30/10/2008

Nota da Associação Brasileira de Antropologia

 


Em repúdio às ações da Polícia Federal contra os Tupinambá


 


 


Causa perplexidade e profunda indignação a forma como foram


conduzidas as operações que, desde o dia 20/10, a Polícia Federal vêm


realizando em áreas habitadas pelos indígenas Tupinambás nos


municípios de Ilhéus, Una e Buerarema, no sul da Bahia. O cumprimento


de mandatos de reintegração de posse serviu de pretexto para uma


ostensiva exibição e um uso indiscriminado de verdadeira parafernália


de guerra, envolvendo um helicóptero, o lançamento de bombas de efeito


moral e a intervenção de um contingente de mais de uma centena de


homens fortemente armados. Dessa ação resultaram 23 pessoas feridas,


além de atos inteiramente absurdos e inexplicáveis – como a detenção


de um ônibus escolar repleto de crianças indígenas; a prisão de


menores; a destruição de casas, veículos e galpões; o confisco de


facas de cozinha, canivetes e até de instrumentos agrícolas. Inúteis


enquanto instrumento de instauração da ordem, tais iniciativas só


contribuíram para instilar o pânico, a insegurança e a revolta entre


as famílias indígenas, favorecendo tão somente o aumento do


preconceito e estigmatização de que os indígenas são vítimas há


décadas no contexto regional.


 


Se a intenção do Ministério da Justiça ao mobilizar a Polícia Federal


foi de antecipar-se a uma possível ação arbitrária e violenta da


Policia Militar, pretendendo assim evitar a repetição de cenas


lamentáveis de intolerância étnica e cultural, tal como ocorrido em


abril de 2000 em Porto Seguro, nas comemorações dos 500 Anos (cujos


registros fotográficos consternaram o Brasil e o mundo), não foi assim


infelizmente que as coisas sucederam. Viu-se, ao contrário, em um


contexto político federal e estadual completamente distinto, a


re-edição daquele triste episódio, contribuindo apenas para sinalizar


aos regionais o desrespeito com que são tratadas as famílias indígenas


e o completo desapreço por seus direitos, seus bens e sua segurança e


bem estar. Pior, através da feroz perseguição ao cacique Rosivaldo


Ferreira (Babau), exibiu-se explicitamente o ódio de que são vítimas


os legítimos representantes e porta-vozes do segmento indígena da


sociedade brasileira.


 


Fica claro o total desconhecimento pela força-tarefa da PF tanto das


peculiaridades do caso quanto da inexistência de uma indispensável


sintonia com as ações desenvolvidas pela FUNAI e por outros órgãos


governamentais. Enquanto a PF se enredava em uma escala repressiva e


passional, a FUNAI e a Procuradoria Geral da República haviam


conseguido suspender na justiça as liminares de re-integração de


posse, obtendo um novo prazo para a conclusão dos estudos técnicos ora


em realização na região. Uma conceituada antropóloga, indicada como


perita pela ABA, encontra-se atualmente em campo, integrando uma


equipe técnica da FUNAI para conclusão dos estudos de identificação.


Dentro desta área, conflagrada pela desastrada intervenção da PF,


existem casas, lavouras, escolas, posto de saúde, galpões e


construções destinadas ao beneficiamento da produção agrícola e


programas de preservação ambiental, inclusive com investimentos do


MEC, FUNASA, MDA e MMA. O cacique Babau, que está sendo perseguido


como um perigoso facínora, constitui uma das mais expressivas


lideranças do movimento indígena brasileiro, uma personalidade


bastante conhecida dos antropólogos pela lucidez e coerência com que


argumenta e defende a valorização do patrimônio das culturas indígenas.


É fundamental reverter os efeitos lesivos das ações praticadas pela


PF, apurando responsabilidades, garantindo a segurança dos líderes


indígenas, de pesquisadores, indigenistas e funcionários que atuam na


assistência a essas coletividades, implementando com a maior brevidade


todas as iniciativas necessárias ao reconhecimento dos direitos


indígenas.


 


24/10/2008

Fonte: ABA
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