23/06/2009

Mais um Karai se despede rumo a Terra Sem Males

Na manhã do dia 22 de junho, no acampamento dos Guarani do Araçá’í, Terra Indígena Toldo Chimbangue, faleceu Clementino Barbosa.  São Gabriel das Missões RS, terra de Sepé Tiarajú, foi o local do último adeus de seu Clementino onde, de uma maneira bastante contagiosa, deixou o exemplo aos mais novos que estão na luta pelos territórios tradicionais, a despedida e o recado para aqueles que aqui ficam, de resistirem como Sepé e seu povo resistiram.


 


Seu Clementino já estava com a saúde bastante debilitada e há alguns meses não caminhava mais. Mesmo assim sempre perguntava quando poderiam voltar para o lugar onde nascera. Seus filhos, familiares e comunidade já pressentiam que mais cedo ou mais tarde Clementino iria se despedir, mas queriam que ele conseguisse ao menos ter a garantia de que a terra realmente estivesse demarcada. Infelizmente não foi possível a realização desse sonho, mas fica seu povo, na expectativa e “guerreando” com a força e o espírito lutador de seu Clementino.


 


A luta pela terra


Os Guarani viveram, durante anos, confinados em áreas do povo Kaingang, mas sempre alimentaram o desejo de recuperar as suas terras. Reivindicam o direito de retornar para o Araçá’í, terra que viu nascer alguns anciãos guarani que hoje lutam pela demarcação. Reivindicam apenas uma pequena parte de uma área de seus antepassados.  Na luta pela justiça e pela dignidade, alimentada no sonho da “Terra sem Males, os Guarani decidiram então retomar as suas terras. Na madrugada de 10 de julho de 2000, seu Clementino e cerca de duzentos guarani, homens, mulheres e crianças regressaram para a sua terras tradicional.


 


A retomada do Araçá’í significou, para os Guarani, a possibilidade de viver sua cultura e suas tradições, educando as crianças dentro de um espaço conhecido, construindo o seu tekohá. Enfrentaram muitas dificuldades, tempestades, neve, geada e todo o frio do inverno em barracos improvisados. Suportaram a escassez de alimentos. Também resistiram às ameaças constantes, vindas de pessoas que rondavam o acampamento que disparavam tiros para intimidá-los. Assistiram a uma massiva campanha contra a presença indígena na região, fundada em argumentos preconceituosos e ofensivos. Mesmo assim, os Guarani demonstravam a alegria de estar de volta à terra de sua história, lugar de ser gente por inteiro, que antes havia sido invadida, loteada e devastada pela mão dos colonizadores.


 


Ao regressar para o Araçá’í, reafirmaram aquilo que Sepé Tiarajú , há a mais de duzentos anos aclamou: “Alto Lá! Esta terra tem dono!”. Durante esse processo de luta, os Guarani conseguiram assegurar a criação de um Grupo Técnico, para realizar o estudo antropológico e histórico da área do Araçá’í. Esse GT foi constituído em setembro de 2000 e iniciou seus trabalhos no mesmo período. O Ministério Público trabalhou para que os Guarani permanecessem no Araçá’í. No entanto, a justiça dos tribunais não refletiu sobre a vida e os direitos dos Guarani, fundamentou-se no direito da propriedade privada e sentenciou o despejo dos “filhos da terra”. Foram, uma vez mais, arrancados de sua “terra mãe” e levados, à força, para um outro destino, novamente para uma terra que não era sua. Com muita luta e resistência a terra foi identificada em 2005. Em 2006, retornam para a terra tradicional, cobrando a assinatura da Portaria declaratória, e novamente, foram expulsos pela Policia Federal. Seu Clementino esteve presente em todas estas lutas.


 


O Conselho Indigenista Missionário – Regional Sul, é solidário à família de Clementino Barbosa e ao povo Guarani neste momento de dor e sofrimento.  Clementino continuará sempre vivo na memória e vida do povo Guarani.


 


Chapecó, SC, 22 de junho de 2009.


Cimi Sul Equipe Chapecó.

Fonte: Cimi Sul - Equipe Chapecó
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