V Conferência Internacional da Via Campesina: Declaração de Maputo
Via Campesina
Maputo Moçambique
Soberania alimentar, já! Com a luta e a unidade dos povos!
Somos gentes da terra, homens e mulheres que produzem os alimentos para o mundo. Temos o direito de continuarmos sendo camponeses e camponesas, e a responsabilidade de continuar alimentando a nossos povos. Cuidamos das sementes que são a vida, e para nós, o ato de produzir alimento é um ato de amor. A humanidade precisa de nós e nos negamos a desaparecer.
Nós, a Via Campesina, um movimento mundial de organizações de mulheres rurais, camponeses, camponesas, pequenos agricultores e agricultoras, trabalhadores e trabalhadoras do campo, povos indígenas, afrodescendentes, e juventude rural da Ásia, Europa, América e África, nos reunimos em Maputo, Moçambique, e
Quatro anos de lutas e vitórias
Na V Conferência Internacional revisamos nossas principais lutas, ações e atividades desde a IV Conferência Internacional, que se realizou em Itaici, Brasil, em junho de 2005. Entre elas se destacaram as mobilizações massivas contra a OMC, contra os Tratados de Livre Comércio (TLCs) em diversas partes do mundo, e contra o G8 em Rsotock e Hokkaido. Em 2005
Em 2007 organizamos, com nossos principais aliados, o Fórum Internacional Sobre a Soberania Alimentar, em Nyéleni, Mali. Este foi um momento crucial na construção de um grande movimento global pela Soberania Alimentar. Participaram em torno de 500 delegados e delegadas dos mais importantes movimentos sociais de todo o mundo, e se definiu uma agenda estratégica e de ação para os próximos anos. Tanto antes como depois de Nyéléni, organizamos muitas reuniões nacionais e regionais sobre a Soberania Alimentar. Nos últimos anos conseguimos que vários países, entre eles Equador, Bolívia, Nepal, Mali, Nicarágua e Venezuela, se incorporasse ao conceito de Soberania Alimentar em suas constituições e/ou leis nacionais.
Através de nossa Campanha Global pela Reforma Agrária, expressão de nossas lutas pela terra e em defesa do território, co-organizamos o Fórum Social Mundial da Reforma Agrária em Valência, Espanha em 2004, y em 2006 organizamos a Reunião Internacional dos Sem Terra
Em 2004 organizamos uma festa global de intercâmbio de sementes, dentro do contexto de nossa IV Conferência. Em 2005 organizamos o Seminário Internacional sobre Sementes “Liberar a Diversidade”, como parte e nossa luta global a favor das sementes camponesas e contra os transgênicos e a tecnologia terminator. A Via Campesina do Brasil organizou contundentes mobilizações durante a Conferência da Convenção da Diversidade Biológica (COP-8) em março de 2006 em Curitiba, Brasil. Sobre os mesmos temas tivemos importantes atividades em Mysore, Índia nesse mesmo ano, e em 2008 em Bonn, Alemanha e na França, onde com uma greve de fome ajudou fortemente a conseguir a proibição do milho transgênico da Monsanto. No Brasil em 2007, Keno, um grande lutador, foi assassinado por um pistoleiro contratado pela Syngenta, mas um ano depois conseguimos que Syngenta tivesse que entregar ao governo sua área ilegal de experimentação dos transgênicos.
A Via Campesina junto com outros movimentos sociais organizou “a aldeia da solidariedade” de forma paralela à Conferência Sobre o Cambio Climático que a ONU organizou em Bali, Indonésia (2007),onde avançamos com o argumento de que a agricultura camponesa esfria o planeta.
Em 2008 organizamos em Jacarta, Indonésia, uma conferência internacional centrada em nossa proposta para uma Declaração Internacional dos Direitos dos Camponeses e Camponesas. Anterior à conferência internacional se organizou a Assembléia das Mulheres sobre os Direitos dos Camponeses e Camponesas.
