Carta conclusiva da Assembleia do Regional Norte 2 da CNBB
Nós, bispos do Pará e Amapá, coordenadores de pastoral e representantes dos organismos e pastorais que compõem o Regional Norte II da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), reunidos em Belém na 32ª Assembléia de Pastoral Regional nos dias
Todas essas mazelas vem junto com uma transformação imposta à nossa sociedade em nome de um desenvolvimento que se tornou um desenvolvimentismo opressor, fazendo ecoar em nossas cidades e nos campos lamentos e clamores dos povos indígenas, das populações ribeirinhas, dos remanescentes dos quilombos e também dos migrantes e trabalhadores, muitos deles em condições de escravidão, dos jovens sem emprego que gritam por socorro. Muitos deles não temem ir à luta para manifestar sua oposição a projetos faraônicos que destroem o meio ambiente e atentam contra a vida, sendo porém criminalizados por sua coragem e iniciativa.
Sabemos que cada motosserra que derruba a nossa mata, cada barragem que represa os nossos rios, ceifa um pouco de vida e destrói esperanças e sonhos de nossa gente. Interrogamo-nos, cada vez mais, qual será o futuro desta região. Apelamos aos responsáveis na política e economia que tomem consciência da real situação em que esta região se encontra e optem por um desenvolvimento que vise uma Amazônia sustentável e solidariamente compartilhada. Continuamos lutando contra um modelo de desenvolvimento socialmente injusto e ambientalmente degradante.
Repetimos o que já afirmamos por ocasião do IX Encontro dos Bispos da Amazônia em Manaus (2007): ”O nosso povo é vítima de uma verdadeira tirania econômica e política. Vive com medo, porque depende dos ”empregos“ das Prefeituras“ (n. 57). Naquele mesmo documento também nos referimos ”ao Estado omisso em manter a soberania da Amazônia, deixando que se transforme num corredor de exportação, de privatização da água, da concessão de florestas, da exploração de minérios e do agronegócio“ (n. 58). ”O povo está decepcionado, ao perceber que sua participação, que lhe é pedida na gestão pública, não é respeitada“ (n. 61).
Neste momento assistimos com muita preocupação aos trâmites em torno da projetada construção da Hidrelétrica de Belo Monte. Mais um grande empreendimento que não leva em conta os verdadeiros anseios da população e atiça apenas a ambição daqueles que apregoam um desenvolvimento que certamente será passageiro e destruidor. São previstos 1522 km2 de destruição – 516 km2 de área inundada e 1006 km2 de área que secará com o desvio definitivo da Volta Grande do Xingu! Depois do turbilhão de dez anos de construção, restarão talvez setecentos (700) empregos. Que desenvolvimento é esse que destrói inescrupulosamente o habitat de povos e famílias, a flora e a fauna? Esse mega-projeto, se concretizado, deixará milhares de ”projetos de vida” atropelados pelo deslocamento compulsório de inúmeras famílias de suas casas e de suas terras. Como em outros projetos, centenas de infâncias se perderão, vitimadas pela exploração sexual. Milhares de trabalhadores formarão o exército de reserva que se amontoa em abrigos imundos e desumanos nas circunvizinhanças dos canteiros de obra. Os povos indígenas e comunidades tradicionais, secularmente perseguidos e dizimados, receberão o golpe fatal perdendo seus territórios e recursos naturais – e sobretudo a terra querida de seus ritos e mitos, onde sepultaram os seus ancestrais. Ressoa aos nossos ouvidos o grito de um índio Kayapó: “O que será de nossas crianças!”
Primeiro, Tocantins, Araguaia… Depois, Uatumã, Madeira, Xingu… Na sequência, Tapajós e Trombetas… A bacia amazônica, a maior reserva de água doce e de vida do planeta, penosamente dilacerada pelo represamento dos rios, pelo açodamento desenfreado da busca de riqueza e desenvolvimento a qualquer preço, sob os olhos e o patrocínio dos poderes públicos constituídos que governam, dando as costas aos legítimos anseios do povo e privilegiando uma minoria que sonha auferir polpudas riquezas com a realização de um projeto insano.
Não podemos nos calar diante da ameaça que paira sobre a vida de nossos irmãos e irmãs e diante da imprevidência e da imprevisibilidade que predominam nestes projetos, diante da desinformação que parece acalentar o silêncio de nossa sociedade sobre ações e projetos de tamanha gravidade.
Motivados pelo espírito profético de Jesus e solidários com nosso povo que não é ouvido rogamos ao Deus da Justiça que nos dê coragem e firmeza para nunca desistirmos de nossa missão.
Cremos que o Projeto de Deus de comunhão e participação continua vivo
Pedimos a Nossa Senhora de Nazaré que interceda por seu Povo.
Belém, 28 de agosto de 2009