17/08/2009

Carta dos movimentos sociais de Mato Grosso do Sul no dia Nacional de Lutas

Nós cidadãos e cidadãs, no pleno exercício do direito de manifestação e de petição previsto na Constituição Federal, defendemos a construção de um país mais justo, baseado na solidariedade e no cumprimento efetivo da Constituição Federal Brasileira, que assegura uma série de direitos que incessantemente são negados à grande maioria da população brasileira, que defendemos uma mudança qualitativa nas estruturas políticas e econômicas que historicamente vem levando à exclusão social de nosso povo, vimos pela presente manifestar nossa solidariedade aos povos indígenas de Mato Grosso do Sul em terem seu direito sagrado a demarcação de suas terras tradicionais.


 


Os povos Guarani e Terena de Mato Grosso do Sul, somam mais de 60 mil pessoas que vivem, de fato, em 50 mil hectares de terra, aproximadamente. Tiraram suas terras, os confinaram. Destruíram suas riquezas naturais e seus rios – mas não conseguiram calá-los ou fazer com que abandonassem sua resistência e luta pela retomada de suas terras!


 


Nos últimos anos a situação veio piorando com toda a fome e violência, ocasionada fundamentalmente pela falta de suas terras tradicionais, que para estes povos são sagradas, sua mãe.


 


Assassinaram vários de seus líderes e nenhum assassino está preso. Por outro lado, várias de suas lideranças têm sido presas, perseguidas e criminalizadas por reivindicarem os direitos assegurados pela Constituição Federal Brasileira.


 


A este cenário desumano, somam-se os piores índices de violência contra os povos indígenas do Brasil. O Mato Grosso do Sul, hoje, é o estado com o menor índice de terras demarcadas do Brasil e, em contraponto, tem a segunda maior população indígena do país, além de possuir os maiores índices de assassinatos, suicídios, prisões e desnutrição infantil, entre os povos indígenas do Brasil. Significando assim, a mais grave situação de negação de direitos fundamentais da pessoa humana e dos assegurados no Artigo 231 da Constituição Federal Brasileira.


 


Atualmente, o Governo Federal – apesar de todos os atrasos históricos – finalmente, ao custo de muito sangue derramado e graças à interferência do Ministério Público Federal, resolveu atender seus direitos e deu início aos trabalhos de identificação e delimitação de suas terras no Mato Grosso do Sul.


 


Porém, assim que a ordem para os trabalhos foi publicada, setores ligados aos fazendeiros e ao agronegócio, com amplo apoio do Governo do Estado de Mato Grosso Sul, assim como de prefeitos, parlamentares municipais, estaduais e federais, iniciaram uma ostensiva campanha de agressões contra os direitos destes povos, propagando a mentira e o racismo, conseguindo, desta forma, que a sociedade sul-mato-grossense, em grande parte, se volte perigosamente contra os povos indígenas.


 


Neste cenário, são vistos injustamente como pessoas que irão destruir o “des-envolvimento” do estado e, assim, são tratados como seres de segunda classe nas ruas das cidades, constantemente ameaçados pela campanha da discórdia pregada por esses setores que contam com a cumplicidade da maior parte da imprensa regional e nacional, esta que se tornou o veículo principal para viabilizar os interesses do capital e das oligarquias regionais. Constroem inverdade que, inclusive, impelem as pessoas a comprarem armas, a fim de agredirem esses povos, numa falsa idéia de protegerem suas propriedades.


 


Criaram, falsamente e propositalmente, um cenário “apocalíptico” para impedir que suas terras enfim sejam demarcadas. Fazem uma espécie de “terrorismo” contra esses povos, quando a imprensa afirma que produtores rurais “declararam guerra contras os povos indígenas de Mato Grosso do Sul”.


 


Usam de todos os meios políticos e jurídicos com a finalidade de interferir nas esferas dos Poderes do Estado para conseguirem o cancelamento dos trabalhos de identificação das terras tradicionais. Ameaçam, também, seus aliados nessa luta. Tentarão, de todas as formas, os intimidar e calar a voz da resistência de seu povo!


 


Esses setores, não querem compreender que no Mato Grosso do Sul a DEMARCAÇÃO ACABARÁ COM AS INCERTEZAS E INJUSTIÇAS! QUE O POVO KAIOWÁ-GUARANI E TERENA QUER A PAZ, PARA ISSO EXISTEM TERRAS PARA TODOS E TODAS, ÍNDIOS E NÃO-ÍNDIOS!


