30/06/2009

Solidariedade na América Latina



Vanessa Ramos (Cimi Sul Equipe São Paulo)


 


“Os fatos dos últimos dias no Peru revelam a face mais cruel de um processo colonialista continuado e atualizado com toda infâmia e violência contra os povos originários destas terras”. A indignação manifestada pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), entidade vinculada à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), refere-se ao massacre dos povos indígenas, ocorrido nos últimos 5 e 6 de junho, em Bagua, no Peru.


 


Os indígenas realizavam marchas e protestos contra decretos legislativos que seriam implementados no Tratado de Livre Comércio, firmado entre o Peru e os Estados Unidos. Essas normas, inconstitucionais, permitiriam a entrada de transnacionais na região amazônica para exploração de gás natural, petróleo e minérios. O governo do presidente Alan Garcia tomou decisões sem consultar aos povos, contrapondo-se à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.


 


Contra esta postura, os indígenas realizaram mobilizações em uma estrada da Amazônia peruana e foram violentamente atacados pela polícia e o exército peruanos. Muitos morreram, ficaram feridos ou estão desaparecidos. Desde a violenta ação policial até o dia 15 de junho, a Associação Pro Direitos Humanos do Peru, estimava 61 pessoas desaparecidas.


 


Para Benedito Prezia, doutor em Antropologia e coordenador da Pastoral Indigenista em São Paulo, “o número de mortos e desaparecidos representa a truculência do governo Garcia, que se mostrava com fachada democrática. A renúncia da ministra Carmen Vildoso, do Ministério da Mulher, demonstra que este episódio chocou até membros do primeiro escalão do governo”, pontua.


 


Os confrontos retratam o massacre como “revelador da barbárie que a civilização das armas e da morte utiliza para continuar o saque dos recursos naturais, a invasão dos territórios indígenas e a negação dos direitos fundamentais desses povos”, denuncia o Cimi. De tal modo, seria importante a abertura de um canal de diálogo entre o governo e as lideranças indígenas, contudo, declarações oficiais insistem em afirmações pejorativas quanto aos indígenas, lamenta Prezia.


 


O jovem indígena mexicano, Eli Eduardo V. Ramírez, afirma: “O povo peruano, nas mãos de um dos piores governos irracionais, insensíveis e antipatrióticos, começa a sacudir a estrutura de submissão que os têm cansado e os segregado há anos, para somarem-se às demais lutas que existem no continente, renovando a esperança combatente e fazendo da nossa pátria, o coração de um novo sol e com uma só bandeira sem fronteiras”.


 


Forças contrárias


Casos como o massacre genocida no Peru não são fatos isolados, porém, “há um grande desconhecimento sobre o que se passa em outras regiões da Amazônia, já que são movimentos marginais. Talvez este fato nos alerte e nos obrigue a acompanhar mais de perto a movimentação indígena na América Latina”, lembra Prezia.


 


Após anos de exclusão, os movimentos indígenas, os povos e as organizações têm a cada dia uma visibilidade maior. Isto se dá pelos caminhos trilhados rumo à justiça social, autonomia e conquista de seus direitos, numa grande e histórica capacidade de resistência e união. Mas, não se deve perder de vista que apesar de suas forças e enorme capacidade de redefinir os desafios e os caminhos de luta, são muitas as investidas das forças conservadoras.


 


Na Bolívia, por exemplo, apesar da força popular que levou o primeiro presidente indígena da história do país a ser eleito, grandes são as ofensivas das elites bolivianas contra Evo Morales. Outros casos podem ser vistos no Brasil como a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, que sofreu com a força contrária das elites e, ainda que conquistada, veio com dezenove restrições impostas pelo Supremo Tribunal Federal. Somam-se a estes, os casos dos Guarani Kaiowá, no MS; dos Xucuru, em PE e dos Pataxó, na BA, no combate contra uma oposição que os criminaliza e os atravanca em suas lutas.  


 


Solidarizar-se


É tardio que as sociedades compreendam os anos de massacres e as árduas lutas travadas até os dias atuais. Em pleno século XXI, é urgente observar as contradições e os conflitos vividos pelos povos indígenas.


 


Cabe ressaltar a importância de toda a sociedade em se posicionar a favor desta causa, na defesa da vida e da justiça. A solidariedade concreta para uma América livre é agora. E, o apoio da Igreja Católica e de todos os cristãos às vítimas de tais atrocidades, reforça seu compromisso ao lado dos oprimidos.


 


Em junho último, esta força se expressou através de uma carta entregue ao Embaixador do Peru no Brasil. Entre organizações que protestaram contra o massacre, encontram-se Comissões da CNBB, Cáritas Brasileira, Misereor, Conferência dos Religiosos no Brasil, Via Campesina e Cimi. Neste sentido, “a Igreja poderia exercer um papel de mediadora nestes conflitos [na América Latina] e a nota entregue por entidades (…) ao embaixador peruano, pode ser um exemplo a ser seguido pela Igreja Local”, avalia Prezia.  Assim, “não seria hora de a Igreja usar o seu peso político na América, numa postura que caminhe no sentido oposto do que foi historicamente sua posição?”, finaliza. 


 


 


 


 


 


 


 


 

Fonte: Cimi Equipe SP
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