Os impactos da produção do etanol na Amazônia
Relatório da CPT mostra os impactos sociais e ambientais causados pelas usinas de etanol
CHICO ARAÚJO – da Agência Amazônia de Notícias
Cresce o cultivo da cana-de-açúcar e o número de novas usinas de produção de etanol no Cerrado e na Amazônia. A expansão da monocultivo da cana já atingiu 11 estados — Acre, Amazonas, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. É o que aponta um minucioso que a Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulga na próxima terça-feira, 18, em São Paulo.
O documento contém 80 páginas — são dados, fotos e entrevistas — e faz uma análise detalhada dos impactos sociais e ambientais da expansão do cultivo da cana-de-açúcar na Amazônia. O texto faz também um relato minucioso do avanço da cultura em cada um dos 11 Estados onde os plantios mais cresceram.
A publicação será debatida e fará parte das análises da mesa temática encarregada da discussão das alternativas em curso pelo mundo para a construção da soberania alimentar e energética, durante o seminário internacional “Agrocombustíveis como obstáculo à construção da soberania alimentar e energética”, organizado pela Via Campesina e entidades parceiras. O seminário acontecerá de 17 a 19 de novembro em São Paulo.
O seminário é um contraponto à Conferência Internacional “Biocombustíveis como vetor do Desenvolvimento Sustentável”, convocada pelo governo brasileiro para promover o etanol nacional e tornar aceitável sua suposta “sustentabilidade” para o mercado global.
Pesquisa de campo
O estudo da CPT expõe dados sobre o avanço das plantações de cana e novas usinas de etanol instaladas na região e traça um perfil da infra-estrutura desses projetos, os incentivos fiscais concedidos por governos estaduais e as parcerias de órgãos do governo com empresas brasileiras e estrangeiras.
Estes dados são complementados por uma pesquisa de campo sobre os impactos para a população local e para os trabalhadores. O estudo traz informações sobre violações de diretos trabalhistas, casos de trabalho escravo, morte de trabalhadores e impacto na saúde dos canavieiros e da população.
Em relação aos impactos ambientais, o relatório faz uma sistematização de estudos recentes sobre os efeitos poluidores dos monocultivos, sobre a destruição da biodiversidade, dos solos e das fontes de água. Diversos estudos demonstram que a expansão de monocultivos representa um risco maior para o aquecimento global do que as emissões de carbono provenientes de combustíveis fósseis. A pressão cada vez maior sobre a fronteira agrícola da Amazônia e do Cerrado tende a aprofundar este problema.
Dados da expansão por estado
A monocultura da cana já é realidade em boa parte do território nacional. No Acre, a usina Álcool Verde, da empresa pernambucana Farias, plantou mais de 2 mil hectares de cana ao longo da BR-317 e tem planos de chegar a mais de 30 mil hectares na região, com capacidade de produzir 3 milhões de toneladas de cana por safra. A Álcool Verde prevê uma produção de 36 milhões de litros de etanol na primeira safra e pretende aumentar sua produção de cana em cinco vezes até 2015. A Embrapa prevê que no município de Capixaba as plantações de cana aumentarão em dez vezes até 2012. O estado é visto como estratégico, pois serviria de ponte de exportação de etanol para o Oceano Pacífico, através da rodovia Transoceânica, que conecta Brasil e Peru.
No Amazonas, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima que a produção de cana teve um aumento de 10,90% entre 2007 e 2008. Há ainda um projeto de produção de etanol da empresa Jayoro, que inclui o cultivo de 60 mil hectares de cana em regiões de floresta nativa.
Em Goiás, as plantações de cana ocupam 339,2 mil hectares. Entre 2005 e 2006, a área plantada de cana no estado teve um aumento de 47,06%. De acordo com o Sindicato da Indústria de Fabricação de Açúcar do Estado de Goiás (Sifaeg), na safra de 2008/2009 há 27 usinas em operação, com previsão de chegar a 55 usinas até 2012. Ao todo, há 97 projetos de novas usinas, com incentivos fiscais aprovados pelo governo estadual. O aumento na produção de etanol nesta safra será de 78%, chegando a 2,12 bilhões de litros. Além da destruição de mata nativa, o cerrado principalmente, a indústria da cana substitui áreas de produção de alimentos e criação de gado, o que, consequentemente, pressiona a fronteira agrícola para a Amazônia.
No Maranhão, de acordo com dados do IBGE, entre 2005 e 2006, o cultivo de cana aumentou 20,93%. Em setembro de 2006, o governo do Estado criou o Programa Maranhense de Produção de Biocombustíveis, que previa a construção de 45 novas usinas, com estimativas de produzir entre 4 bilhões e 7 bilhões de litros de etanol. O governo cita ainda como vantagens as instalações do Porto de Itaqui, a Ferrovia dos Carajás e a Companhia Ferroviária do Nordeste. A primeira parte do projeto prevê a construção de 20 usinas em um prazo de cinco anos, o que representaria a expansão de 15% na produção nacional de etanol. Segundo o governador do Maranhão, o Estado poderia utilizar 500 mil hectares para plantação de cana.