 


Recentemente o Tribunal Regional Federal da 3º Região determinou a suspensão do início dos trabalhos de identificação das Terras Tradicionais do povo Kaiowá-Guarani.


 


Estamos em desacordo com esta decisão, pois a mesma, só irá agravar ainda mais a situação calamitosa em que se encontram os povos Kaiowá-Guarani de Mato Grosso do Sul e que, juridicamente, os fundamentos aplicados, interpretando-se o caso julgado pelo Supremo Tribunal Federal com relação à Terra Indígena Raposa Serra do Sol, não se adequam a realidade local. Primeiramente, quanto a orientação de que “terras indígenas já demarcadas não poderão ser ampliadas” deve-se esclarecer que, segundo o entendimento do STF, somente não serão ampliadas as terras que foram demarcadas conforme a orientação dada pela CF/88. Fato esse que nunca ocorreu em Mato Grosso do Sul, pois não existem terras demarcadas sob a égide da CF/88.


 


O que existem no Mato Grosso do Sul são “reservas” criadas no início do século 20 pelo antigo Serviço de Proteção ao índio (SPI) que nada possuem quanto aos requisitos definidos no §1º do artigo 231 da CF/88 quanto às “terras tradicionalmente ocupadas pelos índios”. Essas reservas foram criadas, e para lá foram os índios mandados à força pelo Estado brasileiro para se liberarem os espaços aos colonos que aqui se estabeleceram.


 


Em segundo lugar, porque a decisão do STF não definiu em nenhum momento um marco temporal quanto à eventual ocupação das terras tradicionais pelos indígenas em face da promulgação da constituição. Ou seja, que só serão demarcadas as terras em que os indígenas estejam ocupando efetivamente quando da promulgação da Constituição Federal Brasileira.


 


Ora, como já dito, os indígenas foram expulsos de suas terras tradicionais no decorrer do século XX e até hoje tentam retornar às mesmas e reivindicam a sua demarcação pelo Estado Brasileiro em lutas que se acirraram nos últimos 30 anos em face da tenebrosa situação em que vivem.


 


Sequer se poderá falar em decadência de direitos dos povos indígenas de terem suas terras demarcadas. Não existe decadência de direito para as demarcações. O que existe é o descumprimento do artigo 67 da ADCT que determinou o prazo de 05 anos para a União demarcar todas as terras indígenas do Brasil e que até hoje não foi cumprida.


 


Diante disso, fazemos essa denúncia e clamamos pelo apoio de todas e todos, para que sejam solidários na superação dessa realidade e nos ajudem a interceder em todas as esferas, a fim de que as terras indígenas de Mato Grosso do Sul sejam finalmente demarcadas e para que seja interrompida toda a violência contra os Povos Indígenas.


 


Queremos também repudiar a discriminação e criminalização das lideranças e dos Movimentos Sociais que lutam pela vida na terra, pelo reconhecimento de um pedaço de chão para plantar e viver ou terem seus territórios reconhecidos conforme determina a Constituição Federal e a farta legislação internacional da qual o Brasil é signatário.


 


Por fim, agradecemos toda a compreensão e solidariedade das pessoas de bem que compreendem a necessidade de resolvermos, de uma vez por todas, a situação dramática em que estamos e evitar o genocídio destes povos!


 


Só haverá justiça, democracia e paz se forem reconhecidos os direitos básicos dos povos indígenas às suas terras tradicionais, conforme determina a Constituição Federal e as Convenções Internacionais.


 


Comitê Popular e Sindical Contra a Crise e o Desemprego de MS


Comissão de Direitos Kaiowá Guarani


Comissão Terena – Aldeia Mãe Terra


MST – Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra.


CONLUTAS – Coordenação Nacional de Lutas.


PCdoB – Partido Comunista do Brasil


PSTU – Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado.


CUT/MS – Central Única dos Trabalhadores de Mato Grosso do Sul.


CIMI – Conselho Indigenista Missionário


Campanha Guarani – Grande Povo


Grupo de Estudos Marxistas – UFMS


Assembléia Popular – MS


Comissão Pastoral da Terra – MS


Centro de Defesa da Cidadania e dos Direitos Humanos Marçal de Souza – Tupã Í


SINDSEP – Sindicato dos Servidores Públicos Federais de Mato Grosso do Sul


 


 


Campo Grande, 14 de agosto de 2009 – Dia Nacional de Lutas

Fonte: Cimi MS
Share this: