21/07/2008

Parecer sobre o Projeto de Lei nº 1057/2007

 


 


Parecer sobre o Projeto de Lei nº 1057/2007


 


 


I. O conteúdo da proposição legislativa


 


Trata-se de proposição legislativa de autoria do Deputado Federal Henrique Afonso, do PT-AC, no qual pretende dispor “sobre o combate a práticas tradicionais nocivas à proteção dos direitos fundamentais de crianças indígenas, bem como pertencentes a outras sociedades ditas não tradicionais”.


 


O art. 1º do PL 1057/2007 consigna conteúdo com referência pretensamente balizadora de conduta, no sentido de reafirmar “o respeito e o fomento a práticas tradicionais indígenas e de outras sociedades ditas não tradicionais, sempre que as mesmas estejam em conformidade com os direitos humanos fundamentais, estabelecidos na Constituição Federal e internacionalmente reconhecidos”.


 


No seu art. 2º, a proposição legislativa em questão relaciona doze (12) hipóteses que sugere sejam consideradas nocivas, para efeitos da lei proposta, como: “práticas tradicionais que atentem contra a vida e a integridade físico-psíquica”.


 


As nove (9) primeiras hipóteses relacionadas no art. 2º referem-se à prática de homicídios de recém-nascidos:


1. em casos de falta de um dos genitores;


2. em casos de gestação múltipla;


3. quando forem portadores de deficiências físicas “e/ou” mentais;


4. quando houver preferência de gênero;


5. quando houver breve espaço de tempo entre uma gestação anterior e o nascimento em questão;


6. em casos de exceder o número de filhos considerado apropriado para o grupo;


7. quando possuírem algum sinal ou marca de nascença que os diferencie dos demais;


8. quando forem considerados portadores de má-sorte para a família ou para o grupo;


9. em caso de crença de que a criança desnutrida é fruto de maldição, ou qualquer outra crença que leve ao óbito intencional por desnutrição;


 


As 3 (três) hipóteses restantes relacionadas no art. 2º do PL 1057/2007, consideradas como práticas nocivas são as seguintes:


1. abuso sexual, em quaisquer condições e justificativas;


2. maus-tratos, quando se verificarem problemas de desenvolvimento físico “e/ou” psíquico na criança;


3. todas as outras agressões à integridade físico-psíquica de crianças e seus genitores, em razão de quaisquer manifestações culturais e tradicionais, culposa ou dolosamente, que configurem violações aos direitos humanos reconhecidos pela legislação nacional e internacional.


 


No art. 3º, a proposição legislativa fixa a obrigação para “qualquer pessoa que tenha conhecimento de casos em que haja suspeita ou confirmação de gravidez considerada de risco (tais como os itens mencionados no artigo 2º), de crianças correndo risco de morte, seja por envenenamento, soterramento, desnutrição, maus-tratos ou qualquer outra forma”, de forma que sejam “obrigatoriamente comunicados, preferencialmente por escrito, por outras formas (rádio, fax, telex, telégrafo, correio eletrônico, entre outras) ou pessoalmente, à FUNASA, à FUNAI, ao Conselho Tutelar da respectiva localidade ou, na falta deste, à autoridade judiciária e policial, sem prejuízo de outras providências legais”.


 


O art. 4º propõe que as pessoas que tenham “conhecimento das situações de risco, em função de tradições nocivas” devam ter o dever de notificar imediatamente as autoridades relacionadas no art. 3º do Projeto de Lei, “sob pena de responsabilização por crime de omissão de socorro, em conformidade com a lei penal vigente”.


 


O art. 4º repete a pena fixada no art. 135 do Código Penal, que dispõe sobre o crime de omissão de socorro, punível com pena de “detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa”.


 


O art. 5º atribui às autoridades relacionadas no art. 3º do projeto de lei, a prática do crime de omissão de socorro, “quando não adotem, de maneira imediata, as medidas cabíveis”.


 


No art. 6º a proposição legislativa estabelece o “dever das autoridades judiciais competentes”, no sentido de “promover a retirada provisória da criança e/ou dos seus genitores do convívio do respectivo grupo e determinar a sua colocação em abrigos mantidos por entidades governamentais e não governamentais, devidamente registradas nos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente”, sempre que for “constatada a disposição dos genitores ou do grupo em persistirem na prática tradicional nociva”.