Em Mato Grosso existem atualmente 11 usinas em funcionamento. As plantações de cana ocupam regiões do Pantanal, do Cerrado e da Amazônia, em uma área de 214.511 hectares. Na última safra, as usinas moeram em torno de 16.750.000 toneladas de cana. A Secretaria de Planejamento espera triplicar os atuais 800 milhões de litros de etanol. Segundo o Sindalcool-MT, há previsão de expandir as plantações de cana em cerca de dois milhões de hectares nas proximidades do município de Alto Taquari. Uma nova usina irá cultivar 35 mil hectares na região a partir de 2009, com capacidade para moer três milhões de toneladas de cana.
Já no Mato Grosso do Sul, a Conab estimou um aumento de 51 mil hectares nas plantações de cana na safra de 2007/2008, o que significou 32% a mais do que a safra anterior, que já ocupava 160 mil hectares. Há nove usinas instaladas e cerca de 50 novos projetos, com solicitações de incentivos fiscais, que poderiam ocupar 800 mil hectares nos próximos anos, de acordo com previsões da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário. Em agosto de 2008, o governador Antré Pucicnelli, afirmou que o “Mato Grosso do Sul será o maior produtor de álcool do mundo, em sete anos”.
Dados da Conab indicam que a safra da cana em Minas Gerais em 2008 será de 60,2 milhões de toneladas. Essa quantidade é 47% maior do que a safra anterior. Com este aumento, o estado passou a ser o segundo produtor de cana-de-açúcar do país, com uma área plantada de 467 mil hectares.
A produção de etanol em Minas Gerais deve chegar a 2,2 bilhões de litros este ano. Segundo o Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool, existem 36 usinas em funcionamento no estado. Até 2012, a previsão é chegar a 52 usinas, com produção de 5,5 bilhões de litros de etanol.
O secretário de Agricultura e Meio Ambiente do município de Luz, Dario Paulineli, descreve outros impactos na região. “A cana se expandiu rapidamente nos últimos anos. As empresas fazem contratos de arrendamento com agricultores e o impacto ambiental é enorme. Aplicam veneno de avião e atinge a população das cidades. Desmatam madeira de lei, plantam cana nas nascentes dos rios, não respeitam os estudos de impacto ambiental. Muitos animais estão morrendo com a devastação das matas”.
O estado do Pará, de acordo com a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade São Paulo (USP), poderia dispor de 9 milhões de hectares para produção de cana, o que significaria um aumento de 136% na produção de etanol no Brasil. A Conab estima que o Pará deve colher cerca de 736 mil toneladas de cana na safra de 2007/2008. A maior parte da produção (648,3 mil toneladas) é voltada para o etanol e somente 36,8 mil toneladas para a produção de açúcar.
A usina Pagrisa, flagrada utilizando mão-de-obra escrava e responsável pela maior libertação de trabalhadores já feita até hoje pelo Grupo Móvel do MTE (1.064 pessoas), localizada no município de Ulianópolis, tem a maior plantação do estado, com 11,6 mil hectares, e produz 50 milhões de litros de álcool por ano. Segundo nota do Ministério das Relações Exteriores, “Não é à toa que a era dos biocombustíveis chegou com força total na Amazônia Legal. Não temos dúvidas de que o Pará provavelmente terá a plataforma de exportação do etanol mais competitiva do Brasil, que propiciará os maiores lucros para os investidores”.
Em Rondônia há dois projetos de destilarias de etanol, nos municípios de Cerejeiras e Santa Luzia d’Oeste. Há outra usina no município de São Felipe, a 530 km de Porto Velho. Segundo Cléber Calixto, prefeito de Cerejeiras, “a cidade tem terras extremamente férteis e terá uma fábrica de etanol a partir de abril de 2009”.
Em Roraima há dois projetos de usinas em andamento, com previsão de cultivar cana em uma área de 90 quilômetros quadrados até 2009, com uma primeira safra de 3 milhões de toneladas. O governo de Roraima incentiva o setor e oferece isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) até 2018. O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio indica que o leste de Roraima seria uma das principais áreas de expansão do plantio de cana. Políticos locais fazem pressão para que o governo federal transfira terras públicas para controle dos estados. A Biocapital iniciou uma plantação de mudas e espera produzir 6 milhões de toneladas de cana até 2014, que serviriam de base para processar 530 mil litros de etanol.
A empresa pernambucana Camaçari Agroindustrial, cultivou 200 hectares de mudas na fazenda São Sebastião e pretende expandir a produção de mudas em 1000 hectares até agosto de 2009. A empresa obteve isenção de 100% do ICMS e sua previsão é produzir 3 milhões de toneladas de cana até 2009.
Enquanto isso, no Tocantins, a Secretaria da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seagro), afirma que há 16 usinas interessadas em se instalar no estado. De acordo com o governo do Tocantins, o estado poderá utilizar 650 mil hectares para o cultivo de cana. A previsão é produzir 2 milhões de toneladas de cana até 2014.
O Grupo Cucaú adquiriu uma área de 1.300 hectares e iniciou a produção em 2006, com uma safra de 250 mil toneladas, com previsão de expandir para 500 mil toneladas. A empresa Maity Bionergia prevê a construção de três destilarias de etanol, cada uma com capacidade para processar 2,4 milhões de toneladas de cana. Segundo a Conab, houve um aumento de quase 16% na produção de cana no Tocantins, entre 2007 e 2008.
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