O compromisso solidário da Via campesina foi evidenciado em 2004 com nosso esforço global para canalizar ajuda alternativa às vítimas do Tsunami, em 2007 com três delegações presentes em reuniões com Zapatistas no México, e todos os anos com ações importantes de solidariedade com lutadores e lutadoras vítimas da criminalização dos protestos sociais em todos os continentes.
O deslocamento de povos rurais como conseqüência do modelo neoliberal, está provocando o movimento massivo de pessoas, convertendo-se em um tema crítico para a Via Campesina. Desde 2004 elaboramos nossas estratégias e ações sobre estes temas em nossa nova Comissão de Trabalho sobre Migração e Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais. Realizamos diversas ações contra o muro da vergonha que constroem os Estados Unidos.
De povo a povo, de país a país, realizamos lutas da Via Campesina. Nosso movimento está em quase todas as partes do mundo, onde o neoliberalismo está sendo imposto aos camponeses e às camponesas e povos rurais.
A luta da Via campesina inspira, estimula e gera a resistência de movimentos sociais contra as políticas neoliberais. Aumenta os países nos quais os governos progressistas assumem o poder como resultados de anos de mobilização. E, inclusive, um bom número de governos locais e nacionais acentuaram sua resistência e seu interesse na pauta da Soberania Alimentar, como resultado da mobilização popular y como resposta à crise global do preços dos alimentos.
A ofensiva do capital sobre o campo, as crises múltiplas, e a expulsão dos povos camponeses e indígenas
No contexto global atual estamos enfrentando a convergência entre uma crise dos alimentos, uma crise climática, uma crise energética e uma crise financeira. Estas crises têm origens comuns no sistema capitalista, e mais recentemente na des-regularização desenfreada de seus respectivos âmbitos da atividade econômica, como parte do modelo neoliberal, que prioriza o comércio e a ganância. Nas zonas rurais do mundo, vemos uma ofensiva feroz do capital e das empresas transnacionais sobre a a agricultura e os bens naturais (água, florestas, minérios, biodiversidade,terra, etc.), que se traduz em uma guerra de expulsão contra os povos camponeses e indígenas, usando falsos pretextos como os argumentos errôneos que defendem os agrocombustíveis como uma solução para as crises climáticas e energéticas, quando na verdade é exatamente o contrário. Quando os povos exercem seus direitos e resistem às expulsões generalizadas, ou quando são obrigados a ingressar nos fluxos migratórios, a resposta tem sido mais criminalização, mais repressão, mais presos políticos, mais assassinatos, mais muros da vergonha e mais bases militares.
Declaração dos Direitos dos Camponeses e Camponesas
Vemos a futura Declaração dos Direitos dos Camponeses e Camponesas da ONU como uma ferramenta estratégica no sistema legal internacional para fortalecer nossa posição e nossos direitos como camponeses e camponesas, por isto estamos lançando também a Campanha Mundial por uma Declaração dos Direitos dos Camponeses e Camponesas.
Soberania Alimentar: a solução das crises, e a vida dos povos
Entretanto, a situação atual da crise também é uma oportunidade, porque a Soberania Alimentar oferece a única alternativa real tanto para a vida dos povos, como para reverter as crises. A Soberania Alimentar responde à crise dos alimentos, com produção camponesa local; às crises climáticas e energéticas, atacando duas das principais fontes de emissão de gases de efeito estufa, o transporte de alimentos em larga distância e a agricultura industrializada, e para amenizar uma vertente da crise financeira, proíbe-se a especulação dos alimentos. O modelo dominante significa crise e morte, e a Soberania Alimentar é a vida e a esperança para os povos rurais e também para a população consumidora. A Soberania Alimentar requer a proteção e a re-nacionalização dos mercados nacionais de alimentos, promoção dos ciclos locais de produção e consumo, a luta pela terra, a defesa dos territórios dos povos indígenas, e a Reforma Agrária integral. Baseia-se também na mudança do modelo produtivo para uma produção agroecológica e sustentável, sem pesticidas e sem transgênicos; e no conhecimento camponês e indígena. Com princípio geral, a Soberania Alimentar se constrói com base em nossas experiências concretas em nível local, ou seja, do local ao nacional.
