20/03/2009

Uma crise do modo de ser

“Estamos indo para o segundo ano de crise e ainda não existe enfrentamento direto para esta questão. A crise não é conjuntural. É longa”. Marcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) e professor licenciado da Unicamp, fez as afirmações durante sua fala na reunião da Coordenação da Via Campesina,em Luziânia, GO. Convidado para fazer uma análise de conjuntura sobre a crise, que é realidade em todo mundo, Pochmann ressaltou que o que se vive hoje é uma crise global e não apenas econômica; um colapso que não é ocasional.


 


Diferentemente de outros períodos emblemáticos, como o ano de 1929, ela ocorre quando praticamente todos os países do mundo estão submetidos à mesma lógica mercantil. O sistema, que reúne riquezas fictícias, ações nas bolsas, padrões de consumo e produção nunca vistos antes, não tem mais saída. O esgotamento apenas começou no sistema financeiro, coração do capitalismo. Mas já atinge todos os outros espaços: núcleos sociais, o modelo de trabalho, família e política.


 


O que vemos nos jornais é uma parte econômica e mais atual da crise. Sabe-se que os outros aspectos são importantes e graves. O que vem sendo colocado sempre por movimentos sociais, estudiosos e organizações pode ser observado agora, que é o agir no mundo de um modo equivocado. Um modelo adotado em que se prioriza o mundo das finanças, o agronegócio, o consumismo, a destruição ambiental, não tem sustentabilidade a longo prazo, justamente porque o próprio planeta não suporta.


 


Como sobreviver num mundo onde, com o avançar dos séculos, ao invés de uma melhora nos contextos de trabalho, família, meio ambiente e bem estar, só existe piora com novas tecnologias? No trabalho, as jornadas que deveriam diminuir, se tornam cada vez maiores. Trabalha-se a todo tempo, com os recursos da informática (computadores, celulares) em qualquer lugar. As conquistas de lutas sociais por trabalho justo e direitos se perderam. As discrepâncias entre pobres e ricos aumentaram. As casas são depósitos de produtos de consumo para famílias cada vez menores. Então, a crise seria apenas econômica? Os fatos mostram que não. É um modo de ser equivocado.


 


E o Brasil?


 


A versão econômica de toda essa crise chegou ao Brasil com o problema do crédito (um quinto é originário do exterior), o comércio externo (exportação) e as decisões que as multinacionais tomam no Brasil, seguindo orientações de suas matrizes estrangeiras. Apesar de entrar no país num período de melhoras dos indicadores financeiros, ela é uma inflexão na trajetória econômica brasileira. E o enfrentamento está sendo feito de duas maneiras pelo governo: política financeira conservadora e políticas de certa forma encaradas como pós-crise.  Ao mesmo tempo em que se libera dinheiro para empresas, anuncia-se a construção de 500 mil casas, na intenção de criar empregos na construção civil. A solução dos problemas não está posta.


 


Mas a crise é um espaço colocado para transformações profundas. É preciso atingir um novo padrão civilizatório no século XXI e deve-se aproveitar o período para buscar novos rumos, em todos os espaços em que a crise possa ser sentida. É necessário um Estado com políticas públicas, inter-relacionadas. A reforma agrária, por exemplo, deve ser uma delas. Não deve ser apenas a distribuição de terras em si, mas é necessário educar para a terra, valorizar o campo como espaço de vida e não apenas de produção para exportação.


 


Esse é o momento de atuação forte dos movimentos sociais. Eles devem apresentar um novo modelo de civilização. A burguesia, que se mostrou forte logo após a crise de 1929, não tem projeto. A solução para uma nova maneira de ser, para um novo modo de produção, que não seja inconseqüente, deve partir dos setores populares.


 


(Texto baseado na fala de Marcio Pochmann durante o Encontro da Coordenação da Via Campesina, em fevereiro de 2009, em Luziânia – GO)


 


Maíra Heinen


 


 

Fonte: Cimi
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