02/08/2009

Manifestação do Cimi sobre o EIA/Rima da duplicação BR-116 no RS

Ao Ministério Público Federal em Porto Alegre-RS


a/c do Procurador da República Dr. Juliano Stella Karam


 


À 6ª Câmara do Ministério Público Federal


a/c da Dr. Déborah Duprat


 


À Fundação Nacional do Índio – Porto Alegre, Passo Fundo e Brasília


a/c de João Mauricio Farias , Jaci Bardelotto e Julia de Paiva P. Leão


 


Ao DENIT – Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes


a/c do Sr. Ruy Carlos Tolentino


 


O Conselho Indigenista Missionário quer, através da equipe que atua em Porto Alegre, manifestar sua opinião acerca do Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto do Meio Ambiente – EIA/RIMA, relativo ao licenciamento ambiental de obras de duplicação da rodovia BR 116. O relatório EIA/RIMA tem por finalidade expor aos interessados as conclusões dos estudos e pareceres técnicos do referido RIMA. Entendemos que, depois de concluído, este estudo deve ser analisado por todos os interessados e submetido a audiências públicas para que a população afetada possa se manifestar quanto à viabilidade, importância e necessidade da obra, como também sobre as medidas propostas para mitigar/compensar os impactos sociais provocados. Tais impactos devem ser profundamente discutidos, para que posteriormente sejam tomadas as medidas adequadas em relação a todos os afetados, e aqui, neste aspecto, os afetados são todas as pessoas e coletividades que vivem na área pretendida para a obra ou em regiões que sofrerão os efeitos de sua construção, bem como as terras, as águas, banhados, as matas, capoeiras e os animais (fauna e flora).


 


Vale enfatizar que a duplicação da referida rodovia está incluída no rol de obras do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) do governo federal, que têm por finalidade assegurar infra-estrutura para grandes empreendimentos e investimentos econômicos no Brasil. No caso desta estrada federal, a duplicação vem sendo justificada em função da necessidade de ampliar a capacidade de tráfego da rodovia e favorecer o transporte rodoviário ao Porto de Rio Grande. O trecho da BR 116 em discussão e estudo abrange os municípios de Eldorado do Sul, Guaíba, Barra do Ribeiro, Tapes, Camaquã, Pelotas, Rio Grande entre outros.


 


Ao Cimi interessa, neste primeiro momento, apresentar suas preocupações com relação aos possíveis impactos da obra sobre comunidades do Povo Guarani que habitam as margens da estrada em praticamente toda a região de interesse do DENIT. Essas comunidades reivindicam à Funai, há muitos anos, a demarcação e garantia das terras que tradicionalmente ocupam, de modo especial às áreas do Arroio do Conde (Eldorado do Sul), Petim (Guaíba), Passo Grande I e II (Barra do Ribeiro), Passo da Estância e Coxilha da Cruz (Barrado Ribeiro), Velhaco e Águas Brancas (Tapes e Camaquã). E, já neste primeiro momento, é necessário ressaltar que não constam no Estudo de Impacto Ambiental que tivemos acesso as áreas reivindicadas pelos Guarani, e nem mesmo os acampamentos em que eles hoje se encontram, alguns deles com mais de 30 anos de existência.


 


Quando surgiram as primeiras notícias de que a rodovia seria duplicada, as comunidades Guarani realizaram reuniões para discutir e socializar entre eles as preocupações com os possíveis impactos dessa obra. Isso porque algumas famílias acompanharam processos semelhantes, na ocasião da duplicação da BR 101, vale ressaltar que até hoje o DENIT e a Funai não cumpriram plenamente os acordos estabelecidos com os Guarani.


 


Quando se confirmou a notícia da duplicação da BR 116, os estudos de impacto tiveram início, no entanto as comunidades indígenas não haviam sido comunicadas pelo órgão indigenista – FUNAI, a esse respeito. Mesmo sem terem sido oficialmente comunicadas, as famílias Guarani passaram a receber visitas da antropóloga Bernardete Caprioglio de Castro e de representantes do empreendimento (a quem tinham que responder perguntas sem o devido esclarecimento). A partir de então, com o apoio e assessoria de entidades como o Cimi, o Comin e antropólogos da UFRGS, as lideranças Guarani passaram a discutir, de maneira mais concreta, os problemas que o empreendimento poderá ocasionar, tal como a restrição de seus direitos constitucionais às terras que tradicionalmente ocupam.