 


Neste mesmo dispositivo, propõe-se o “dever das mesmas autoridades gestionar, no sentido de demovê-los, sempre por meio do diálogo, da persistência nas citadas práticas, até o esgotamento de todas as possibilidades ao seu alcance”.


 


O parágrafo único do art. 6º estabelece que: “Frustradas as gestões acima, deverá a criança ser encaminhada às autoridades judiciárias competentes para fins de inclusão no programa de adoção, como medida de preservar seu direito fundamental à vida e à integridade físico-psíquica”.


 


Por fim, o art. 7º do Projeto de Lei propõe que: “Serão adotadas medidas para a erradicação das práticas tradicionais nocivas, sempre por meio da educação e do diálogo em direitos humanos, tanto em meio às sociedades em que existem tais práticas, como entre os agentes públicos e profissionais que atuam nestas sociedades. Os órgãos governamentais competentes poderão contar com o apoio da sociedade civil neste intuito”.


 


Em sua justificativa, o autor do Projeto de Lei invoca a Convenção sobre os Direitos da Criança, as Recomendações da Assembléia Geral da ONU, estabelecidas nas Resoluções: A/RES/56/128, de 2002; e A/S-27/19; a Constituição Federal, o Código Civil Brasileiro, a Convenção nº 169 da OIT, estudo do Instituto de Pesquisas Innocenti, da Unicef e considerações constantes em pesquisa da entidade “ATINI – Voz pela Vida”, que segundo consta nesta justificativa, “defende o direito humano universal e inatado à vida”.


 


II.      Considerações sobre a proposição legislativa


 


A proposição legislativa em análise é apresentada e justificada em razão de supostas práticas em comunidades indígenas, que o autor do projeto de lei considera “nocivas”, por considerá-las atentatórias ao direito à vida e à integridade físico-psíquica.


 


A proposição legislativa não nega que seu conteúdo e objetivo suscita questão grave relacionada a concepções culturais e normas de conduta de povos étnica e culturalmente distintos e diferenciados entre si e da sociedade que os envolve. Porém, opta por orientação no sentido de considerar nocivos um rol de condutas que o autor do projeto de lei entende atentatórios ao direito à vida e à integridade físico-psíquico das crianças envolvidas.


 


Com efeito, trata-se de pretensão no sentido de regular questões decorrentes de condutas de grupos étnica e culturalmente distintos e diferenciados, em tema que expõe a diferença entre formas próprias de organização social e cultural, como fonte normatizadora de condutas que diferem radicalmente de concepções morais e jurídicas positivadas pelo Estado nacional brasileiro.


 


Após relacionar as práticas tradicionais em comunidades indígenas que o autor do Projeto de Lei considera nocivas, por atentarem “contra a vida e a integridade físico-psíquica”, fixa obrigações para os não-índios que venham a tomar conhecimento destas práticas no sentido de comunicarem aos órgãos e autoridades que relaciona no seu art. 3° – Funai, Funasa, Conselho Tutelar, autoridades judiciais e policiais e submete à pena do crime de omissão de socorro (art. 135 do CPB): as pessoas que não notificarem aquelas autoridades, para que adotem as “medidas cabíveis”; e estas autoridades e os agentes públicos que não adotarem “de maneira imediata, as medidas cabíveis”.


 


O quarto aspecto da proposição legislativa em questão consiste na determinação no sentido de que o poder público, promova, por intervenção judicial, a retirada provisória da criança e de seus pais, do convívio do grupo indígena, que na concepção do autor do projeto de lei estaria ameaçando a integridade física e psíquica da criança.


 


Na seqüência destas providências consideradas acautelatórias, a proposição legislativa sugere ainda que as autoridades judiciárias e as vinculadas ao Poder Executivo gestionem junto à comunidade ou ao povo indígena envolvido, “no sentido de demovê-los, sempre por meio do diálogo, da persistência nas citadas práticas, até o esgotamento de todas as possibilidades ao seu alcance”.


 


Caso estas gestões não logrem êxito, o parágrafo único do art. 6° do projeto de lei propõe que a criança seja encaminhada às autoridades judiciárias competentes para fins de adoção.


 


Por fim, o projeto de lei determina a adoção de medidas educacionais e o “diálogo em direitos humanos”, com o propósito de “erradicação das práticas tradicionais nocivas”.


