08/05/2009

A luta e esperança continuam – Ato repudia projetos antiindígenas em discussão no Congresso

Uma linda lua iluminava o céu de Brasília. As corujas rompiam o silêncio na Esplanada dos Ministérios. Cenário raro, de muita força simbólica e beleza, se dava ali próximo dos três poderes, que dormiam. O acampamento parecia estar em vigília, ou na saudade antecipada, da despedida. Missão cumprida. Sessões compridas, centenas de falas e decisões amarradas pelo consenso. A proposta do Estatuto do Povos Indígenas só foi concluída altas horas da noite. Não foi para menos. O dia foi agitado.


 


Seis horas de audiência pública especial na Comissão de Direitos Humanos do Senado.  Foi preciso romper as resistências armadas para que mais de mil representantes de 130 povos indígenas do Brasil ali pudessem dar o seu recado. As bordunas tiveram que ficar do lado de fora. Mais de 50 depoimentos deram uma visão panorâmica do sofrimento, lutas e esperanças dos povos indígenas do Brasil. Muita indignação e momentos de muita lucidez, consciência crítica e sabedoria nas falas e manifestações. Quem agüentou as seis horas ali no plenário certamente jamais esquecerá  um dos mais bonitos cenários, nas cores e diversidade. Não será possível esquecer as contundentes expressões da dor e luta de mais de uma centena de povos indígenas do país.


 


“Essa foi uma das melhores e mais bonitas sessões que já teve nessa comissão”, disse o senador Cristóvão Buarque, ao encerrar a audiência pública. Já eram três horas de uma tarde quente em Brasília. Cristovão foi um dos que esteve presente e presidindo a mesa durante quase todo o tempo. O outro batalhador e defensor dos povos indígenas que teve o privilégio de ouvir para repassar para seus colegas no senado os recados da audiência, foi o senador Paim. Já quase no final veio trazer também sua solidariedade o senador Suplicy.


 


Tempo e humor do acampamento


Bom. Se encomendado fosse, o tempo possivelmente não seria melhor. Revezando momentos de sol intenso ou o céu coberto por espessas nuvens, de calor ou  frio agradável das noites enluaradas e  para dar o ar de sua graça, até chuvisco teve, o clima foi ótimo. Os habitantes das lonas pretas agradecem. Foram seus protetores que pediram que assim fosse. Os espíritos de seus antepassados, guerreiros e sábios, certamente perpassaram os quatro dias do acampamento, dando forças e energia, para esses dias memoráveis.


 


O humor era possível medir pela disposição, alegria contagiante, decisão e participação em todo o processo do acampamento. Na ultima noite houve até um concurso de piadas. Mas o melhor do humor mesmo foi possível perceber na riqueza dos debates e decisões tomadas. As manifestações de indignação diante da dor, das mortes, do descaso, da violência, da criminalização das comunidades e lideranças, tudo isso foi sabiamente equilibrado e transformado em decisões de luta, de união, de organização e articulação. E como nenhum movimento é só santo ou pecador, as divergências serviram de combustível para atravessar os desertos da desesperança , da condenação, do racismo, da hipocrisia e da brutalidade com que os povos indígenas tem sido tratados durante esses 509 anos pelos invasores, pelo império e pelo Estado e sociedade nacionais.


 


Audiência e ausência dos senadores


Quem deveria ouvir, certamente não compareceu à sessão. Mas ainda é tempo. As seis horas de indignação e exigências do movimento e povos indígenas do Brasil estão registrados na TV Senado.


 


O primeiro fato revoltante foi deixarem a multidão esperando durante longo período.  Fato que foi duramente criticado por várias lideranças, exigindo medidas concretas para que tal cena lamentável não se repita. Os senadores presentes se comprometeram com um pedido expresso para que os povos indígenas tivessem garantida a ocupação desse espaço no Senado, todos os anos, sem terem que enfrentar essa agressão constrangedora e indigna.


 


O tom das manifestações esteve carregado de indignação, revolta e cobrança. Cada depoente trazia seu sentimento, sua dor, sua decisão de lutar pelos seus direitos, até mesmo derramando o sangue. Da terra negada veio o grito maior. Da terra agredida e destruída emergiu o clamor de que não continue esse massacre e violência contra a mãe terra e os povos indígenas que durante tantos séculos a protegeram e nela viveram em paz e harmonia. Mas também foi registrado veemente repúdio contra todas as formas de agressão, criminalização e violência de diversas origens, pistoleiros, policiais militares e pela polícia federal, que teria a obrigação de defender os povos contra as agressões e saque dos recursos naturais. Ao invés disse o que se tem visto é brutalidade e violência contra comunidades indígenas.


 


Também foram lembradas e exigidas providências imediatas de algumas situações mais graves, como é o caso é a violência e negação à terras sofrida pelos povos indígenas do Mato Grosso do Sul, em especial os Kaiowá Guarani, o povo Xavante, na área Marawadsede e outras tantas situações que requerem decisões políticas e medidas imediatas pela evitar a continuidade das mortes e genocídio.


 


No documento final do Acampamento Terra Livre 2009, mais uma vez o forte apelo para que se cumpra a constituição demarcando e garantindo as terras indígenas livres de invasores e que se aprove com urgência o Estatuto dos Povos Indígenas, conforme a proposta consensuada pelos mais pelos povos participantes neste acampamento.


 


Passeata de repúdio e caminhada da esperança


O ato público, realizado no final do dia 7 de maio, foi marcado pelo espírito guerreiro e decidido, de repúdio contra as ações e iniciativas antiindígenas do Judiciário e principalmente no Congresso Nacional. Emblematicamente, foi escolhido o deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP) pelas suas declarações e iniciativas ferindo os direitos, a vida e sobrevivência dos povos indígenas. O boneco representando o parlamentar com a faixa “Dep. Aldo Negócio – CNA” foi lançado às águas em frente do Congresso. Os povos indígenas não vão admitir que nessa casa do povo sejam aprovadas essas leis que visam tirar seus direitos constitucionais e representam sérias ameaças à sobrevivência dos povos, particularmente no que se refere às terras e recursos naturais.


 


Depois de percorrer parte do eixo central, a passeata parou por alguns momentos em frente ao Supremo Tribunal Federal. Ali foram denunciadas recentes decisões contrárias aos direitos indígenas, como as 19 condicionantes, aprovadas por ocasião da decisão favorável  aos povos indígenas da Raposa Serra do Sol. Também foram citadas atitudes nocivas do ministro Gilmar Mendes.


 


Uma rápida passada pela praça dos três poderes, sob o tom dos maracás e cantos rituais. A decida para a rampa do Congresso foi espetacular. A decida íngreme do gramado serviu para deslizar ou fazer um teste de equilíbrio. Em frente ao Congresso foi formado um arco com flecha apontando para o congresso, tendo em sua frente o boneco, simbolizando o repúdio às iniciativas antiindígenas em curso naquela casa. Momentos de rara beleza e dureza.  “Dureza com sabedoria” comentava alguém.


 


Egon Heck – Cimi MS – Acampamento Terra Livre, Brasília 8 de maio de 2009

Fonte: Cimi
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