Boletim: V Conferência Internacional da Via Campesina
Dignidade e solidariedade camponesa para mudar o mundo V Conferência da Via Campesina em Moçambique
A Via Campesina internacional inaugurou sua 5ª Conferência no dia 19, em Maputo, Moçambique, ao ritmo de danças e tambores africanos. Sob o slogan “Soberania Alimentar já! Com a luta e a unidade dos povos!”, 600 camponeses, homens e mulheres, representantes de organizações de cerca de 70 paises do mundo celebraram a inauguração de seu congresso, que acontece a cada 4 anos, com a presença do presidente de Moçambique, Armando Emilio Guebuza.
Henry Saragih, coordenador geral da Via Campesina, apresentou o progresso e o desenvolvimento da organização nos últimos 4 anos. Segundo ele, o movimento tem fortalecido a sua luta através da formação, de mobilizações pacificas e, o mais importante, através da solidariedade entre os membros da organização.
Em cada continente, a Via Campesina tem mudado desde sua última conferência, em 2004, no Brasil. Na Ásia, o número de membros aumentou; na Europa, o movimento se consolidou e reorganizou sua estrutura. Além disso, a força e a criatividade dos trabalhadores rurais na América Latina, tem inspirado o movimento em todo o mundo. Na África, a Via Campesina esta crescendo, com 7 novos paises membros.
O movimento que agrega organizações de sem-terra, camponeses e pequenos agricultores, ganhou legitimidade nos últimos anos através de sua proposta de resolver a crise na agricultura implementando o princípio da soberania alimentar. Soberania alimentar é o direito que as pessoas têm de decidir suas próprias políticas para a agricultura, protegendo suas comunidades locais, seus meios de sobrevivência, a saúde e o meio ambiente. Este conceito está agora ganhando terreno a nível local, nacional e internacional, e alguns governos como o do Nepal e da Bolívia adicionaram nas suas constituições.
De acordo com Ossmane Ismael, representante da Assembléia Geral da UNAC, “mesmo com a política neoliberal – uma nova forma de colonialismo – invadindo nossas vidas, nós continuamos a afirmar nossa determinação para produzir alimentos e a reafirmar que a agricultura deve primeiro servir ao povo e a nossa soberania”.
A Via Campesina é um movimento que une “as pessoas humildes de todo o mundo: os trabalhadores e trabalhadoras rurais, cuja voz é ignorada. Através do nosso movimento passamos a ter orgulho de sermos camponeses, passamos a ter dignidade. Isso nos dá a força para resolver a crise atual e para mudar o mundo”, disse Henry Saragih.
Via Campesina lança campanha mundial pelo fim da violência contra mulheres
O neoliberalismo seria a causa da violência contra as mulheres? “Não sei se podemos dizer que é a causa, mas certamente é o principal agravante. Ele impõe um estilo de vida, a cultura da violência, alimenta a indústria da beleza, gera pobreza e miséria. Tudo isto está diretamente relacionado com a violência contra a mulher” afirmou Sérgia Galván, do Movimento de Mulheres Afro, da República Dominicana, durante a III Assembléia das Mulheres da Via Campesina, em Moçambique.
Sérgia trouxe ainda dados da Organização Mundial da Saúde que mostram a violência no mundo. 60% das vítimas de violência sexual são mulheres jovens. Nos EUA, A cada 6 minutos, uma mulher sofre algum tipo de violência. Na América Latina, de 30 a 60% das mulheres foram violentadas por parentes.
Diante desses elementos, as mulheres da Via Campesina lançaram a Campanha Mundial Pelo Fim da Violência Contra as Mulheres, na 5ª Conferência Internacional do movimento. “Ao lutarmos contra essa violência temos que lutar contra o neoliberalismo, que fortalece a opressão e a violência contra nós mulheres”, disse Sérgia Galván. Segundo o texto de apresentação da Campanha, “neste modelo de sociedade as mulheres sofrem mais, pois a elas foram delegadas as tarefas de cuidado com a família, a educação dos filhos e o trabalho doméstico. A sobrecarga destas responsabilidades somada ao trabalho profissional impõe às mulheres uma tripla jornada de trabalho”.
Adriana Mezarios, do Movimento das Mulheres Camponesas do Brasil, apontou os mecanismos que o capitalismo e o patriarcado utilizam para dominar as mulheres. Segundo ela, a dependência econômica– causada pelo desemprego ou subemprego; o casamento e a religião – que colocam a mulher como uma propriedade dos homens; o controle sobre o corpo – que determina se a mulher tem que ter filhos ou não, além de lucrar com a prostituição, são alguns elementos que diminuem a participação política da mulher. “E quando estes mecanismos não funcionam, quando uma mulher se nega a algum tipo de dominação, usa-se a violência”, concluiu.
