Consideração dos Relatórios Submetidos por países membros conforme artigos 16 e 17 do pacto
Brasil
1. O Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais considerou o segundo relatório periódico do Brasil sobre a implementação do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (E/C.12/BRA/2) em suas 6a, 7a e 8a reuniões realizadas nos dias 6 e 7 de maio de 2009 (E/C.12/2009/SR.6-8) e adotou, em sua 23a reunião, realizada em 19 de maio de 2009, as seguintes observações conclusivas.
A. Introdução
2. O Comitê agradece a entrega do segundo relatório periódico do Estado Parte e a oportunidade de estabelecer um diálogo construtivo com o Estado Parte. O Comitê também agradece as respostas por escrito do Estado Parte à sua lista de questões, bem como as resposta fornecidas pela delegação multisetorial do Estado Parte para as perguntas orais do Comitê.
B. Aspectos positivos
3. O Comitê considera positivas as medidas legislativas e as demais medidas adotadas pelo Estado Parte desde o exame de seu relatório inicial, incluindo as seguintes:
(a) a “Lei Maria da Penha”, aprovada em 2006, que prevê a repressão da violência doméstica e familiar contra as mulheres, medidas de proteção e assistência às vítimas;
(b) a remoção do Código Penal do conceito discrimatório de “mulher honesta”, anteriormente aplicado em certos casos de violência sexual contra as mulheres;
(c) a introdução, em 2003, do Plano Nacional de Qualificação para coordenar políticas públicas de emprego para grupos vulneráveis, incluindo povos indígenas, afro-descendentes e mulheres;
(d) o Programa Nacional de Merenda Escolar instituído para prover refeições gratuitas a 37 milhões de crianças em escolhas públicas;
(e) o Programa Brasil sem Homofobia, que objetiva proteger e promover os direitos das pessoas homossexuais, incluindo seus direitos à integridade pessoal, educação, saúde e trabalho;
(f) licenciamento compulsório de medicamentos anti-retrovirais para HIV/AIDS a fim de torná-los acessíveis e propiciar a expansão de tratamento para todos os pacientes;
(g) o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), cuja tarefa principal é urbanizar favelas, construir casas e melhorar as condições de moradia de grupos de baixa-renda;
(h) o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social, juntamente com seu Conselho Gestor, instituído para centralizar e gerenciar os recursos orçamentários para os programas do SNHIS.
4. O Comitê vê com satisfação a ampla consulta com organizações da sociedade civil no processo de elaboração do segundo relatório periódico do Estado Parte.
5. O Comitê felicita o Estado Parte pela ratificação dos seguintes instrumentos internacionais:
(a) Convenção nº. 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais (Abril 2004);
(b) o Protocolo para Prevenir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, Especialmente Mulheres e Crianças, Suplementando a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Trasnacional (Março 2006); e
(c) Convenção–Quadro sobre Controle do Uso do Tabaco da Organização Mundial de Saúde (maio 2003).
C. Fatores e dificuldades impedindo a implementação do pacto
6. O Comitê aponta para a ausência de quaisquer fatores ou dificuldades significativos impedindo a implementação efetiva do Pacto no Estado Parte.
D. Principais temas de preocupação e recomendações
7. É com preocupação que o Comitê nota que o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana ainda tem de cumprir os Princípios de 1993, relativos a instituições nacionais para a promoção e proteção dos direitos humanos (Princípios de Paris).
O Comitê recomenda que o Estado Parte adote as medidas, legislativas ou de outra natureza, necessárias para permitir que Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana esteja em total conformidade com os Princípios de Paris. O Comitê também insta o Estado Parte a assegurar que os direitos econômicos, sociais e culturais sejam inteiramente cobertos pelo mandato do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, e que os recursos necessários sejam alocados para seu funcionamento efetivo.
8. O Comitê está profundamente preocupado com a cultura de violência e impunidade que prevalece no Estado Parte. Neste sentido, o Comitê se preocupa com relatos de que defensores de direitos humanos, incluindo aqueles que auxiliam indivíduos e comunidades na afirmação de seus direitos econômicos, sociais e culturais, são ameaçados, assediados e sujeitos a violência, frequentemente por milícias privadas acionadas por atores públicos e privados. O Comitê também está profundamente preocupado com os relatos acerca do fracasso das autoridades brasileiras em garantir a segurança dos defensores de direitos humanos e em julgar os responsáveis por estes atos.
O Comitê recomenda que o Estado Parte tome todas as medidas necessárias para combater a cultura de violência e impunidade prevalecente no Estado Parte e assegurar a proteção de defensores de direitos humanos contra qualquer violência, ameaça, retaliação, pressão ou qualquer ação arbitrária como conseqüência de suas atividades. O Comitê recomenda que o Estado Parte aperfeiçoe seus programas de educação em direitos humanos para autoridades responsáveis pela aplicação da lei, especialmente policiais, e garanta que todas alegações de violações de direitos humanos sejam pront a e amplamente investigadas por um órgão independente capaz de julgar os responsáveis.
