15/10/2008

Argentina nega asilo a camponeses paraguaios em greve de fome

 


Há mais de 60 dias sem comer, lideranças camponesas paraguaias pedem liberdade e asilo político à presidente Cristina Kirchner.


 


Cristiano Navarro


de Buenos Aires (Argentina)


 


No início de 2006, seis lideranças camponesas paraguaias ingressaram legalmente na Argentina, fugindo das perseguições que sofriam em seu país por parte de políticos e milícias policiais ligadas ao Partido Colorado. Segundo o advogado desses militantes – membros do partido Pátria Livre e do Movimento Agrário Popular – a ida para a Argentina foi decidida na Embaixada do próprio país, em Assunção, capital do Paraguai, onde lhes foi prometido que seriam acolhidos como exilados políticos.


 


Já em solo argentino, em fevereiro do mesmo ano, Agustín Acosta González, Roque Rodríguez Torales, Basiliano Cardozo Jiménez, Gustavo Lezcano Espínola, Arístides Luciano Vera e Simeón Bordón Salinasa foram detidos no município de Marcos Paz, ao solicitarem asilo político ao Estado argentino.


 


Em 15 de agosto deste ano, depois de mais de dois anos aguardando em cárcere a análise do pedido de asilo político, os seis camponeses resolveram fazer uma greve de fome para pressionar o governo de Cristina Kirchner e obter uma resposta.


 


Foram realizadas passeatas e abaixo-assinados foram difundidos por movimentos sociais, intelectuais, artistas e dirigentes de organizações humanitárias, sindicais e políticas de diferentes países de toda a América Latina exigindo que o governo argentino reconheça imediatamente os seis militantes como refugiados políticos (a lista pode ser vista em http://www.prensamercosur.com.ar/apm/nota_completa.php?idnota=4044).


 


Pedido negado


Porém, a situação se tornou ainda mais complicada para os militantes, quando no último dia 10 de outubro o pedido de asilo político foi rechaçado por meio do ministro do interior, Florencio Randazzo.


 


Havia uma expectativa por parte das organizações que pediam a revisão do caso, já que o governo de Cristina Kirchner projetou-se internacionalmente no tocante à sua política de direitos humanos ao reabrir e punir os crimes praticados por militares durante o período da ditadura militar.


 


Em resposta a decisão de não conceder o refúgio, os grevistas contestaram a postura da presidente argentina em carta pública. “Repudiamos a atitude hipócrita da presidente Cristina Kirchner, que se apresenta como defensora dos direitos humanos, mas que violou flagrantemente nossos direitos mantendo-nos em prisão por mais de dois anos sem nenhuma razão”.


 


O texto imputa à presidente a responsabilidade por negar o asilo que lhes pode custar suas vidas. “Ela entrará para a história como a responsável por quebrar uma tradição humanitária que a Argentina manteve incólume. A presidente não só viola nossos direitos, como também ultraja uma limpa tradição argentina.”


 


Sem consistência


O exílio dos seis camponeses deu-se em meio há um forte processo de criminalização e violências contra dirigentes de movimentos sociais no Paraguai. Em 2005, os seis camponeses foram acusados de serem responsáveis pelo seqüestro e assassinato de Cecília Cubas, filha do ex-presidente, Raúl Cubas sob orientação das Forças Armadas Revolucionárias Colombianas (FARC). Sem consistência, as acusações feitas contra os militantes não foram acolhidas pelo juiz do caso, Pedro Mayor Martinez. Em novas investigações, há indícios de que o crime tenha sido motivado por acerto de contas entre políticos e mafiosos ligados ao Partido Colorado.


 


Por trás da criminalização dos movimentos sociais no Paraguai, dirigentes camponeses apontam como seus principais atores os políticos ligados a sojicultores brasileiros e interesses militares estadunidenses na área chamada de tríplice fronteira.


 


“A situação no campo Paraguaio é explosiva; o capitalismo sojeiro avança sobre a população pobre camponesa que perde suas terras, principal meio de produção. E a tensão sobe ainda mais por que o triunfo de Lugo tem gerado expectativas no campo popular”, atesta Bernardo Coronel, assessor do Movimento Agrário e Popular, em Assunção.


 


Longe de casa


A simples volta dos militantes ao seu país de origem trata-se de um grave risco para os seis. Anuncio Martí, ex-dirigente do Pátria Livre, acredita que, apesar da posse do novo presidente de corrente progressista Fernando Lugo em agosto último, todo controle social montado pelo Partido Colorado que dominou o país por 61 anos continua operando. “Os companheiros presos são militantes políticos e sociais criminalizados por um sistema judiciário corrupto que ainda continua forte no Paraguai. Sem segurança jurídica e física, sua volta os coloca em grave risco”, garante Martí.


 


O ex-dirigente, refugiado hoje no Brasil, sentiu na pele a perseguição e o sofrimento que seus companheiros vivem na Argentina. Em janeiro de 2002, em Assunção, Martí foi seqüestrado e gravemente torturado por um grupo policial-militar vinculado ao governo. O cativeiro durou por quase duas semanas.


 


Desde 2003, ele vive em uma cidade brasileira como refugiado político, situação que divide com dois de seus companheiros de partido, Juan Arrom e Víctor Colmán.


 


“Como militante do Partido Pátria Livre, aguardamos que seja outorgado com urgência o refúgio políticos aos seis companheiros dirigentes camponeses paraguaios presos injustamente na Argentina”, ressente o militante.


 

Fonte: Cristiano Navarro
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