A campanha tem como foco central todas as formas de violência, física ou psicológica, exercida contra as mulheres do campo, mas também quer dar visibilidade à violência praticada contra todas as mulheres do mundo. Ela terá um caráter de denúncia e pretende desmistificar a naturalização da violência. “Queremos mostrar que a violência é estrutural em uma sociedade capitalista e patriarcal”, dizem as mulheres.
Além do lançamento da Campanha, a Assembléia das Mulheres da Via Campesina teve como objetivos garantir um enfoque de gênero na pauta geral da Via Campesina, aumentar a paridade de gênero nas instâncias da organização, fortalecer o envolvimento das mulheres na Comissão de Coordenação Internacional da Via Campesina e continuar socializando a situação das mulheres no campo.
Êxodo rural preocupa jovens da Via Campesina Jovens de 51 países discutem temas sobre a questão agrária
Estudar e debater as pautas da Via Campesina a partir da visão da juventude foi um dos objetivos da 2ª Assembléia de Jovens da Via Campesina, que aconteceu nos dias 16 e 17 de outubro, em Maputo, Moçambique. Cerca de 100 pessoas de 51 países fizeram análises da questão agrária em cada região, trocaram experiências e reafirmaram o papel da juventude na construção de uma nova sociedade.
A metodologia do encontro se deu através de quatro grupos temáticos para discussão. São eles, o acesso à terra; formação política e de comunicação alternativa; experiências em agroecologia; e articulação entre o campo e a cidade. “Todos estes temas estão sendo tratados pelos jovens em suas organizações. Por isso é importante trocarmos experiências, ver o que está dando certo ou errado em cada região”, afirmou Pedro Soares, do MST. Apesar do constante desafio de criar um coletivo de jovens consistente e mais orgânico dentro da Via Campesina internacional, Pedro vê um avanço entre a primeira Assembléia, realizada em 2004 no Brasil, e a segunda, já que agora participam representantes de 51 países, em comparação com 37 na Assembléia anterior.
A juventude e o êxodo rural
Um dos temas mais apontados pelos jovens durante as análises da situação do campo nos países foi a migração do campo para a cidade. Segundo Paulo Mansan, da Pastoral da Juventude Rural, do Brasil, o aumento dos conflitos no campo – gerado pela expansão do agronegócio – somado à falta de condições básicas nas comunidades rurais, como educação, saúde e lazer, fazem com que o jovem saia cada vez mais do campo. Além disso, “o capitalismo trabalha com um processo de dominação cultural. Através do aparato midiático, constrói o falso consenso de que o campo é atrasado e a cultura camponesa retrógrada, aumentando assim a desmotivação dos jovens em permanecer na roça”, acrescentou Mansan.
No Japão, a decisão do governo em permitir a importação do arroz, principal atividade rural do país até então, levou à diminuição da produção, à queda do preço do arroz e, conseqüentemente, ao êxodo rural. No entanto, quando o jovem japonês chega à cidade, se depara com uma qualidade de vida muito inferior à do campo. “Muitos não conseguem emprego, são explorados, se alimentam mal e até entram em depressão” relatou Ayumi, jovem japonesa que participa da organização de pequenos agricultores Noumienren. Segundo ela, 60% da comida consumida no Japão é importada.
Como a pobreza nas cidades aumenta cada vez mais, os países pobres também estão perdendo seus jovens urbanos, que migram para lugares onde há “desenvolvimento”. De acordo com dados da Organização Internacional para a Migração, são mais de 200 milhões de pessoas que deixaram seus países de origem, na maioria das vezes para trabalhar como mão-de-obra barata em países centrais como Europa e Estados Unidos.
Organização da juventude
De acordo com o jovem Poul Frederich, de Camarões, a juventude da Via Campesina tem o importante papel de mostrar para os jovens que eles podem e devem transformar a vida no campo. “A juventude tem que protagonizar a luta pela soberania alimentar, além de lutar por condições para a permanência dos jovens no campo”.
A aliança entre os jovens do campo e da cidade também foi apontada por todas as regiões como fundamental para uma transformação. Segundo os jovens, “a nossa luta é antes de tudo uma luta contra o modelo neoliberal, que traz pobreza e destruição para o campo e pra cidade”.
Evo Morales manda saudações aos camponeses/as da Via Campesina
O presidente da Bolívia lamentou não poder participar da 5ª Conferência da Via Campesina, movimento que ajudou a construir. Evo Morales, no entanto, mandou saudações aos camponeses aqui presentes e apresenta nesta carta suas propostas para “salvar o mundo, a vida e a humanidade”. Clique no link abaixo e leia a carta.
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