A crise causa sofrimento incalculável entre nossos povos, e corrói a legitimidade do modelo neoliberal do “livre comércio”. E alguns governos locais, estatais e nacionais mais progressistas começaram a buscar soluções alternativas. Na Via Campesina devemos ser capazes de aproveitar estas oportunidades.
Temos que desenvolver uma metodologia de trabalho que inclui o diálogo crítico e construtivo, para obter êxitos na implementação da Soberania Alimentar com estes governos. Também devemos aproveitar espaços internacionais de “outra integração”, como ALBA e Petrocaribe, para avançar neste terreno. Mas não podemos somente aposta nos governos. Mas devemos construir a Soberania Alimentar de baixo para cima nos territórios e outros espaços controlados por movimentos populares, povos indígenas, etc. Já está na hora da Soberania Alimentar. Temos que tomar a iniciativa para avançar sobre este terreno em todos os países. Nós os camponeses e camponesas do mundo podemos e queremos alimentar o mundo, a nossas famílias, nossos povos, com alimentos saudáveis e acessíveis.
As empresas multinacionais e o livre comércio
Nossa reflexão nos deixou a clareza de que as empresas multinacionais e financeiras são um de nossos inimigos comuns mais importantes, e que temos que fazer lutas cada vez mais diretamente sobre elas. Inclusive são elas que estão detrás dos outros inimigos dos camponeses e camponesas, como o Banco Mundial, o MFI, a OMC, os TLCs e a EPAs, os governos neoliberais, e o expressionismo econômico agressivo, o imperialismo e o militarismo. Agora é também o momento para redobrar nossa luta contra os TLCs e EPAs, e contra a OMC, mas agora com uma sinalização mais clara do papel central das multinacionais.O avanço das mulheres é o avanço da Via Campesina.
Um tema ficou muito claro
Reconhecemos o papel central da mulher na agricultura de auto-suficiência alimentar, e a relação especial das mulheres com a terra, com a vida e com as sementes. Além disso, as mulheres são e sempre foram parte determinante na construção da Via Campesina desde o seu início. Se não vencermos a violência contra as mulheres dentro de nossos movimentos, não avançaremos em nossas lutas, e se não constituirmos novas relações de gênero, não poderemos construir uma nova sociedade.
Não estamos sós: a construção das alianças
Nós, os camponeses e camponesas, não podemos vencer sozinhos nossas lutas pela dignidade, por um sistema alimentar e agrário mais justo, e dessa forma o outro mundo melhor que é possível. Temos que construir e reforçar alianças orgânicas e estratégicas com os movimentos sociais e organizações que compartem nossa visão e isto é um compromisso especial da V Conferência.
A juventude nos dá a esperança para um mundo melhor
O modelo dominante no campo não oferece nenhuma opção para a juventude, e isso é uma razão muito importante para mudá-lo. Os jovens e as jovens são nossa base tanto para o presente como para o futuro, assim que nos comprometemos com sua plena inserção e participação criativa em todos os níveis de nossas lutas.
A formação para o fortalecimento de nossas lutas
Para que tenhamos êxitos e vitórias em nossas lutas, temos que nos dedicar ao fortalecimento interno de nossos movimentos, através da formação política para aumentar nossa capacidade coletiva de analisar e transformar nossas realidades, a capacitação, e melhorar a comunicação e articulação entre nós e nossos aliados.
Diversidade e unidade na defesa da agricultura camponesa
Como movimento social internacional, podemos dizer que uma de nossas maiores forças é que somos capazes de unir diferentes culturas e modos de pensar em função de uma mesma luta. A Via Campesina representa um compromisso comum de resistir e lutar pela vida e pela agricultura camponesa.
Todos os participantes da V Conferência da Via Campesina nos comprometemos a defender os alimentos e a agricultura camponesa, a Soberania Alimentar, a dignidade e a vida. Aqui estamos, os camponeses e camponesas do mundo, e nos negamos a desaparecer.
Globalizemos a luta! Globalizemos a esperança!