Carta sobre a viagem a Europa da delegação do CIR
CARTA ABERTA
Nós, Jacir José de Souza Macuxi e Pierlangela Nascimento da Cunha Wapichana, líderes indígenas enviados por nossas comunidades e organizações à Europa para divulgar a Campanha Anna Pata, Anna Yan, vimos nesta carta relatar e declarar os resultados de nossa visita. Iniciamos nossa viagem no dia 16 de junho de 2008, e durante três semanas percorremos os países de Espanha, Inglaterra, Bélgica, França, Itália e Portugal.
O objetivo era trazer ao conhecimento da sociedade européia e suas autoridades a situação de aflição que se vive hoje na Terra Indígena Raposa Serra do Sol em Roraima e solicitar apóio e solidariedade com nossos povos. No mês de Agosto, o Supremo Tribunal Federal deverá julgar 34 ações que ainda contestam a homologação de nossa terra, assinada pelo Presidente da República em abril de 2005, fruto de nosso trabalho, nossa união e do sangue de muitos a quem tiraram a vida nestes anos.
Em nossa viagem, fomos recebidos por Autoridades dos diversos Governos nacionais, bem como Representantes Políticos de Parlamentos e pelo Presidente do Senado italiano. Tivemos também audiências com Autoridades da Comissão e do Parlamento Europeu. Todos eles nos receberam como lideranças indígenas, mostrando com este gesto seu respeito e consideração a nossos povos.
Fomos acolhidos e apoiados também por respeitadas personalidades como o ex-presidente português Mário Soares, sua esposa Maria Jesus Barroso e a Senhora Danielle Miterrand, outrora lideranças políticas européias e que hoje continuam trabalhando no âmbito de Fundações de caráter cultural e de defesa dos Direitos Humanos. Igualmente, representantes da Fundação do Príncipe Charles de Inglaterra honraram nossa viagem.
Encontramos a solidariedade e apóio de diversas entidades e organizações de reconhecido prestígio por sua defesa dos Direitos Humanos, da Justiça e da Paz em todo o mundo. Dentre elas, Amnistia Internacional, CAFOD, Cáritas Espanhola e Portuguesa, Survival International, Uyamaa, Manos Unidas, ICRA, Entreculturas, Conselho Pontifício de Justiça e Paz do Vaticano, Comissão Nacional de Justiça e Paz de Portugal, Associação Empenhar-se Serve e diversos Institutos religiosos. Junto a eles, recebemos o carinho, a solidariedade e o apóio de muitas pessoas que se somaram ao nosso trabalho e nossa Campanha.
Recebemos, em particular, o apóio do Papa Bento XVI, em Audiência realizada no dia 02 de julho, em que lhe entregamos nosso Documento e recebemos dele o compromisso de ajudar na proteção de nossa terra.
Em todas estas visitas e audiências fomos ouvidos com atenção e generosidade, e de todos eles, com a particularidade de cada encontro e cada responsabilidade, recebemos a seguinte mensagem:
1.- Uma solidariedade profunda com os Povos Indígenas, com nossa vida e com nossos direitos, historicamente adquiridos e legalmente reconhecidos na Constituição Federal do Brasil de 1988, na Convenção 169 da OIT e na Declaração da ONU de setembro de 2007. Solidariedade e respeito pela diversidade que representamos para o mundo todo e por nossa contribuição com a preservação e cuidado desta Casa Grande que é a Natureza.
2.- A solidariedade e apóio firme ao Decreto de Homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, assinado pelo Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva em 15 de Abril de 2005, como garantia de nossos direitos e sinal inequívoco de firmeza das instituições brasileiras e da nossa Constituição.
3.- O compromisso de acompanhar os próximos acontecimentos que envolvem à Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Compreenderam a transcendência da decisão que ocorrerá em Agosto, porque ela poderá determinar a sorte de outras terras indígenas em nosso país.
4.- O repúdio aos atos de violência ocorridos contra as comunidades indígenas, agora e durante todo o processo de reconhecimento de nossa terra, assim como a determinação de lutar contra qualquer sinal de impunidade diante da evidente violação dos direitos humanos.
