16/06/2009

Justiça com catarata?

Juracy Andrade – [email protected]


 


Na semana passada, cerca de 300 pessoas, incluindo uns 200 índios xucurus vindos de suas aldeias na Serra do Ororubá, em Pesqueira, caminharam da Câmara Municipal do Recife até o Tribunal Regional Federal (TRF), com passagem pelo Palácio do Governo, em protesto contra decisão da 16ª Vara da Justiça Federal (Caruaru), que condenou 31 indígenas à prisão, inclusive o cacique Marcos Luidson (que pegou 10 anos e quatro meses).


 


São acusados de incitação à violência, incêndio de casas e carros e porte ilegal de armas. Trata-se de um conflito de 2003, quando uma dissidência dos índios, apoiada por fazendeiros e políticos descontentes com a restituição de 95% do território indígena a seus legítimos proprietários, quis eliminar o novo cacique. Como na Raposa-Serra do Sol, também ali há cooptação de índios. Mesmo tendo sido indenizados, alguns fazendeiros continuaram a guerra e, naquele ano, houve um atentado a Marcos, filho e sucessor do cacique Xicão, assassinado em 1998 na entrada daquela cidade, em plena luta pelos direitos de seu povo.


 


Em represália ao atentado contra o novo cacique, ocorreu o referido conflito, ora julgado. Existe aí um lugar comum segundo o qual decisão da Justiça não se discute, cumpre-se. Foi criado exatamente pelos eternos beneficiários da Justiça em nosso País. É para discutir, sim, e derrubar, se for possível, quando a Justiça sofre de catarata ou glaucoma classista. O Conselho Indigenista Missionário entrou com recurso no TRF, alegando que o processo feito em Caruaru está viciadozinho que só.


 


Basta dizer que Marcos foi condenado antes que todas as suas testemunhas fossem ouvidas. Marcelo Santa Cruz, denodado defensor dos direitos humanos, e a coleguinha do JC Verônica Almeida me mandaram uma série de informações que passo para vocês, caros leitores.


 


A criminalização de líderes indígenas que lutam por suas terras e outros direitos foi discutida na Serra do Ororubá, ano passado, em grande reunião dos índios com cientistas, jornalistas e outros participantes, a que eu estive presente. Essa criminalização no Brasil, apesar de os povos indígenas contarem com apoios cada vez mais amplos, foi denunciada à OEA.


 


O bravo bispo de Pesqueira, dom Francisco Biasin, fez declaração em que lamenta a condenação do cacique Marcos e outros xucurus, e lembra a realidade de que, em nosso País, sempre são presos, condenadas e punidos os mais pobres e indefesos, como os índios. Diz que a Justiça brasileira é exercida sem nenhum controle social e conclui que “a criminalização sistemática de suas lideranças não passa de uma armação de elites incomodadas com a sua organização ou até de autoridades que, tendo encontrado limites no exercício arbitrário de seu poder, estão retribuindo dessa forma, que considero desumana, injusta e prevaricatória, às atitudes que o povo xucuru tomou na defesa de seus direitos e de suas prerrogativa”. O tema é vasto. Vamos voltar.


 


Mudando de assunto. A respeito do que escrevi sobre falta de liberdade de imprensa na Rússia, o prezado leitor Mauro Costa sugeriu que eu abordasse também esse tema ao tempo da União Soviética, “no período em que os camaradas do povo estiveram no poder”. Estou fazendo só uma notinha porque foram surgindo temas urgentes, como a condenação do cacique Marcos e o lançamento de dois livros (vou comentá-los) que falam de uma época de maioridade do Brasil frustrada pelo golpe militar. Na URSS, a imprensa estava nas mãos do Estado, mas era tudo às claras. Os camaradas assumiam a ditadura do proletariado, que eu nunca entendi bem, porque havia um bocado de intermediários que se diziam “a vanguarda do proletariado” e não sacaram que socialismo não é sinônimo de estatismo. O Estado é o Leviatã de Hobbes.


 


» Juracy Andrade é jornalista


 


Publicado em 13.06.2009 no JC Caderno Opinião pág. 13.


 

Fonte: Jornal do Commercio
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