 


Nos primeiros dias do mês de junho de 2009 ocorreu a primeira reunião entre os Guarani, entidades de apoio, a antropóloga Bernadete e o Sr. Ruy Carlos Tolentino, ocasião em que as lideranças expressaram seu descontentamento com o procedimento adotado pela empresa responsável pelos estudos, bem como com a omissão da Funai neste processo. As lideranças solicitaram que a Constituição Federal e a Convenção 169 da OIT fossem cumpridas, ou seja, que qualquer empreendimento que afete povos ou comunidades seja amplamente discutido com os indígenas, assegurando-lhes o direito de manifestação em relação ao que é proposto. Na ocasião, o DENIT assumiu o compromisso de realizar três reuniões com os Guarani: a primeira objetivando discutir os impactos (atuais e futuros) sobre as comunidades, suas culturas, costumes, tradições, bem como sobre a terra e o meio ambiente; a segunda reunião deveria permitir que os Guarani apresentassem sua opinião sobre as obras e, ao mesmo tempo, deveriam ser indicadas algumas possíveis compensações pelos impactos ocasionados; a terceira reunião deveria permitir que as lideranças tivessem acesso ao relatório preliminar (EIA/RIMA) possibilitando a discussão e a análise de seu conteúdo e das conclusões, apontando imprecisões, complementações e/ou sugestões. Das três reuniões propostas, as duas primeiras aconteceram conforme planejado. A terceira – e mais importante – não ocorreu e os Guarani sequer foram informados de que o Relatório de Impacto Ambiental estaria concluído. Este fato mostra que os direitos constitucionais dos povos indígenas não vem sendo respeitados, nem as normas internacionais – como a Convenção 169 da OIT – que assegura a participação destes nas discussões e anuência em todas as etapas do processo.


 


Diante disso, o Cimi manifesta sua posição contrária aos procedimentos adotados até o momento, quais sejam:


 


1- O fato de o DENIT não ter assegurado aos Guarani a participação durante a realização dos estudos, bem como não ter cumprido com o acordo estabelecido com as lideranças Guarani da região afetada pela duplicação da BR 116;


 


2- O EIA/RIMA não ter contemplado as comunidades indígenas Guarani que serão afetadas diretamente pela duplicação da BR 116, em especial Arroio do Conde, Petim, Passo Grande I e II, Passo da Estância, Coxilha da Cruz, Velhaco e Águas Brancas;


 


3- A Funai não ter promovido momentos de discussão, reflexão e debates com as comunidades Guarani que serão afetadas pelo empreendimento.


 


4- As graves conseqüências da omissão da Funai em iniciar os procedimentos de demarcação das áreas Guarani acima referidas, sendo que as reivindicações foram apresentadas ao órgão indigenista há décadas e seus representantes prometem a realização dos estudos, conforme prevê a Constituição Federal e regulamenta o Decreto 1775/96, mas tais promessas tem sido descumpridas sistematicamente.


 


Por fim, solicitamos ao Ministério Público Federal que:


 


1- Acompanhe de forma direta todas as etapas dos estudos do referido empreendimento;


 


2- Faça cumprir a legislação ambiental, no que tange aos impactos das obras sobre as matas, as fontes de águas, a fauna e a flora – vale ressaltar que  a região é rica em lagos e lagoas naturais nas duas margens da rodovia, que provavelmente serão destruídas com a realização das obras;


 


3- Faça cumprir a Constituição Federal  e a Convenção 169 da OIT, assegurando os direitos dos povos indígenas, de modo especial no que diz respeito a proteção e fiscalização das terras por eles habitadas, ainda que as comunidades estejam vivendo nas margens das estradas, ou que os procedimentos de demarcação não tenham sido iniciados ou concluídos;


 


4- Acione a Funai para que esta inicie imediatamente os estudos para identificação e demarcação das terras reivindicadas pelos Guarani, conforme determina a Constituição Federal em vigor.


 


Concluímos, na expectativa de que os órgãos responsáveis pela defesa dos direitos indígenas cumpram com suas responsabilidades, e despedimo-nos atenciosamente.


 


Porto Alegre (RS), 03 de agosto e 2009.


 


Roberto Antonio Liebgott


Vice-Presidente do Cimi


 


Rabeca Peres da Silva


Cimi-Sul Equipe Porto Alegre


 

Fonte: Cimi - Regional Sul - Equipe Porto Alegre
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