09/03/2009

Mulheres da Via Campesina fazem jornada contra agronegócio em cinco estados

As mulheres da Via Campesina fazem protestos para denunciar que o governo sustenta o agronegócio e as empresas transnacionais do setor exportador, especialmente da agricultura, no quadro da crise econômica mundial, enquanto deixa em segundo plano os trabalhadores rurais, a pequena agricultura e a Reforma Agrária, em jornada de lutas nesta segunda-feira (09/03), em torno do Dia Internacional da Mulher. Foram realizados protestos hoje em Brasília, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, São Paulo e Paraná (leia o manifesto da jornada no final desta mensagem).

 

Apenas em dezembro, o agronegócio demitiu 134 mil pessoas em todo país, sendo o segundo setor que mais demitiu com a crise econômica, apesar da alta lucratividade do último período e os investimentos do governo. Em 2008, o BNDES desembolsou para os setores da mineração, agropecuária, celulose e papel cerca de R$ 17 bilhões. Do total de R$ 1,51 trilhão previsto para o período entre 2008 e 2011, somente o agronegócio tem previsão de R$ 45,1 bilhões em investimentos.

 

“A crise econômica demonstra que o atual modelo econômico sustenta o agronegócio e as empresas transnacionais, que submetem o nosso país ao capital internacional e são responsáveis pelo colapso mundial. Agora, pedem socorro ao governo ao Estado e demitem os seus trabalhadores. A sociedade brasileira e os trabalhadores não podem pagar pela crise do neoliberalismo”, afirma Itelvina Masioli, integrante da Via Campesina. 

 

“É a hora de mudarmos o modelo agrícola, fazendo a Reforma Agrária, e o modelo econômico, fortalecendo o mercado interno e aumentando o salário mínimo, para defendermos os trabalhadores e garantirmos a soberania nacional”, completa.

 

Em Brasília, 800 mulheres da Via Campesina ocupam o prédio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, em Brasília, onde realizam um ato pacífico. A manifestação denuncia que a política agrária do governo, dirigida pelo Ministério da Agricultura, controlado pelos ruralistas, sustenta os latifundiários, as empresas transnacionais e o capital financeiro, responsáveis pela crise.

 

As trabalhadoras rurais denunciam também o modelo de desenvolvimento imposto pelo governo, empresas transnacionais e bancos para o campo brasileiro, e cobram a implementação de um modelo agrícola baseado na pequena agricultura, através da realização da reforma agrária, e uma política econômica voltada para a geração de empregos para a população.

 

No Rio Grande do Sul, 700 mulheres organizadas pela Via Campesina ocupam neste momento a Fazenda Ana Paula, de propriedade da Votorantim Celulose e Papel. A ocupação foi iniciada com o corte de eucalipto na área. Depois de especular contra a moeda brasileira e ter prejuízos com a crise financeira, a VCP recebeu R$ 6,6 bilhões do governo brasileiro para adquirir a Aracruz Celulose, através da compra de metade da carteira do Banco Votorantim e de um empréstimo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social –BNDES. O custo da compra foi de R$5,6 bilhões.

 

A VCP havia prometido gerar 30 mil empregos no estado e mesmo recebendo recursos e isenções fiscais dos governos federal, estadual e de municípios, a Aracruz causou a demissão de 1,2 mil trabalhadores em Guaíba, entre trabalhadores temporários e sistemistas, e a VCP outros 2 mil trabalhadores na metade sul. O agronegócio foi o segundo setor que mais demitiu com a crise financeira. Apenas em dezembro, o agronegócio demitiu 134 mil pessoas em todo país.

 

No Espírito Santo, cerca de 1300 mulheres da Via Campesina ocuparam o Portocel, porto de exportações da empresa Aracruz Celulose, localizado em Barra do Riacho, município de Aracruz, para denunciar o repasse de recursos públicos do Estado para a empresa. As mulheres entraram no porto, fizeram um ato com a destruição da produção de eucalipto, e saíram da área. A Aracruz se apropria de recursos públicos, mas não gera nem garante empregos, destrói o meio ambiente e não contribui para o desenvolvimento nacional.

