Nota da CNBB – Regional Noroeste
Por ocasião da V Assembléia dos Bispos do Regional Noroeste da CNBB, que congrega as Dioceses de Rondônia, do Acre e do Sul do Amazonas, nos dias
Preocupa-nos o avanço do desmatamento para promover o agronegócio, a pecuária extensiva, o plantio de cana para produzir etanol. Olhamos com apreensão o inchaço de algumas cidades, resultado da migração contínua do interior destes Estados e de outras partes do país. Homens e mulheres procurando oportunidades de trabalho na construção das hidrelétricas já iniciadas no Rio Madeira. Se há um direito da pessoa de trabalhar e viver dignamente do fruto do trabalho, se há um dever do governo de desenvolver uma política energética visando um futuro melhor para o país, também há um grave compromisso de alertar para os perigos à qualidade de vida, particularmente das famílias carentes e das futuras gerações. Existe mais um agravante: há, segundo informações da FUNAI, povos isolados nas proximidades dos canteiros de obra. O que será deles?
Há fortes razões para recear o impacto que as usinas hidrelétricas do Complexo Madeira podem causar à saúde e à vida de milhares de indígenas, ribeirinhos, seringueiros e quilombolas de toda a extensão do Rio Madeira. Basta lembrar a contaminação das águas pelo mercúrio que vai aumentar com a submersão de numerosas áreas de garimpo. Trata-se de uma grande quantidade de mercúrio levada no ecossistema subaquático, aumentando a contaminação dos peixes. Um estudo realizado pela Fundação Osvaldo Cruz, publicado em 2003 constatou a contaminação dos indígenas, relacionada ao consumo de peixe. As recomendações da biomédica e pesquisadora Elisabeth Santos não foram observadas, e não se percebe uma preocupação dos órgãos ambientais em relação ao mercúrio. E esta contaminação mercurial é prejudicial não somente para esta geração, como também para as próximas gerações, tendo em vista que o metal leva centenas de anos para ser absorvido. Os efeitos nocivos do mercúrio sobre a saúde são muitos e gravíssimos atingindo os órgãos vitais, principalmente o cérebro e prejudica os fetos, mesmo quando as mães não apresentam sintomas. O efeito cancerígeno é bem conhecido. Por sinal, a incidência de câncer na população indígena está aumentando de forma alarmante.
Lamentamos que o Estudo do Impacto Ambiental e Relatórios de Impacto sobre o Meio-Ambiente (EIA-RIMA) tenha se limitado ao município de Porto Velho, quando, na verdade, muito mais municípios são envolvidos. É de se recear que as usinas se tornem ineficientes a longo prazo, devido à acumulação dos muitos sedimentos. Além disso, ficamos perplexos sabendo que a energia produzida não favorece os estados de Rondônia, Acre e Amazonas, mas que é lançada na rede geral a partir do Estado de São Paulo. Em outras palavras: a população local não se beneficia devidamente da energia produzida em nossa região.
Reivindicamos em nome da população afetada, direta e indiretamente, mais diálogo entre os políticos e diretores responsáveis pela execução das obras e a população, disposição de ouvir com respeito o que os povos da região têm a dizer em relação a todos estes programas desenvolvimentistas. Consideramos os estudos apresentados até agora incompletos e de pouco acesso para a população. E receamos, a partir de muitas experiências amargas em outras hidrelétricas, que os pequenos, outra vez mais percam do que ganhem. Parece-nos uma irresponsabilidade continuar com a entrega das licenças, enquanto não forem realizados os estudos complementares, principalmente nesta questão do mercúrio.
Que esta nota dos Bispos do Regional NO, entregue à imprensa seja devidamente interpretada como um sinal de preocupação pastoral e de solidariedade para com os fiéis e de colaboração crítica na construção de uma sociedade mais justa e fraterna, de responsabilidade ecológica e de sensibilidade para com as condições de vida das futuras gerações.
Porto Velho (RO), 24 de outubro de 2008.
Dom Francisco Merkel – Presidente da CNBB – Regional Noroeste