Homenagem aos Guarani
PARAGUAI: POSSE EM GUARANI
Se parecia um tanto retórica a decisão de fazer da língua Guarani a língua nativa do Mercosul, a posse do Presidente Fernando Lugo, do Paraguai, foi um verdadeiro ato de reconhecimento da importância e abrangência do Guarani, como patrimônio deste povo e como nação secular presente.
As falas, desde o presidente do Congresso, como do presidente recém empossado, o recado forte da mudança, do novo Paraguai que inicia, foi em Guarani. O hino nacional cantado em Guarani foi acompanhado por um silêncio reverente da multidão que tomou posse da praça da posse, do poder.
Mas tudo isso não era apenas um reconhecimento e uma homenagem ao passado. Ali estavam entre a multidão, grupos dos diversos povos do Paraguai, mas em especial dos Guarani. E foi ao se referir a eles que aflorou a emoção do Presidente Lugo, em seu discurso de posse. Disse estar sendo tomado por grande emoção incontrolável, ao se referir aos povos indígenas e às crianças jogadas nas ruas. E foi com relação aos povos indígenas que deixou seu recado, carinho e compromisso forte.
Missa, missão e contradições
Não restam dúvidas de que Lugo traz à tona um fenômeno que tem marcado fortemente a América Latina nas últimas décadas: a conjugação de fé e política na dimensão transformadora e libertadora em curso no continente. É amplamente conhecida a contribuição da teologia da libertação, que tem entre seus próceres e expoentes Gutierrez e Boff, mencionados no discurso de posse de Lugo, como referências no seu compromisso de fé e opção pelos pobres, nos processos de mudanças profundas em diversos países. Desde o sacerdote revolucionário Camilo Torres até os milhares de combatentes nos diferentes países, lutam pela justiça, igualdade e solidariedade, por novos modelos de sociedade inspirados pela fé e compromisso evangélico cristão. Fundamentam suas ações nos documentos das Conferências de Puebla, Medellin, Santo Domingo e recentemente Aparecida.
Por outro lado, inspirados no mesmo Evangelho, a Igreja Católica e outras igrejas cristãs também tem sido o sustentáculo ideológico e religioso de regimes conservadores, de ditaduras opressoras e massacradoras do povo, a serviço do imperialismo e da dominação.
Na posse do bispo Fernando Lugo, cujo pedido de dispensa de sua missão foi acolhida pelo Vaticano, como Presidente do Paraguai, ficou evidenciado o esforço da construção de um consenso em torno do compromisso da Igreja Catolica com a construção de um novo Paraguai. Porém o conjunto das atividades celebrativas foram também reveladoras das contradições e dificuldades em que envolvem essa dimensão motivada pela fé e mediada pelas estruturas religiosas e políticas.
Festa da mudança, esperança e silêncios
A multidão que se espremia na praça, no lindo dia de sol à beira do rio Paraguai, parecia despertar de um sonho. Gritos e silêncios se alternavam.Era o fim de uma era. Terminava um longo período de 61 anos de mandos e desmandos do partido colorado. Ressurge a esperança das mudanças profundas, necessárias, urgentes. Os rumos e espectativas se faziam presentes nos aplausos aos presidentes. Evo Morales foi o mais ovacionado. Muitos aplausos e vivas a Hugo Chaves. Rafael Correa também foi aplaudido. Quando Lula foi anunciado ouvia-se entre os aplausos o grito “Itaipu”. A alegria e esperança estavam estampados nos rostos, nas faixas, nas manifestações culturais, nos gritos e aplausos. Uma bonita festa da liberdade nascente, da dignidade seqüestrada, da semente lançada, do sonho reconstruído. Ressurge um novo Paraguai a partir de suas raízes mais profundas, da história heróica de um povo insurgente, emergindo da coragem e fé.
O difícil caminho das transformações
As expectativas são enormes. Lugo assume com uma popularidade de 93%. O país está profundamente marcado pela corrupção e pobreza. Daí a conclamação geral para a construção de um novo Paraguai. A semente do futuro está lançada. Exigirá, sem dúvida, empenho, sabedoria, persistência e fé. E deverá começar pelo exemplo de seus governantes. O presidente Lugo já anunciou que renuncia ao salário de presidente “eu não quero dinheiro, não busco dinheiro…vou coloca-lo num fundo comum para os que mais necessitam e oxalá algum outro também me imite”.
O caminho das transformações necessárias para o novo país certamente será difícil, mas é possível. Os olhares de esperança da América Latina se voltam agora para o Paraguai. Igualmente a solidariedade e apoio de todos os que querem um continente com justiça, igualdade e aprofundamento da democracia, não faltarão ao presidente Lugo.
Os povos indígenas estão entre os que muito acreditam e esperam do novo governo.
Egon Heck
Cimi MS
Assuncion, 16 de agosto de 2008