beira da estrada: “Será que os fazendeiros fizeram a terra? Porque só eles podem ter a terra e nós, os primeiros e verdadeiros donos da terra somos jogados pra beira da estrada”.
De todo o mundo chegam manifestações de repúdio e solidariedade. A Conferência dos Religiosos dos Brasil, Regional Mato Grosso do Sul, reunida neste final de semana, enviou uma nota de solidariedade à comunidade. “A Assembléia quer tornar público seu total apoio à luta pelos direitos dos Povos Indígenas, principalmente os do nosso estado que, desde 2007 vêem o projeto de demarcação de suas terras ancestrais sendo dificultado e impedido pela forte oposição dos poderes constituídos e interesses agrários do Mato Grosso do Sul”.
Participantes indígenas e não indígenas do III Seminário Povos Indígenas e Sustentabilidade, realizado na UCDB, aprovaram uma nota pública na qual afirmam “Não haverá tempo para a espera, o poder público deve resolver esse impasse urgentemente, precisamos pagar essa dívida logo e poupar esse povo de sofrimentos vindouros. Por isso exigimos que se devolva aos povos indígenas o que lhes é de direito, não os deixem às margens da vida. Até quando teremos que conviver com injustiças desse porte? Respondam-nos se puderem senhores dirigentes”.
A Anistia internacional lançou uma campanha pelo direito dos Kaiowá Guarani de Laranjeira Nhanderu. A Senadora Marina Silva fez seu apelo pelos direitos do povo Guarani e em especial da 21ª comunidade desse povo jogada à beira da estrada. A Justiça Global encaminhou um pedido à Organização dos Estados Americanos (OEA) para que seja feita justiça, garantindo a presença dos Guarani em suas terras tradicionais. A essas manifestações poderíamos somar centenas de outras, que em conjunto mostram a necessidade urgente de garantir o retorno dessa e das demais comunidades Guarani Kaiowá a seus tekohá, terras tradicionais.
Egon Heck
Cimi MS