9. O Comitê está preocupado com o progresso lento do processo de reforma agrária, não obstante os direitos constitucionais à propriedade e à auto-determinação, bem como a adoção de legislação para facilitar a demarcação de terras pertencentes aos povos indígenas e a adoção pelo Estado Parte da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2007) e sua ratificação da Convenção nº. 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais. (art. 1.1)
O Comitê reitera a recomendação feita em suas observações finais ao relatório inicial do Estado Parte a esse respeito e recomenda que este complete rapidamente o processo de demarcação e homologação de terras indígenas em conformidade com a Constituição e as leis existentes.
10. O Comitê continua preocupado com as persistentes desigualdades nas condições econômicas e a injustiça social associada existentes entre as diferentes regiões, comunidades e indivíduos do Estado Parte, apesar de medidas positivas tomadas por ele neste sentido, como o Programa Fome Zero e o aumento do salário mínimo. (art 2.2)
O Comitê recomenda que o Estado Parte intensifique seus esforços para reduzir as persistentes desigualdades e a injustiça social entre diferentes regiões, comunidades e indivíduos.
11. O Comitê vê com preocupação a permanência de uma discrepância significativa entre as respectivas expectativas de vida das populações negras e brancas, apesar do aumento na expectativa média de vida de 65,6 anos, no início da década de 1990 para 71,6 anos em 2004. Adicionalmente, o Comitê continua preocupado com a diferença significativa nos níveis de pobreza entre os grupos populacionais negros e brancos, ao mesmo tempo que reconhece que os indicadores de pobreza agregada no Estado Parte melhoraram entre 2001 e 2004. (art. 2.2)
O Comitê recomenda que o Estado Parte adote todas as medidas apropriadas para tratar da discrepância entre as expectativas de vida e os níveis de pobreza dos grupos populacionais negros e brancos por meio de ação mais concentrada em programas de saúde e de erradicação da pobreza para os primeiros. O Comitê solicita informação estatística atualizada e dados sobre a expectativa de vida e níveis de pobreza no Estado Parte, desagregados por região e grupo étnico.
12. O Comitê nota que as taxas de analfabetismo permanecem um problema no Estado Parte e que desigualdades no nível de alfabetismo entre populações negras e brancas persistem. Ao Comitê também preocupa a taxa média de analfabetismo ser significativamente mais alta em áreas rurais e no norte do Estado Parte. (art. 2.2)
O Comitê insta o Estado Parte a fortalecer suas medidas corretivas para tratar do problema do analfabetismo, particularmente em áreas rurais e na comunidade afro-descendente.
13. O Comitê está preocupado com o fato de as pessoas com deficiência ainda sofrerem discriminação no acesso ao emprego, não obstante as cotas para empregabilidade de pessoas com deficiência tanto no setor público quanto no privado. (art. 2.2)
O Comitê encoraja o Estado Parte a implementar efetivamente suas medidas para superar os obstáculos encontrados pelas pessoas com deficiência no acesso ao mercado de trabalho.
14. O Comitê se preocupa com a persistência de papéis de gênero negativo, incluindo a representação da mulher com o objeto sexual e os estereótipos tradicionais da mulher na família e na sociedade, e que estes possam deixar as mulheres mais vulneráveis à violência doméstica e outras formas de violência. Ademais, embora as mulheres em geral tenham um nível educacional superior ao dos homens, elas ainda são sub-representadas nos cargos eletivos, em cargos administrativos e gerenciais, concentram-se em empregos de menor remuneração e/ou de meio-turno e recebem uma média salarial menor e proteção social limitada (art. 3)
O Comitê conclama o Estado Parte a fazer cumprir sua legislação sobre equidade de gênero e a tomar todas as medidas efetivas, incluindo o uso da mídia e da educação, para superar os estereótipos tradicionais relativos ao status das mulheres nas esferas pública e privada e garantir, na prática, a igualdade entre homem e mulher em todos os âmbitos da vida, como estabelecido nos artigos 2(2) e 3 do Pacto. Neste sentido, o Comitê chama a atenção do Estado Parte para seu Comentário Geral nº 16 (2005) sobre a igualdade do direito de homens e mulheres de gozar seus direitos econômicos, sociais e culturais, e seu Comentário Geral nº 19 (2007) sobre o direito à seguridade social.
