02/12/2008

Povos Indígenas: avanços e violências

O Conselho do Cimi e sua Diretoria, na última reunião ordinária realizada nos dias 24 a 27 de novembro, analisaram a realidade vivida pelos povos indígenas, bem como as lutas empreendidas pela defesa e garantia de seus direitos no Brasil e no continente. Apesar das constantes violências, das situações de intolerância, preconceitos e genocídio, os povos asseguraram importantes vitórias, particularmente no Equador, com a aprovação de uma nova Constituição que reconhece a plurinacionalidade, possibilitando assim que os povos indígenas exerçam o seu direito e seus princípios de justiça, e na Bolívia a vitória do presidente Evo Morales no referendo em que o confirmou na presidência daquele país.


 


No Brasil celebramos, no dia 05 de outubro, os 20 anos da Constituição Federal que estabeleceu um novo paradigma de relacionamento do Estado e da sociedade com os povos indígenas, reconhecendo a eles suas organizações, sociais, línguas, tradições e formas de viver. Pela primeira vez na história do país, os povos indígenas conseguiram inscrever, através de sua mobilização, articulação e organização, um conjunto amplo de direitos na Carta Magna do país, através de um capítulo específico.


 


No entanto, apesar das garantias legais, constatamos que pouco efetivamente mudou na política indigenista, em especial no que se refere à demarcação e garantia das terras indígenas, nestes 20 anos. Este direito, previsto no artigo 231 e nas disposições transitórias da Constituição, está muito longe de ser efetivamente assegurado. Na atualidade, mais da metade das terras não tem concluídos os procedimentos de demarcação, apesar do grande empenho e da incansável luta protagonizada pelos povos indígenas. Na contramão desta luta residem os interesses de empresários, latifundiários, mineradoras, governos e políticos com interesses econômicos nestas terras, que promovem conflitos e perseguições, patrocinam violências e assassinatos, insuflam a população contra os interesses indígenas. Em 2007 foram assassinadas 92 pessoas e neste ano de 2008 já foram mortos 51 indígenas, muitos em função da luta pela terra.


 


Infelizmente vemos ainda situações de grave violação e desrespeito aos territórios indígenas. Uma das situações mais graves é a dos Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, que continuam submetidos a um processo de genocídio por estarem confinados em pequenas porções de terra, numa média de menos de um hectare por pessoa.


 


Outro exemplo emblemático é o de Raposa Serra do Sol, com mais de 30 anos de luta, marcados por avanços e retrocessos. Os povos indígenas que vivem nesta área são exemplos de organização e de consciência dos direitos, dando-nos lições cotidianas de democracia e de exercício do controle social sobre as políticas públicas a eles destinadas. Porém, esta é também uma realidade na qual se manifestam claramente os discursos anti-indígenas, materializados em ações que visam impedir o cumprimento das determinações constitucionais.


 


Enquanto se celebram os 20 anos da conquista dos direitos indígenas na Constituição, constata-se que esta lei é “rasgada e desrespeitada” na prática. Não bastasse a morosidade na demarcação das terras, fato que afeta diretamente a maioria da população indígena que vive em condições de vulnerabilidade, registra-se um assustador crescimento dos índices de violência praticada contra os povos indígenas no país.


 


Os Tupinambá, na Bahia, foram duramente agredidos pelo poder público, através da Polícia Federal do Governo Lula, que com uma violência descomunal pretendiam prender lideranças que lutam pela demarcação das terras e pelas demais garantias dos direitos de seus povo.


 


Os Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, apesar de iniciados os procedimentos administrativos de identificação e demarcação de suas terras vêem sendo diariamente insultados, ameaçados e acusados de inviabilizarem o desenvolvimento econômico do Estado, caso suas terras sejam demarcadas. Em função disso, os poderes locais apresentam propostas absurdas, como, por exemplo, a de transferir os Guarani-Kaiowá de suas terras tradicionais para outras regiões do país. Enquanto isso, dezenas de assassinatos, suicídios, homicídios, atropelamentos, mortes por desnutrição e fome ocorrem nas poucas terras em que os Kaiowá foram, ao longo dos anos, confinados e/ou nos acampamentos de beira de estradas.


 


Os Truká, no estado de Pernambuco, que juntamente com os movimentos sociais lutam contra a transposição do Rio São Francisco, continuam  submetidos a atos de extrema violência, tal como o assassinato do candidato a vereador Mozeni Araújo de Sá, uma das suas mais importantes lideranças.


 


O povo Maxakali, em Minas Gerais, está aprisionado e submetido a políticas de transferências de uma área para outra. As famílias estão submetidas a situações de conflito e alcoolismo que ameaçam sua sobrevivência física, étnica e cultural.


 


O balanço da política indigenista executada pelo governo brasileiro em 2008 é um retrato do descaso e da negligência: evidencia a falta de planejamento, de vontade política, de interesse em solucionar a grave situação de algumas comunidades; o descaso com as soluções propostas pelo movimento indígena e setores sociais que apóiam tais lutas; a falta de seriedade na execução de políticas públicas, de modo especial de assistência à saúde, educação e às atividades produtivas; a falta de empenho na proteção aos povos da Amazônia em situação de isolamento e risco em função de grandes projetos que visam a exploração de recursos minerais, hídricos e da biodiversidade.


 


Acreditando na mobilização e na força dos povos indígenas, o Cimi manifesta seu apoio irrestrito às lutas pela demarcação e garantia das terras, de modo especial as do povo Kaiowá no MS e Guarani no sul e sudeste do país e exige do poder público medidas relativas ao cumprimento de todas as determinações constitucionais.


 


Brasília, dezembro de 2008.


 


Cimi – Conselho Indigenista Missionário


 

Fonte: Cimi
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