28/07/2008

Mulheres Indígenas: coibir a violência, mas sem sacrificar a autonomia dos povos

 


 


por Ricardo Verdum


 


O Inesc – Instituto de Estudos Socioeconômicos reuniu diversas mulheres indígenas, de várias organizações, para discutir os impactos da Lei Maria da Penha em suas comunidades. Na oficina, que ocorreu no dia 22 de julho, as indígenas puderam debater a especificidade de suas culturas com representantes do Ministério Público Federal (MPF), da Secretaria Especial de Políticas das Mulheres (SEPM), da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem), do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea). A pergunta mais freqüente questionava a situação do homem punido ao retornar para a aldeia. Ou surgia a preocupação com a alimentação diária: Quem vai caçar ou pescar? Após os debates e “às vésperas de completar dois anos de vigência, não nos parece equivocado dizer que, da perspectiva das mulheres indígenas, a Lei Maria da Penha não responde satisfatoriamente as suas demandas”. Para as/os participantes ficou claro que o legislador não pode, ao propor uma lei, apenas ter como parâmetro a mulher branca urbana/rural inserida na cultura ocidental. O Brasil multicultural e multiétnico, rico em sua diversidade, muitas vezes não cabe em uma lei singular, cuja aplicabilidade não vai passar dos limites da cidade.



Mulheres Indígenas: coibir a violência, mas sem sacrificar a autonomia dos povos


As mulheres indígenas admitem que a violência doméstica e familiar as atinja, mas questionam os efeitos da aplicação da Lei Maria da Penha (Lei No 11.340, de 07 de agosto de 2006) nas suas comunidades.


 


No contexto das mulheres indígenas há falta de informação sobre esta lei. Quando não, as informações são repassadas de forma distorcida. Amedronta bastante a notícia de que, caso denunciem que foram ou estão sendo vítimas de violência, física ou psicológica, serão tiradas das suas casas, das suas comunidades e dos seus territórios, sendo levadas para as tais “casas de abrigo”. Também preocupa a informação de que seus irmãos, maridos e filhos terão que responder criminalmente, nas cadeias e prisões das cidades, sujeitos a todo tipo de constrangimento e convívio, pelo abuso cometido. Quem irá caçar? Quem irá pescar? Quem irá ajudar na roça? Que conseqüências tal situação trará para a família e para a comunidade? E quando estes homens retornarem para a aldeia?



 


Não obstante considerarem a Lei Maria da Penha um importante mecanismo para coibir a violência doméstica e familiar, questionam a sua pretensão de aplicação “universal”. Chamam a atenção para o potencial de essa lei transformar-se em mais um mecanismo de desestruturação social e de ingerência cultural do Estado colonizador sobre o que resta de autonomia e de controle cultural dos povos indígenas sobre seus processos individuais e coletivos de decisão e de gestão da vida comunitária.


 


As vésperas de completar dois anos de vigência, não nos parece equivocado dizer que, da perspectiva das mulheres indígenas, esta Lei não responde satisfatoriamente as suas demandas. Talvez o que elas queiram é ter maiores informações sobre essa Lei, para daí poderem decidir se tal mecanismo legal serve para elas e, principalmente, em que circunstâncias. Pensam nela mais como um complemento aos códigos de conduta para julgar, punir e resolver conflitos já estabelecidos pelos seus povos, aperfeiçoados quando necessário. Como foi salientado, o papel do Estado deve ser o de ajudar na reconstrução da Justiça, em atenção ao estabelecido pela Declaração dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas da Organização das Nações Unidas (ONU, 2007).


 


Estas foram, em linhas gerais, as principais questões e entendimentos construídos na Oficina “Mulheres Indígenas e a Lei Maria da Penha”, realizada na cidade de Brasília no dia 22 de julho. A oficina foi organizada e realizada a partir de uma articulação envolvendo o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), o Departamento de Mulheres, Infância e Juventude Indígena da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), o Departamento de Mulheres Indígenas da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), a Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpin-Sul), a Articulação dos Povos Indígenas do Pantanal e a Coordenação da Mulher Indígenas (CMI) da Fundação Nacional do Índio (Funai). Além de mulheres indígenas vindas de diferentes regiões do país, a oficina contou com a participação de mulheres representantes do Ministério Público Federal (MPF), da Secretaria Especial de Políticas das Mulheres (SEPM), da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem), do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea).


 


A parte da manhã foi dedicada à identificação e ao debate livre das/dos participantes a partir de três questões, tratadas em pequenos grupos de mulheres reunidas por região. As três questões orientadoras do trabalho em grupo e do debate foram as seguintes: (1) como tem sido tratada em suas comunidades a questão da violência contra as mulheres? (2) sugestões de como poderia ser tratada a questão da violência contra as mulheres indígenas nas aldeias; e (3) como as leis podem ajudar no combate a violência contra a mulher indígena?


 


À tarde houve exposições do advogado Vilmar Guarani e da antropóloga Rita Laura Segato, que contribuíram com importantes conteúdos e provocações para o debate que se seguiu por quase duas horas.


 


A coordenadora da CMI/Funai apresentou a estratégia que está sendo implementada pelo órgão visando divulgar e fomentar o debate sobre a Lei Maria da Penha entre as mulheres indígenas nas regiões. Foi seguido de debate e de sugestões das participantes relativas ao calendário e locais, acatadas pela expositora, Leia Bezerra do Vale, do povo indígena Wapixana.


 


Antes do encerramento foi feito o lançamento simbólico da publicação organizada pelo Inesc, intitulada “Mulheres Indígenas, Direitos e Políticas Públicas”, que foi incorporada na estratégia e campanhas das mulheres e organizações indígenas (e dos órgãos públicos) na defesa e promoção dos direitos humanos das mulheres e dos povos indígenas no Brasil.

Fonte: Inesc
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