 


A proposição, para efeito de sua análise pode ser, portanto dividida nos seguintes quatro aspectos:


 


1°) definição de práticas nocivas;                         


 


No que se refere ao que o Projeto de Lei considera como práticas nocivas impõe-se ponderar que as 12 hipóteses relacionadas no seu art. 2°, já são consideradas nocivas pelo ordenamento jurídico brasileiro, na medida em que são tipificadas como crimes no Código Penal, nos seus arts. 121, 122, 123, 132, 133, 134, 136, 213,, 215, 217, 218, 223, 224, dentre outras condutas tipificadas como delituosas.


 


A questão, porém que precisa ser ponderada, consiste na possível circunstância, de relevância jurídico penal, segundo a qual as comunidades nas quais as supostas práticas das condutas que o autor do projeto de lei considera nocivas, por serem tidas como atentatórias contra os direitos humanos, não as considerarem como condutas moral e juridicamente recrimináveis, e, portanto não serem consideradas como delituosas, de acordo com seus usos, costumes e tradições.


 


O reconhecimento estatal à organização social, aos usos, costumes, às línguas, às crenças e às tradições dos índios, inscrito no caput do art. 231 da Constituição Federal, com a determinação de que a União proteja os bens indígenas e promova seu respeito conforma referência normativa relevante, de forma que as manifestações culturais, ou condutas praticadas pelos membros das comunidades indígenas precisam ser analisadas, no âmbito dos valores resultantes da organização sócio-cultural e mesmo religiosas dos povos indígenas.


 


O que para membros de um determinado grupo social pode ser objeto de valoração negativa, a ponto de ser considerado conduta punível, em outro grupo social, em razão de suas referências culturais, sociais, religiosas e mesmo políticas pode ser objeto de outro tipo de valoração, podendo mesmo não ser objeto de recriminação ou punição.


 


No caso dos povos indígenas, importa que antes de se fixar conceito negativo em relação às condutas verificadas entre os membros de suas comunidades, a organização social e cultural, bem como suas crenças, suas tradições, seu idioma, seus usos e costumes sejam conhecidos e compreendidos, de forma que as normas de conduta fixadas por estes grupos sociais étnica e culturalmente distintos e diferenciados sejam percebidas como expressão do pluralismo jurídico decorrente da autonomia destes povos no âmbito da organização estatal brasileira.


 


Embora não esteja expressamente previsto na legislação penal brasileira, afigura-se razoável aplicar-se, por analogia, o disposto no art. 26 do Código Penal, combinado com o estatuído no art. 231 da CF, de forma que os membros de comunidades e povos indígenas que pratiquem atos considerados pelo ordenamento jurídico brasileiro como crimes, poderão ser considerados inimputáveis, na medida em que as condutas tipificadas como delituosas não sejam valoradas, de acordo com a organização social e cultural do povo ou da comunidade indígena em questão, de forma negativa, a ponto de virem a ser recriminadas e punidas.


 


Trata-se, no caso, de construção hermenêutica, cabível  desde a vigência da Lei n° 6.001, de 19 de dezembro de 1973[1], mas principalmente à partir da vigência do texto constitucional de 1988, na medida em que os índios não são isentos de pena em razão de “doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado”. A inimputabilidade resultaria da percepção comprovada em devido processo legal, no sentido de que “ao tempo da ação ou da omissão” incriminadas, os índios acusados da prática de determinado delito não entenderiam o “caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”, não por serem “inteiramente incapazes de entender o caráter ilícito”, mas porque de acordo com os valores da organização social que convivem, sua cultura não considera o ato praticado como crime.


 


Conceber que o Estado, por intermédio de seu Poder Legislativo e eventualmente com a sanção do Poder Executivo venha a conceituar genericamente como nocivas determinadas condutas tipificadas como crime não contribui para o aperfeiçoamento das bases institucionais de relacionamento do Estado para com os Povos Indígenas no Brasil.


 


A determinação inscrita no art. 231 da CF, no sentido da União promover o respeito aos bens indígenas, implica que à todos é imposta a obrigação de respeitar os bens materiais e imateriais dos grupos étnica e culturalmente distintos e diferenciados, que a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho[2] define como “Povos Indígenas”. No respeito devido a estes povos indígenas inclui-se, portanto a consideração às formas próprias de organização social de cada um deles. E a organização social destes povos, naturalmente resulta das concepções culturais e políticas que sua história de vida conforma. Daí que as normas de conduta fixadas para a convivência dos membros das comunidades dos povos indígenas precisam ser compreendidas no contexto histórico e cultural de cada um dos povos indígenas.


