Brasil – Mãe Terra, luta sempre
De madrugada fomos nos movimentando, sob olhar atento do céu estralado de Campo Grande. O destino é a aldeia Terena, Mãe Terra. Não seria apenas mais um dia de encontro, reflexão, celebração e definições políticas da aldeia. Seria sim mais um importante momento de reanimação da luta que começou a quase quatro anos, na madrugada da retomada da terra. Mãe Terra. Terra de luta. Sempre. Como diria a sábia guerreira Maria “A luta é pra sempre, e Deus nos dá força e coragem… Pra ir pra luta tem que amarrar o cinto e arregaçar a camisa”. E depois de deitar muita falação, animando os espíritos despertos e encorajando os guerreiros um tanto amoitados e acomodados, dona Darci cutucou os brios “Ficando parados nos barracos, as coisas param. Único jeito de avançar é lutar pela terra. Reforçar os companheiros. Temos Deus na nossa frente. Não temos medo. Enfrentamos os fazendeiros…”
Reza, luta e animação
Qualquer atividade coletiva da comunidade sempre começa com reza. É a marca de uma fé ativa que não apenas motiva mas traz certeza no caminho e impulsiona o sonho e o pé no chão. Seu Inácio fez um resumo dos sentimentos que foram expressos por várias lideranças, levando em conta a conjuntura do momento “A nossa política é a luta da terra. Meu compromisso vai muito além de uma casa, da escola, da energia elétrica ou da água da Funasa. O que queremos conquistar são os 36 mil hectares, que é a nossa terra já delimitada… Sozinho, não sou nada. Juntos, somos fortes”.
Foram seguindo várias falas expressivas, contundentes e incisivas das lideranças “Quando saí da aldeia, foi pra lutar., saí pra toda minha vida, até conquistar nossas terras, e isso é pra toda minha vida, pelos nossos filhos. Isso não vai ser rápido”. Outra liderança expressou a disposição dizendo “Fico com o coração doído. Estamos cansados de falar. Estamos preparados. Já que estamos molhados não volto para traz”.
Prazos e cobranças
Uma das questões que está deixando a comunidade aldeia muito incomodada e revoltada são os constantes descumprimentos de datas que vão sendo feitas pelos órgãos governamentais responsáveis pela regularização da terra, especificamente a Funai.Lembraram que no final de julho venceu novamente a data estabelecida pelo órgão indigenista para que fossem feitos os pagamentos de indenização das benfeitorias das propriedades cujo levantamento fundiário havia sido realizado. Nada de chegarem os técnicos para realizarem essa ação. Enquanto isso os fazendeiros vão entrando com ações de paralisação dos trabalhos ou manutenção de posso, na justiça.
Lindomar lembrou que “sempre que uma liderança indígena abre a boca para exigir seus direitos é reprimida”. Zacarias lembrou que já são quase quatro anos de luta e mobilização, graças à qual eles conseguiram avanços gradativos no processo de regularização da Terra Indígena Cachoeirinha. “Não dá para só esperar. As coisas só andam na pressão”. E lembrando as conquistas em termos de melhoria de qualidade de vida que a comunidade está conseguindo através de sua ação e organização, perguntou “Será que vamos ficar parados, com a chegada da água, inauguração da escola, construção e melhoria de casas e mesmo a chegada de energia elétrica em breve?”.
Diante do atual contexto ficou uma vez mais evidenciado que só a ampliação da união e organização poderá garantir o avanço no reconhecimento de seus direitos, especialmente à terra. Por isso fizeram toda uma reflexão sobre o processo organizativo desde a comunidade até em nível do movimento indígena regional e nacional.
No final do encontro planejaram uma série de encontros e articulações visando fazer avançar a luta pelas terras indígenas e direitos, lembrando de maneira especial que a realidade indígena do Mato Grosso do Sul ficou assumida pelo movimento indígena nacional como prioridade. Destacaram a difícil situação dos parentes Kaiowá Guarani, aos quais prestaram total solidariedade, exigindo a conclusão urgente da identificação e demarcação de suas terras.
Um incidente acabou interrompendo o encontro, quando uma pessoa ingressou no espaço da aldeia com uma moto, em alta velocidade. O grupo se sentiu invadido e tomou logo providências, impedindo a fuga do elemento. Apesar da insistentemente solicitarem a presença da polícia, essa apenas, depois de mais de duas horas e com o deslocamento de uma comissão até a delegacia, decidiu tomar providencias prendendo o invasor.
Cimi MS
Campo Grande, 2 de julho de 2009