20/06/2009

Brasil comete os mesmos crimes que Saddam cometia há 30 anos

Em 1980, o tribunal o Tribunal Russell, na cidade de Rotterdam, Holanda, condenava os Estados do Iraque, Irã e Turquia por, entre outras coisas, impedirem o trânsito dos Kurdos, povo que vive na fronteira dos três países. Hoje nesse, exato momento, os indígenas que vivem nas fronteiras entre o Estado brasileiro e os demais países, sofrem com o mesmo problema.


 


Estou em Santa Elena de Uairen, na fronteira da Venezuela com o Brasil, acompanhado de dois indígenas Sanemas (Ula Apiama e Kokoy Apiama), estudantes da Universidade Indígena da Venezuela (UIV), e que estão tentando entrar no Brasil para se comunicar com seus parentes. Entrei por acaso nessa realidade, quando me dispus a trabalhar por 15 dias, como voluntário, na UIV. No retorno, à Universidade me pediram, os membros da UIV, para acompanhar os dois Sanema até Boa Vista, onde se encontrariam com a liderança Davi Kopenawa Yanomami.


 


Entretanto, contra todos os tratados internacionais, a Polícia Federal brasileira nos impediu de entrar no país. Refiro-me aos artigos 36 e 37 da “Declaração das Nações Unidas sobre o Direito dos Povos Indígenas”, aprovada em congresso da ONU em 2007, o texto diz que “os povos indígenas, em particular os que estão divididos por fronteiras internacionais, têm o direito de manter e desenvolver contatos, relações e cooperação, incluindo atividades de caráter espiritual, cultural, político, econômico e social, com seus próprios membros, assim como com outros povos através das fronteiras”. Outro documento, ainda mais antigo, é a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 1991, aprovada pelo Congresso Nacional brasileiro, em 2002, e assinada pelo presidente Lula, em 2004 (Decreto N 5.051/04), que da mesma forma trata dessa questão. Documentos que o Estado Brasileiro não reconhece efetivamente.


 


Assim, estamos (Ula, Kokoy e eu), há quatro dias acampados na cidade de Santa Elena de Uairem, contando com a solidariedade dos indígenas Pemon e da Pastoral Indigenista para sobreviver ao frio e manter contato com os companheiros brasileiros e venezuelanos, que se esforçam para ajudar os Estados a cumprirem com suas obrigações.


 


Tenho certeza de que essa situação é injusta e, como tal, só pode levar a um futuro desastroso. Fragmentar um povo é reduzir suas possibilidades de sobrevivência cultural. Isso envergonha o povo brasileiro e desmoraliza seu Estado e não é uma atitude própria de um país que busca maior reconhecimento no cenário internacional.


 


Queremos o imediato cumprimento das leis brasileiras e internacionais. Queremos o respeito com os povos que tentam reconstruir, de suas raízes, uma nova história de cooperação. Queremos o respeito aos povos brasileiros, venezuelanos, bolivianos… que merecem ser reconhecidos por seus avanços nos campos políticos e sociais. Queremos que Sanema, Yanomami, Pemon, Tiriyo, Makuxi, Tikuna… possam viver suas culturas gozando do livre trânsito nos territórios que os pertencem a centenas de anos.


 


Queremos passar!


 


Santa Elena de Uairem, 19 de julho de 2009.


 


Maiká Schwade


Casa da Cultura do Urubuí (CACUí)


 

Fonte: Cimi
Share this: