Manifesto sobre a saúde indígena
Os representantes dos Povos Indígenas de Roraima – Makuxi, Yanomami, Wapichana, Taurepang, Ingarikó, Yekuana e Wai-Wai, juntamente com seus aliados presentes ao Fórum Social Mundial realizado em Belém do Pará na Amazônia Brasileira, vêm manifestar sua preocupação quanto à grave situação da assistência à saúde das comunidades indígenas em nosso estado e em todo o país.
A falta de investimentos adequados na estrutura física e de equipamentos para os postos de saúde, transportes e comunicação, a insuficiência dos medicamentos básicos e materiais médicos, e os atrasos constantes no repasse dos recursos para os convênios e para as atividades dos distritos, demonstram a enorme incapacidade da FUNASA na gestão da saúde indígena, afetando seriamente a organização dos serviços e provocando o aumento de doenças e mortes em nossa população.
O agravamento desta situação nos últimos anos levou a uma insatisfação generalizada entre as lideranças e comunidades indígenas, que se reflete em todos os distritos sanitários indígenas do país, exigindo mudanças profundas que eliminem a má vontade, burocracia, autoritarismo, e as ingerências políticas que entravam a luta dos povos indígenas e de seus aliados na construção de uma saúde digna e participativa para as suas comunidades.
A mobilização indígena a partir das manifestações do movimento do Abril Indígena de 2008, do Fórum de Presidentes de Conselhos Distritais de Saúde e da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), levou o governo federal a anunciar a criação de uma Secretaria Especial de Saúde Indígena, que será o órgão responsável pela realização das reformas no subsistema e pela autonomia administrativa dos Distritos Sanitários Indígenas em todo o país.
A continuidade dos convênios firmados com a FUNASA para a execução de ações complementares de atenção à saúde indígena no formato atual é inviável, provocando graves distorções nos seus objetivos iniciais e gerando um grande ônus político e institucional para todas as organizações envolvidas.
A transição para este novo modelo de gestão da Saúde Indígena no país deve acontecer com a maior urgência possível, com o envolvimento efetivo dos representantes legítimos dos povos indígenas e de seus verdadeiros aliados, visando o enfrentamento imediato dos graves problemas que estão afligindo nossas comunidades. Com este objetivo apresentamos as seguintes propostas:
- O Ministério da Saúde deve transformar imediatamente os Distritos Sanitários Especiais Indígenas em unidades gestoras, com autonomia política, administrativa e financeira, e repasse dos recursos diretamente pelo governo federal, mediante a apresentação de planos de trabalho aprovados nos Conselhos Distritais de Saúde.
- Propomos a realização de uma reunião prévia ao Seminário Regional de Gestão Participativa proposto pelo Ministério da Saúde, reunindo os Distritos Sanitários Yanomami e do Leste de Roraima, devido à grande extensão geográfica e populacional e à complexidade da nossa realidade, a ser realizada na segunda quinzena de fevereiro na cidade de Boa Vista.
- Os recursos destinados à saúde indígena devem estar previstos nos tetos orçamentários de cada Distrito Sanitário Especial Indígena, de acordo com o Plano Distrital de Saúde e conforme as respectivas realidades, estabelecidos em um processo transparente e com a participação efetiva de todas as instâncias de controle social envolvidas.
- A mudança do atual modelo de gestão pelo governo federal deve levar em conta a situação dos convênios durante o período de transição, assegurando a regularidade no repasse dos recursos financeiros, evitando os entraves burocráticos e a desinformação dos órgãos de controle que ameaçam a continuidade das ações e provocam a paralisação das atividades de saúde nas aldeias.
- A política de parcerias para o desenvolvimento de ações na saúde indígena em caráter complementar como previsto na Lei Arouca deve contemplar preferencialmente as organizações indígenas ou outras organizações governamentais e não governamentais que tenham experiência comprovada no trabalho com os povos indígenas, mediante a aprovação dos Conselhos Distritais de Saúde.
- Os coordenadores ou chefes dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas devem ser aprovados pelos respectivos Conselhos Distritais de Saúde, e devem atuar sempre em consonância com as deliberações das instâncias de controle social.
- Os Agentes Indígenas de Saúde devem ser reconhecidos como a base principal do modelo assistencial nos distritos, tendo asseguradas sua capacitação técnica e regularização profissional como determina a legislação brasileira, priorizando ainda a formação de recursos humanos indígenas nas áreas técnicas e no ensino superior.
- A próxima Conferência Nacional de Saúde Indígena prevista para o ano de 2010 deve ser realizada em Brasília, que é o centro das decisões políticas do país, sendo antecedida por etapas locais e distritais onde sejam garantidas a ampla participação e a livre manifestação das comunidades indígenas e de suas organizações.
A Constituição Federal Brasileira, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas da Organização das Nações Unidas (ONU) reconhecem o direito dos povos indígenas participarem ativamente na implementação de todas as políticas que lhes digam respeito.
A garantia dos direitos indígenas à preservação de suas terras e recursos naturais é fundamental para a sua saúde, pois é delas que provém seu alimento, remédio, bem estar e a alegria de viver, e a demarcação dos territórios tradicionais indígenas é condição indispensável para a reprodução física e cultural de suas comunidades.
Belém do Pará, 26 de janeiro de 2009.
Assinam:
Conselho Indígena de Roraima – CIR
Hutukara Associação Yanomami – HAY
Conselho do Povo Indígena Ingarikó – COPING
Associação dos Povos Indígenas de Roraima – APIRR
Associação dos Povos Indígenas da Terra São Marcos – APITSM
Organização das Mulheres Indígenas de Roraima – OMIR
Organização dos Professores Indígenas de Roraima – OPIRR
Associação Serviço e Cooperação com o Povo Yanomami – SECOYA
Diocese de Roraima