 

Para salvar a Aracruz da falência, o governo repassou, via BNDES – com recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) – R$ 2,4 bilhões para o grupo Votorantim comprar ações da Aracruz. Mesmo com os recursos de amparo ao trabalhador, a empresa não garante emprego, e já demitiu mais de 1500 trabalhadores terceirizados. O caso é uma demonstração que os interesses das empresas privadas se sobrepõem aos interesses do povo brasileiro.

 

A área plantada das empresas do setor de papel e celulose soma 5,5 milhões de hectares em nosso país, sem contar os 304 mil hectares de áreas pertencentes a terceiros, mas utilizadas pelas empresas para o plantio de eucalipto (dado da Votorantim). Mesmo assim, esse foi o setor da economia que sentiu mais rapidamente as mudanças no rumo da economia, porque especularam no mercado financeiro.

 

A Aracruz, Votorantim Celulose e Papel (VCP) e Klabin tiveram um prejuízo somado de R$ 2, 7 bilhões no terceiro trimestre do ano. A especulação da Aracruz causou perdas estimadas em aproximadamente US$ 2 bilhões (o valor equivale à receita de um ano de exportações da fabricante de celulose, de US$ 2,1 bilhões em 2007). “As empresas lucram como nossos recursos naturais, especulam no mercado financeiro e, no momento de crise, demitem trabalhadores e recorrem ao Estado”, questiona Itelvina Masioli.

 

Em São Paulo, cerca de 600 trabalhadoras do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra realizaram nesta segunda-feira (09) a ocupação de uma área da Cosan, no município de Barra Bonita, na região de Jaú, a 280 km da capital. O grupo Cosan explora uma área duas vezes maior que o total de hectares destinados para a Reforma Agrária no Estado de São Paulo: 605 mil hectares pelo grupo, contra apenas 300 mil para as 15 mil famílias em assentamentos estaduais e federais.

 

A unidade da Barra, local da manifestação, é a maior usina de açúcar e etanol do mundo em capacidade de moagem de cana, ou seja, é um símbolo do setor sucroalcooleiro. Segundo estudos do BNDES (2003), esta usina explora mais de 70 mil hectares de terra, dos quais cerca de 18 mil hectares são de propriedade da própria empresa, e os demais são arrendados, abarcando seis municípios da região. “As terras do grupo Cosan não cumprem o seu papel social e assim estão em total desacordo com o quê prevê a Constituição do país. Por isso, suas terras devem ser destinadas para a Reforma Agrária imediatamente”, pontua Soraia Soriano, da Via Campesina.

 

No Paraná, 1.000 trabalhadoras da Via Campesina farão uma marcha pelo centro de Porecatu, no Norte do estado. A manifestação começou pela manhã, saindo do Centro Comunitário da Prefeitura até a praça central, onde será realizada uma celebração com a partilha de alimentos da Reforma Agrária. Durante a caminhada as mulheres denunciaram o modelo do agronegócio, a produção dos monocultivos (da cana de açúcar, soja, eucalipto, pinus, entre outros) e as transnacionais, que destroem a biodiversidade, a cultura camponesa e inviabilizam a Reforma Agrária.

 

As trabalhadoras paranaenses também cobram o assentamento das 6 mil famílias que permanecem acampadas em cerca de 65 acampamentos no estado, e a desapropriação da fazenda Variante, do grupo Atalla, em Porecatu, onde foram encontrados trabalhadores em situação de escravidão. A área está ocupada por 300 famílias do MST, desde o início de novembro do ano passado.

 

Existem no Brasil 130 mil famílias acampadas e mais de quatro milhões de famílias sem-terra. “A realização da Reforma Agrária e a consolidação de um novo modelo agrícola dependem da derrota do modelo econômico vigente. A oferta de crédito rural do governo federal para a agricultura empresarial nesta safra (2008/09) é de R$ 65 bilhões e de apenas R$ 13 bilhões para a agricultura familiar, com isenção dos impostos de exportação. Exportar somente matéria-prima não desenvolve o país, nem distribui renda”, afirma Itelvina Masioli, integrante da Via Campesina.
Fonte: Via Campesina
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