5.- A denúncia dos atos criminosos contra o Meio Ambiente causados pela ocupação ilegal de grandes empresários agrícolas produtores de arroz em nossa terra Raposa Serra do Sol.
6.- O repúdio às práticas políticas de governantes e representantes políticos que utilizam seu poder e influência para trabalhar pela redução de nossos direitos e transmitem à população a idéia de que nossa terra e nossa vida são um empecilho para o desenvolvimento de Roraima.
Em todos os países visitamos as Embaixadas do Brasil, onde explicávamos os objetivos de nossa viagem e solicitávamos seu apóio. Os diversos Embaixadores e Embaixadoras que encontramos confirmaram a posição do Governo brasileiro de defender o Decreto de Homologação de nossa terra e expressaram seu desejo de que essa fosse também a orientação da decisão final na Justiça.
Conseguimos transmitir nossa palavra através dos meios de comunicação, seja em grandes agências ou em pequenos grupos, seja em rádios, televisões ou jornais. Isto é importante para nós, porque nem sempre conseguimos ser ouvidos pelos meios de comunicação brasileiros que, na sua maioria, de modo sistemático transmitem uma imagem distorcida de nossa realidade e nossas comunidades.
Diante de tudo isto, DECLARAMOS que:
- Nossa terra é nossa Mãe, não se tira os filhos de sua Mãe. É a terra de nossos antepassados, que deixaram marcas para nós, e nós devemos repassá-la para nossos filhos.
- A questão fundamental hoje não é mais defender ou fundamentar os nossos direitos, mas sim exigi-los e garanti-los, de modo a que não fiquem apenas escritos nas Constituições de nossos países ou nas grandes declarações. Exigimos que seja respeitada a lei, e a lei reconhece e protege nossos direitos e nossa terra.
- O decreto de Homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol deve ser mantido, e isso significará um passo importante na consolidação de nossos direitos e dos direitos de todos os homens e mulheres.
- Manter o atual decreto de Homologação significa fortalecer a Constituição Federal do Brasil frente aos interesses particulares de fortes poderes econômicos que nos fazem crer que representam os interesses de todos.
- Nossa terra está homologada e registrada. Foi um processo longo. Sofremos por muito tempo as invasões de fazendeiros, garimpeiros e agora dos grandes empresários de arroz. Mas Raposa Serra do Sol é terra indígena e qualquer outra ocupação não descrita no decreto de Homologação se trata de uma invasão que deve ser combatida.
- É necessário e fundamental que se apurem todos os casos de violência contra a vida e patrimônio dos povos indígenas, bem como os crimes cometidos durante a resistência na retirada de nossos invasores.
- Acreditamos na importância e relevância da solidariedade e apóio que temos recebido durante nossa viagem por Europa. É fundamental, e assim o transmitimos em nossos encontros, que todos os países europeus ratifiquem a Convenção 169 da OIT, como instrumento normativo de reconhecimento internacional de nossos direitos.
Agradecemos a todas as Autoridades, personalidades, entidades e organizações que receberam-nos, ouviram nossas palavras e apoiaram nossas comunidades e nossa terra.
Agradecemos especialmente a todas as pessoas e entidades que trabalharam junto a nós nesta viagem. Aquelas pessoas que nos acompanharam desde o início da viagem até o final; aquelas que facilitaram os contatos e audiências em cada país; aquelas que nos proporcionaram hospedagem em suas casas. Nós, povos indígenas, temos o direito e a liberdade de estabelecer amizade e alianças com outros na defesa de nossa vida e nossa terra. E temos a certeza de que os direitos de cada homem e cada mulher serão garantidos com a união e o trabalho de muitos.
Retornamos ao Brasil, em definitivo, felizes de nossa viagem, esperançados e mais firmes na defesa de nosso povo e de nossa terra.
Lisboa, 07 de julho de 2008
Jacir José de Souza Macuxi
Pierlangela Nascimento da Cunha Wapichana
Mais informações: www.cir.org.br