18/02/2009

Direitos Humanos e grandes projetos

Em 2003, durante a I Conferência Nacional de Meio Ambiente, em Brasília, indígenas e quilombolas denunciavam o desrespeito aos direitos humanos da Aracruz Celulose – uma gigante do setor de produção de papel que atua na região sul do país -, enquanto o governo Lula tecia homenagens à mesma no Rio de Janeiro, pelo cumprimento de suas responsabilidades sociais. Situações como as denunciadas em Brasília mais de cinco anos atrás estão sendo pesquisadas e documentadas em uma publicação intitulada: Estudo e relatório de impacto em Direitos Humanos em Grandes Projetos: o caso do eucalipto.

O projeto é de iniciativa do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) e está sendo executado pelo Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Serra (CDDH-Serra). Trata-se de um dos “estudos de caso” que estão servindo como referência para o projeto maior do MNDH que visa elaborar uma metodologia, ainda em construção, de novos instrumentos de monitoramento quanto aos impactos dos grandes projetos sob a ótica dos Direitos Humanos, denominado Estudo e Relatório de Impacto em DH(EIDH/RIDH ). Os outros três estudos de caso estão voltados para áreas de monocultivos de eucalipto no Rio Grande do Sul (em parceria com o MMC – Movimento de Mulheres Camponesas), da soja no Baixo Parnaíba/MA e da cana-de-açúcar no Triângulo Mineiro/MG. A Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE) e o Processo de Articulação e Diálogo entre agências européias e parceiros brasileiros (PAD) figuram como co-patrocinadores da iniciativa.

Vastas áreas de mata atlântica foram e continuam sendo derrubadas para a implantação de empreendimentos industriais, em especial para extração de celulose e produção de papel, sob a justificativa de atender a uma grande demanda de mercado. Como contrapartida ambiental, esses empreendimentos sustentam que realizam reflorestamento através do plantio de eucalipto, na verdade um monocultivo que tem ocupado vastas extensões de terra em todo o território brasileiro. De fato, a escala e demanda internacional é tal que constitui efetivo fator de destruição da biodiversidade e de ameaça aos direitos de comunidades tradicionais.  Ainda assim, esta “onda verde” vem revestida de um caráter ambientalista, ancorado no manto da responsabilidade social.

O plantio de eucalipto como alternativa compensatória pela exploração da natureza para produção de bens de consumo teve início na década de 1990 e tem sido assumido por muitos empreendimentos como uma forma de desconstruir a visão de que o desenvolvimento econômico é maléfico ao meio ambiente. Mas, segundo Gilsa Barcelos, coordenadora do projeto executado pelo CDDH-Serra, a crescente ocupação do setor florestal brasileiro por plantações de eucalipto tem gerado conseqüências negativas para a economia e para os pequenos agricultores locais. “O capitalismo verde constitui uma estratégia esperta de empresas que divulgam uma imagem de compromisso com a questão ambiental”, desabafa. O CDDH-Serra, juntamente com movimentos sociais locais que, há alguns anos se articula no movimento Rede Alerta Contra o Deserto Verde, resiste às investidas de grandes complexos celulósicos instalados na região sul do país.

 “As estruturas do Estado, em prol do ‘desenvolvimento’ são omissas ou cúmplices dessa lógica de uso dos recursos naturais”, declara Gilsa e lembra a necessidade de leis mais duras de controle ambiental e de responsabilidade social dos empreendimentos, e que essas leis sejam cumpridas de fato. “Por enquanto, a esperança permanece no processo de organização da sociedade civil local, na formação de redes de solidariedade entre povos impactados, ambientalistas e ONGs”, diz a coordenadora do projeto. O resultado do trabalho renderá a produção de um relatório para a Anistia Internacional sobre a criminalização de quilombolas. A previsão de prazo para conclusão do trabalho é até o final de junho.

Responsabilidade Social? O caso Aracruz Celulose
“A expressão ‘responsabilidade social’ pode assumir conteúdos bem diferentes, a depender do sujeito e do contexto onde é discutido”, observa Gilsa. Para o CDDH-Serra, o caso do Grupo Aracruz Florestal (mais tarde, Aracruz Celulose), que chegou à região sul do Brasil em 1967, tem um conteúdo bem questionável, pois a visão predatória das empresas de celulose não se sustenta nem ambiental nem socialmente.  Desde a chegada do grupo, foram inúmeras as transformações e conseqüências para a população local. “Avalia-se que só em território indígena houve a derrubada de 30.000 hectares de Mata Atlântica para dar lugar às fábricas da empresa e ao seu plantio de eucalipto”, conta Gilsa Barcelos.

Segundo a coordenadora do projeto Estudo e relatório de impacto em Direitos Humanos em Grandes Projetos: o caso do eucalipto, o avanço da indústria e do plantio da monocultura de eucalipto provocou uma enorme perda de territórios por parte das populações tradicionais: indígenas (Guarani e Tupiniquim)  no município de Aracruz; e  de remanescentes de quilombos nos municípios de São Mateus e Conceição da Barra.

“Com a perda da maior parte do seu território e a impossibilidade de praticar a agricultura tradicional, houve, no período, uma grande migração de índios e quilombolas para as cidades mais próximas em busca de trabalho”, esclarece. Os poucos integrantes que decidiram permanecer no local tiveram que presenciar diversas intervenções sobre a sua riqueza. A caça, a agricultura e o peixe desapareceram; rios foram manilhados, assoreados e muitos deram lugar às obras de engenharia da empresa.

Recentemente, depois de muita resistência e até a realização de um tribunal internacional com apoio de outros movimentos e organizações, os índios conseguiram recuperar parte de suas terras (18 mil hectares) que estavam de posse da empresa. Só aguardam a homologação por parte da Presidência da República. Apesar da legislação brasileira reconhecer o seu direito ao território tradicional, para que os quilombolas consigam recuperar as suas terras muita luta terá que ser travada.
Racismo Ambiental e Institucional no norte do Espírito Santo

Em 2006, a Aracruz chegou ao ápice do racismo ambiental quando comunicou em outdoor: A Aracruz trouxe o progresso. A Funai, os índios. Um processo de recorrentes desrespeitos aos direitos humanos que encontra no estado um aliado. “O Estado capixaba (governo e prefeituras) tem sido, historicamente, um aliado da Aracruz Celulose”, afirma Gilsa Barcelos, que acredita no agravamento dessa situação com a formação do Movimento Paz no Campo (MPC).

O MPC é organizado por fazendeiros em aliança com a Aracruz e, segundo Gilsa, recebe todo o apoio estatal. “Atualmente, a tensão se dá por um processo violento de criminalização quando o serviço de segurança da empresa se alia à polícia militar para acuar e ameaçar lideranças e quilombolas que vivem do carvão”, afirma.

Gilsa define o início do racismo institucional na região no final da década de 1970, quando as populações (indígenas e quilombolas) foram invisibilizadas pelo Governo do Estado, que diagnosticou as terras dessas populações como improdutivas e desabitadas.

Paulo César Carbonari
MNDH

Fonte: MNDH
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