 


Importa destacar a absoluta impossibilidade e completo equívoco procedimental no sentido de generalizar uma determinada prática cultural eventualmente normatizada por um povo indígena, como sendo conduta adotada por todos os povos indígenas. Isto definitivamente não ocorre, em que pese possam existir institutos de um povo que até se assemelhem a de outros grupos étnicos.


 


Resulta destas considerações, que a valoração genérica de condutas tidas como “tradicionais” identificadas em comunidades indígenas, como sendo “nocivas” e atentatórias à vida e à integridade físico-psíquica das crianças envolvidas nas práticas relacionadas no art. 2° do projeto de lei projeta postura discriminatória e que ignora as circunstâncias e principalmente os fundamentos ou motivações para cada prática ou conduta.


 


O disposto no parágrafo 2 do art. 8° da Convenção n° 169, da OIT, citado inclusive na justificativa do projeto de lei,  não obstante estabeleça que os povos indígenas “deverão ter o direito de conservar seus costumes e instituições próprias, desde que eles não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais definidos pelo sistema jurídico nacional nem com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos”, consigna:


Sempre que for necessário, deverão ser estabelecidos procedimentos para se solucionar os conflitos que possam surgir na aplicação deste princípio”.


 


Percebe-se, portanto, que a Convenção 169 da OIT, já balizou um limite às práticas culturais e às instituições próprias adotadas pelos povos indígenas, porém sem valorá-las negativamente, como pretende o projeto de lei em questão. Além disso, remete expressamente ao estabelecimento de “procedimentos para se solucionar os conflitos que possam surgir na aplicação deste princípio”.


 


O disposto nos artigos 9° e 10 da mesma Convenção 169 apresentam ainda elementos relevantes para o tratamento de condutas e práticas tradicionais que conflitam com “o sistema jurídico nacional e com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos”. 


 


O art. 9° estabelece no seu parágrafo 2 que:


As autoridades e os tribunais solicitados para se pronunciarem sobre questões penais deverão levar em conta os costumes dos povos mencionados a respeito do assunto”.


 


E no art. 10, consta que:


Quando sanções penais sejam impostas pela legislação geral a membros dos povos mencionados, deverão ser levadas em conta as suas características econômicas, sociais e culturais”.


 


Considerando que a Convenção 169, da OIT, a partir da vigência do Decreto n° 5.051/2004 passou a vigorar no Brasil no mesmo plano “de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias”, nos termos de entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da ADI 1480, “havendo, em conseqüência, entre estas[3] e os atos de direito internacional público, mera relação de paridade normativa[4], conclui-se no sentido de que o propósito do projeto de lei em análise já se encontra normatizado, nos termos da Convenção 169 da OIT, sem qualquer referência depreciativa em relação às condutas, práticas, ou instituições de povos e comunidades indígenas.


 


2°) obrigação de comunicação ao poder público e criminalização pela ausência de notificação ou de providências


 


A obrigação para que qualquer pessoa “que tenha conhecimento de casos em que haja suspeita ou confirmação” de risco à integridade física de crianças, em razão das condutas consideradas indevidamente nocivas, pelo projeto de lei, comunique a órgãos públicos e autoridades, para que adotem providências, sob  pena de responderem pela prática de crime de omissão de socorro consiste também em solução normativa equivocada e prejudicial ao correto tratamento de conflitos entre ordenamentos jurídicos envolvendo o Estado e povos indígenas.


 


Na medida em que o legislador fixa obrigação dirigida a “qualquer pessoa que tenha conhecimento de casos em que haja suspeita ou confirmação” do que considera maus-tratos ou agressões à crianças indígenas, criminalizando as pessoas que não cumprirem com esta obrigação, bem como os agentes públicos que não adotarem providências, ou “medidas cabíveis”, conforma-se uma perspectiva repressiva em relação a membros da própria comunidade indígena e a quaisquer pessoas que efetivamente tenham conhecimento sobre tais realidades, mas que por razões de dever de ofício, como no caso de servidores da Funai, da Funasa, ou mesmo em razão de apoios que prestam às comunidades indígenas, como missionários, ou indigenistas leigos.


