23/06/2008

Parecer Procurador Geral da República

                                                    


                                MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL


  4067-PGR-AF                         


PETIÇÃO Nº 3.388-4/170













REQUERENTE


: AUGUSTO AFFONSO BOTELHO NETO


REQUERIDO


: UNIÃO


RELATOR


: Min. Carlos Britto


 


PETIÇÃO. DEMARCAÇÃO DA TERRA INDÍGENA RAPOSA SERRA DO SOL. PEDIDOS DE INGRESSO NO FEITO FORMULADOS PELA FUNAI, ESTADO DE RORAIMA, PRODUTORES RURAIS ASSENTADOS NO INTERIOR DA TERRA INDÍGENA E ALGUMAS DAS COMUNIDADES  BENEFICIADAS PELO ATO DEMARCATÓRIO. ADMISSÃO. NO MÉRITO, RATIFICAÇÃO DO PRONUNCIAMENTO ANTERIOR.


 


 


 


 


 


1.                    Em atenção ao despacho de fls. 9973, retornam os autos à Procuradoria Geral da República para manifestação acerca dos “pedidos de ingresso no feito e respectivos documentos, apresentados pela Fundação Nacional do Índio – FUNAI (petição nº 62.154), Estado de Roraima (petição nº 64.182), Lawrence Manly Harte e outros (petição nº 67.733), Comunidade Indígena Socó (petição nº 70.151), bem como sobre a subseqüente manifestação da União (petição nº 82.069)”.


2.                    A Fundação Nacional do Índio – FUNAI, como legítimo representante dos interesses e direitos dos indígenas – consoante o teor do art. 35 da Lei nº 6.001/73[1], não excluído pela regra do art. 232[2] da Constituição da República –  deverá ter seu ingresso no feito admitido[3], tendo-se presente que, na espécie, embora se questione ato do Ministro da Justiça e aquele homologatório do Presidente da República, a eventual declaração de nulidade daqueles prejudicaria diretamente os índios que se pretendeu por meio deles beneficiar.


3.                    A Comunidade Indígena Socó (fls. 9732/9735, volume 39), assim como aquelas denominadas Barro, Maturuca, Jawari, Tamanduá, Jacarezinho e Manalai (fls. 9066/9095, volume 36), fundamentam seu pedido de ingresso no feito na relação jurídica que mantêm com a terra objeto da demarcação administrativa. O seu interesse jurídico na improcedência da demanda, assim como das demais comunidades indígenas alcançadas pela demarcação e que seriam afetadas por uma eventual anulação daquela, é inegável. Estando legitimadas a ingressar em juízo em defesa de seus direitos pelo próprio texto constitucional – art. 232 -, e, no caso específico da ação popular, pelo art. 6º da Lei nº 4.717/65[4], há de ser acatado o seu pedido.


4.                    Não parece ser o caso, entretanto, de se reconhecer a existência de litisconsórcio necessário das comunidades abarcadas pelo ato demarcatório – o que demandaria deferir-se a citação de todas elas, sob pena de nulidade, e postergar-se a efetiva entrega da prestação juridicional, dado o razoável espaço de tempo necessário para tanto -, considerando já terem elas seus interesses defendidos pela FUNAI e, indiretamente, pela União, responsável pela defesa do ato atacado, editado em benefício dos indígenas.


5.                    O Estado de Roraima tem, igualmente, manifesto interesse no resultado da demanda, devendo ser chamado a integrar a lide, este sim, como litisconsorte necessário. Embora cuidem os autos de ação popular, está em debate o domínio das terras localizadas em seu território, não se podendo esquecer que a demanda corre perante o Supremo Tribunal Federal – esta e outras que tratam da demarcação da terra indígena “Raposa Serra do Sol” – exclusivamente porque reconhecida a existência de conflito entre o Estado e a União com força para abalar a estrutura federativa. Na RCL nº 2.833, em que se analisou decisão proferida também em ação popular voltada contra a demarcação em questão, concluiu essa Corte, para reconhecer a sua competência para o julgamento da causa, que buscavam os autores “proteger o patrimônio público roraimense”.


6.                    Se é o patrimônio estadual que está em jogo, nada mais acertado que da demanda participe, como parte, o principal interessado em sua preservação – o próprio Estado, o qual, registre-se, apresentou extensa manifestação às fls. 5138/5257, volume 20.


7.                    Lawrence Manly Harte e os demais produtores rurais listados na petição de fls. 9607/9610 (volume 38), uma vez assentados no interior da terra indígena demarcada, têm interesse em intervir, tal como pleiteado, na condição de assistentes do autor. Tratando-se de ação popular e considerando-se o teor do § 5º do art. 6º da Lei nº 4.717/65[5], não se vê razão para o indeferimento de seu pleito, devendo receber o processo no estado em que se encontra.   


8.                    Quanto ao mérito da demanda, ratifica-se integralmente a manifestação de fls. 390/406 (volume 2). A farta documentação juntada aos autos era de pleno conhecimento da Procuradoria Geral da República bem como da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, cujos estudos embasaram o pronunciamento anterior. Os documentos trazidos pela FUNAI, comunidades indígenas e União dão suporte à argumentação contida no parecer, em nada prejudicadas pelas alegações apresentadas pelo Estado de Roraima.


                       Ante o exposto, manifesta-se a Procuradoria Geral da República pela admissibilidade do ingresso no feito, como assistentes da requerida,  da Fundação Nacional do Índio e das comunidades indígenas indicadas e, na qualidade de litisconsorte ativo necessário, do Estado de Roraima. No mérito, ratifica-se o pronunciamento anterior de fls. 390/406.


Brasília, 18 de junho de 2008. 


 


 


  ROBERTO MONTEIRO GURGEL SANTOS


VICE-PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA


 


APROVO:


 


ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA


PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA


 


 


STA








[1]    “Art. 35. Cabe ao órgão federal de assistência ao índio a defesa judicial ou extrajudicial dos direitos dos silvícolas e das comunidades indígenas”.


 



[2]    “Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo”.



[3]    Pedido formulado às fls. 4942/4976 – volume 19.



[4]    “Art. 6º. A ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas no art. 1º, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissão, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo”.



[5]    “Art. 6º. (…) § 5º É facultado a qualquer cidadão habilitar-se como litisconsorte ou assistente do autor da ação popular”.


 

Fonte: Cimi
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