09/06/2009

Audiência Pública questiona construção da BR 319 na Amazônia

No dia 8 de junho foi realizada uma audiência pública sobre a questão das estradas na Amazônia. Intitulada “Estradas na Amazônia: a questão da BR 319”, a sessão foi realizada na sede da Escola Superior do Ministério Público da União e teve como objetivo fazer exposições acerca do empreendimento e, sobretudo, analisar os impactos sociais e ambientais da pavimentação desta rodovia. O trecho discutido é de 405 Km que liga Manaus a Porto Velho e faz parte da estrada que liga São Paulo a Manaus, que possui 3.900 Km. Participaram órgãos federais, entidades não governamentais, de pesquisa e do meio acadêmico. Gunter Kroemer, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) participou como especialista convidado e falou sobre a questão dos índios em situação de isolamento e risco.


 


O encontro teve início com a exposição do Estudo de Impacto ambiental da BR 319, feito pelo Dr. Alexandre Rivas, Professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e coordenador do Estudo de Impacto Ambiental da BR 319. Em sua apresentação, Rivas mostrou gráficos e mapas, ressaltando que a existência de uma estrada pavimentada ali não teria tanto impacto, visto que ela já existe. Também deu ênfase à questão da governança ambiental, que seria o conjunto de técnicas, métodos e procedimentos necessários para subsidiar a tomada de decisão em face da alta complexidade e do risco ecológico/ econômico/ jurídico. Ele apresentou gráficos que analisam o projeto com um nível de governança ambiental alto.


 


O representante do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), Miguel Sousa, afirmou que a pavimentação da BR 319 é uma decisão do núcleo de governo, uma obra listada no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e que não faz parte de joguinhos políticos. “A função social desta estrada é escoar a produção existente ali. As famílias em Porto Velho sempre querem saber quando terão a restauração da estrada, para poder sair e visitar seus parentes”, disse. Para ele, existe viabilidade econômica, social e ambiental para a restauração da estrada.


 


Em seguida, na fala de Rosa Zago, do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), foi colocado que o órgão realizou audiências públicas para análise do estudo de impacto ambiental, elaborado pela Universidade Federal do Amazonas. No entanto, o diálogo, segundo a sociedade civil, foi prejudicado pela falta de esclarecimento e tempo hábil para a discussão do assunto, o que vai de encontro com a fala do representante do DNIT, que afirmou haver viabilidade em vários âmbitos.


 


O Instituto Chico Mendes (ICMBio) apresentou algumas diretrizes para a conservação da região e os planos desenvolvidos para se estabelecer unidades de conservação, com a criação de Grupos de trabalho e subgrupos que analisem as pré-condições para a construção da rodovia.


 


Grandes impactos e poucos benefícios


 


O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) remeteu ao Ministério Público Federal uma análise sobre os possíveis impactos ambientais da reabertura da BR 319, assinada por seu diretor – presidente, Adalberto dal Val. Na conclusão, a análise do INPA afirma que o EIA/RIMA tem inconsistências metodológicas graves que impossibilitam a tomada de decisão embasada em critérios técnico-científicos confiáveis. A análise afirma: “a questão necessita de uma análise aprofundada da viabilidade econômica do empreendimento, assim como uma avaliação criteriosa dos impactos, que dêem subsídios necessários à tomada de decisão. Estas bases confiáveis para a tomada de decisão mais acertada não pode ser encontrada nos documentos do EIA/RIMA por nós analisado”. Segundo Dr. Philip Fearnside, representante do INPA na audiência, a construção da rodovia traz grandes impactos e poucos benefícios.


 


Leonardo Fleck, Analista da Organização Conservação Estratégica, trouxe dados analisando a viabilidade econômica e social da obra. Para ele o empreendimento é inviável tanto economicamente quanto ambientalmente. “Para que o projeto seja viável, seria preciso triplicar os benefícios”, disse.


 


O componente indígena


 


Representando a Fundação Nacional do Índio (Funai), Gabriel Pedrozanni, que faz parte da Coordenação Geral de Patrimônio Indígena e Meio Ambiente, afirmou que falta a participação efetiva da comunidade na verificação dos impactos. “A Funai ainda precisa da manifestação dos povos indígenas que serão impactados. Fora isso, ainda temos os índios isolados nesta região”, afirmou. Gabriel listou alguns problemas que a pavimentação e reconstrução da rodovia pode trazer, entre eles, a invasão de madeireiras, garimpeiros, latifundiários, desmatamentos, contaminação dos rios por mercúrio, entre outros. Também citou que, com a pavimentação da estrada, surgirão as estradas vicinais, causando maior impacto e desmatamento numa extensão bem maior. Para a Funai, o EIA não levou em consideração o componente indígena e apontou como maior dificuldade para o licenciamento da estrada, a falta de comunicação entre os órgãos licenciadores e a falta de reconhecimento de problemas sócio-culturais.


 


Gunter Kroemer, do Cimi, apresentou a questão específica dos indígenas em situação de isolamento e risco, que habitam a região entre o rio Madeira e o rio Purus. Apresentou vários povos entre eles, o povo Juma, Katawaxi, Karipuinha. Citando o documento final do VI Acampamento Terra Livre, ele lembrou o direito dos indígenas à consulta prévia em relação às obras que atingem suas terras e da falta de respeito em se atropelar a existência de indígenas isolados e em situação de risco na área.


 


Debates


 


Após as apresentações, iniciou-se o debate com questionamentos que seguiram a linha de questões da Sub-procuradora da 6ª Câmara, Dra. Débora Duprat, que pediu mais explicações sobre a governança ambiental em nível alto e as pessoas consultadas nos estudos realizados. Para ela, o projeto da BR 319 está aquém do ideal em termos de perspectivas humanas, pois os povos tradicionais não foram nem consultados, como indica a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).


 


Rubens Gomes, do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), também lembrou a falta de componente indígena no EIA e que o estudo acaba apagando as terras indígenas do estudo. Aderval Costa, do Ministério de Desenvolvimento Social lembrou que além dos povos indígenas, falta o respeito aos outro povos tradicionais e que o projeto vai reeditar erros, se colocar Unidades de conservação sobrepostas às áreas indígenas e territórios tradicionais.


 


Histórico


 

A BR-319 foi aberta durante o governo militar, entre 1972 e 1973. Com a ausência de fluxo e o conseqüente abandono, a estrada tornou-se intransitável, com trechos em que a floresta já ocupa totalmente seu traçado. Organizações da sociedade civil e especialistas apontam que a estrada pode aumentar o desmatamento e provocar a expulsão de comunidades tradicionais e populações indígenas que estão na área de influência da estrada.

Fonte: Cimi
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