 


As pessoas que poderão ter conhecimento de eventuais práticas que o projeto de lei define como “nocivas” provavelmente serão pessoas que mantém algum tipo de relacionamento com a comunidade. No caso dos servidores públicos ou membros de entidades religiosas ou civis que atuem com as comunidades indígenas envolvidas, a “delação” preconizada pelo projeto de lei, poderá inviabilizar a continuidade do trabalho que desenvolvem na comunidade, tendo em vista eventuais reações de parte ou de toda a comunidade.


 


Além disso, a obrigação cujo descumprimento caracterizaria a prática de um ilícito penal poderia ensejar a provocação de animosidades e mesmo de acusações infundadas, na medida exata em que tais práticas resultam de construções culturais e sociais específicas e diferenciadas.


 


Na realidade, criminalizar as pessoas que tenham conhecimento de práticas tradicionais, que se revelem conflituosas com o ordenamento jurídico nacional ou internacional na afirmação de direitos humanos, colide com a perspectiva adotada pela Convenção n° 169 da OIT, que recomenda a adoção de “procedimentos para se solucionar os conflitos que possam surgir na aplicação” dos “costumes e instituições próprias” dos povos indígenas.


 


E para a adoção de “procedimentos para se solucionar os conflitos que possam surgir na aplicação” dos “costumes e instituições próprias” dos povos indígenas, não é necessário, em hipótese alguma, ameaçar as pessoas que podem e devem mediar estas relações, com a condenação pela prática de suposto crime.


 


3°) providências cautelares e medidas definitivas para adoção


 


As providências cogitadas no art. 6° do projeto de lei, no sentido de indicar às autoridades judiciárias: “a retirada provisória da criança e/ou dos seus genitores do convívio do respectivo grupo e determinar a sua colocação em abrigos mantidos por entidades governamentais e não governamentais, devidamente registradas nos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente”; e caso as gestões ”por meio do diálogo” não surtam o efeito desejado, no sentido de superar a prática considerada “nociva” pelo projeto de lei, que a criança seja incluída em programas de adoção; não se revelam corretas, na medida em que estas soluções concebidas para todas as situações, desconsideram o conhecimento e o respeito necessário aos valores culturais, aos costumes, às crenças e às tradições dos povos indígenas envolvidos.


 


Nenhuma providência no sentido de administrar ou superar conflitos entre concepções culturais e normativas entre povos indígenas e o Estado nacional será simples.


 


A rigor, simplificar a solução de conflitos que revelam a radicalidade de diferenças entre sistemas jurídicos afigura-se perigoso e prejudicial ao respeito devido aos povos étnica e culturalmente distintos e diferenciados e que vivem no Estado brasileiro com autonomia.


 


Cada caso deverá ser analisado administrativa e eventualmente até judicialmente de forma muito particular, considerando os valores culturais, os costumes, as crenças e as tradições de cada povo.


 


4°) gestões administrativas de caráter suasório e educacional


 


Para a adoção das gestões propostas no art. 7° do projeto de lei não se torna necessário impô-las por intermédio de ato normativo, até porque a indicação normativa neste e em quaisquer outros sentidos decorre do disposto no art. 9°, 2 e art. 10, ambos da Convenção 169, da OIT.


 


 


 


 


 


III.      Conclusão


 


 Do exposto, conclui-se no sentido de que a Projeto de Lei n° 1.057, de 2007, deva ser rejeitado.


 


Brasília, 17 de agosto de 2007


 


Paulo Machado Guimarães


Advogado e


Assessor Jurídico do


Conselho Indigenista Missionário


 


 


                                                                     


 






[1] Em razão do que estabelece seu art. 6° e principalmente do art. 57



[2] Promulgada no Brasil pelo Decreto n° 5.051, de 19 de abril de 2004, do Presidente da República, publicado no DOU de 20/04/2004. O Congresso Nacional aprovou a Convenção 169,da OIT, por intermédio do Decreto Legislativo n° 143, de 20 de junho de 2002.



[3] Leis ordinárias



[4] Ementa do Acórdão do julgamento da ADI 1480, Relator Min. Celso de Mello. Julgada em 04/09/1997 e acórdão publicado no DJU de 18/05/2001

Fonte: Assessoria Jurídica - Cimi
Share this: