Terra Indígena Raposa Serra do Sol: um direito indiscutível!
O Supremo Tribunal Federal deveria ter decidido, no dia 27 de agosto último, sobre a legitimidade ou não da demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol. A decisão foi protelada depois que o ministro Menezes de Direito pediu vistas ao processo. Ele alegou que precisará aprofundar o tema, uma vez que o relator, ministro Ayres Britto, apresentou ampla fundamentação constitucional, consistência argumentativa, embasamento jurisprudencial e está calcado em pareceres de juristas e antropólogos de renome no meio jurídico e acadêmico, tanto no Brasil como no exterior. Depois de preceder um amplo estudo sobre o caso, o ministro Ayres Britto apresentou seu voto, defendendo a manutenção da demarcação da Terra Raposa Serra do Sol em área contínua.
O relatório apresentado pelo ministro, demonstra o grande esforço de reflexão sobre os preceitos constitucionais, no que concerne aos direitos indígenas. Além disso, ele fez referências importantes às legislações que tratam da temática, desde os primeiros anos de colonização de nosso país. O ministro, depois de analisar com precisão a realidade dos povos indígenas do Brasil, de modo especial daqueles que habitam tradicionalmente a terra indígena Raposa Serra do Sol, determinou em seu parecer que a demarcação da terra deverá ser mantida conforme decreto homologatório de 15/04/2005 e que os invasores devem ser retirados imediatamente. Ayres Britto salientou que os contestadores da demarcação da terra apresentaram, no decorrer do período de contestação, dados e informações falsas para colocar sob suspeita os estudos antropológicos e fundiários que caracterizaram a terra como de ocupação indígena. Afirmou que os seis arrozeiros são grileiros, exploram indevidamente terras que não adquiriram e que deveria ser de usufruto exclusivo dos povos indígenas, degradam o meio ambiente e vendem propriedades sem legitimidade e em cada transação ampliam a posse de terras em milhares de hectares. Portanto, de acordo com o voto do ministro, aplica-se a estes casos o preceito constitucional que afirma a nulidade de todos os títulos e propriedades que incidem sobre terra indígena.
Os ministros do STF são sabedores de que os direitos constitucionais dos povos indígenas estão consolidados. Será absurdamente constrangedor se a maioria deles não seguir o voto do relator. Neste sentido, o que deve preocupar os povos indígenas é a tendência que se projeta, desde antes do julgamento, de que as discussões em torno desta matéria sejam mediadas por debates políticos e por pressões advindas de importantes setores do agronegócio, do Exército e de governantes inescrupulosos. Com isso o foco de análise poderá ser desviado, uma vez que os ministros devem julgar o mérito da ação (se o procedimento de demarcação de Raposa Serra do Sol ocorreu conforme as normas constitucionais e administrativas) e não se são relevantes os interesses políticos, econômicos e militares envolvidos. Ou seja, de um lado estará o direito constitucional indígena, bem fundamentado e estabelecido, e, de outro, a arrogância de setores, acostumados a ditar as normas políticas e econômicas, que visam a exploração dos recursos ambientais, minerais, hídricos sem qualquer tipo de impedimento.
Neste primeiro e importante passo de análise e decisão o ministro Ayres Britto se posicionou pela constitucionalidade do procedimento administrativo que determinou a demarcação da área, condenou a grilagem, a exploração indiscriminada e a contaminação das terras e das águas. A Constituição Federal, em seu artigo 231, é enfática e clara: “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo a União demarca-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. Espera-se que os demais ministros da Suprema Corte fundamentem seus votos em argumentos jurídicos, resguardando, desse modo, os direitos constitucionais que não podem ser desrespeitados para acolher pressões políticas e interesses de qualquer ordem.
Porto Alegre (RS), 29 de agosto de 2008.
Roberto Antonio Liebgott
Vice-Presidente do Cimi