15. O Comitê vê com preocupação o grande número de brasileiros empregados sob condições desumanas ou degradantes, semelhantes à escravidão ou sujeitos a trabalho forçado e outras condições de trabalho exploratórias, especialmente em madereiras e na colheita de cana de açúcar, e está preocupado com o fato de o trabalho forçado consistir em fenômeno que afeta desproporcionalmente homens jovens de famílias de baixa renda. (art. 7)
O Comitê recomenda que o Estado Parte:
(a) tome medidas efetivas para erradicar todas as formas degradantes e desumanas de trabalho;
(b) assegure que violações relativas a práticas proibidas de trabalho, tais como trabalho forçado, sejam rigorosamente punidas;
(c) forneça, em seu próximo relatório periódico, informações sobre os passos dados para tratar do trabalho degradante, bem com o sobre o impacto dessas medidas.
16. O Comitê vê com preocupação as persistentes desigualdades raciais no acesso ao emprego, particularmente afetando os afro-descendentes e povos indígenas. Ademais, o Comitê está preocupado com a disparidade nas condições de trabalho baseadas no gênero e na raça, apesar das iniciativas do Estado Parte nesta área. O Comitê também vê com pesar a ausência de dados estatísticos sobre o grau de acesso ao emprego dos indígenas não-aldeados. (arts 2.2 e 7)
O Comitê recomenda que o Estado Parte continue a fortalecer seus mecanismos legais e institucionais estabelecidos para combater a discriminação no campo do trabalho e facilitar igualdade de acesso a oportunidades de trabalho para mulheres e pessoas pertencentes a minorias raciais, étnicas ou nacionais. O Comitê solicita que o Estado Parte providencie, em seu próximo relatório periódico, informação sobre o grau de acesso dos indígenas não-aldeados ao emprego.
17. O Comitê está preocupado com relatos de assassinatos de líderes sindicais. Adicionalmente, o Comitê vê com preocupação que líderes sindicais sejam frequentemente sujeitos a outras formas de assédio, incluindo intimidação e investigações judiciais de má-fé, não obstante as ações tomadas pelo Estado Parte para melhorar a implementação do artigo 8(1) do Pacto, incluindo a reforma da legislação sobre federações de sindicatos, há muito ultrapassada. (art. 8)
O Comitê recomenda que o Estado Parte adote medidas adequadas para garantir a proteção de sindicalistas e líderes sindicais contra todas as formas de assédio e intimidação e investigue rigorosamente os relatos alegando qualquer forma de violência.
18. O Comitê também está preocupado com relatos segundo os quais a filiação a sindicatos frequentemente resulta na inclusão de sindicalistas e líderes sindicais em listas sujas. (art. 8)
O Comitê recomenda que o Estado Parte adote medidas efetivas para assegurar que trabalhadores filiados a sindicados não sejam submetidos a listas sujas e que eles sejam capazes de exercer livremente seus direitos conforme o artigo 8 do Pacto.
19. O Comitê está preocupado com a alta proporção da população excluída de qualquer forma de cobertura social, especialmente o alto número de pessoas empregradas na economia informal. Comitê está particularmente preocupado com o fato de a maioria dos trabalhadores domésticos não estar apta para receber os beneficios da previdência social e com as pessoas que não tiveram condições de contribuir com o sistema de seguridade social e que recebem benefícios inadequados. Neste sentido, o Comitê nota que o Programa de Benefício Continuado, por exemplo, está disponível apenas para pessoas com uma renda menor do que 25% do salário mínimo. (art. 9)
O Comitê recomenda que o Estado Parte:
(a) fortaleça suas medidas para prover cobertura da previdência social para as populações economicamente vulneráveis e que ela seja acessível para pessoas que não podem contribuir com o sistema; e
(b) intensifique seus esforços para regularizar a situação de trabalhadores na economia informal, a fim de torná-los aptos a beneficiarem-se de um pacote básico de proteção social que inclua uma pensão por idade, um auxílio-maternidade e acesso a serviços de saúde.
20. Ao Comitê preocupa que, apesar de sua contribuição significativa para a redução da pobreza, o Programa Bolsa Família esteja sujeito a certas limitações. (art. 9)
O Comitê recomenda fortemente ao Estado Parte:
(a) adotar todas as medidas necessárias para ampliar o Programa Bolsa Família, de forma a abarcar um grande número de famílias que não recebe o benefício;
(b) melhorar a eficácia do programa por meio da revisão dos critérios de seleção de benicifários, com o propósito de assegurar igualdade de acesso às famílias mais pobres, especialmente as indígenas;
(c) incluir o auxílio-moradia no programa, a fim de possibilitar aos beneficiários o gozo de seus direitos básicos à alimentação e à moradia;
(d) considerar a possibilidade de universalização o benefício com vistas a assegurar uma renda mínima particularmente para as pessoas e famílias mais vulneráveis e marginalizadas; e
(e) assegurar que o programa integre direitos econômicos, sociais e culturais em conformidade com o Pronunciado do Comitê sobre a Pobreza e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, adotado em 4 de maio de 2001 (E/C.12/2001/10.
21. O Comitê vê com preocupação que a violência doméstica contra