03/06/2008

Nota da Via Campesina

NOTA DA VIA CAMPESINA SOBRE O ENCONTRO DOS POVOS DO XINGU


  


Nós, movimentos e organizações que integram a Via Campesina (MAB, MST, MPA, MMC, PJR, CIMI, CPP, CPT, ABEEF, FEAB), viemos a público para externar nossa posição contrária com relação a toda a discussão que envolve a temática em torno da construção do complexo Belo Monte e outros tantos projetos ligados entre si, no chamado desenvolvimento da Amazônia, bem como, colocar nossa posição em defesa do CIMI, povos indígenas, lideranças e os movimentos que vem lutando contra esse projeto, muitos deles ameaçados inclusive de morte por seu ideário de justiça e paz que promovem.


 


Viemos há muito tempo construindo no interior dessas organizações, uma leitura comum em torno dos grandes projetos pensados de fora para a região, bem como, construindo uma leitura em comum sobre a resistência e as lutas contra esse grande capital no Brasil e na nossa região. Esses grandes projetos estão sendo configurados na ofensiva cada vez maior do agronegócio, na ampliação de grandes áreas de terras para a produção de soja, de agrocombustíveis, de eucalipto e assim por diante, bem como, na ofensiva sobre os recursos naturais (terras, biodiversidade, madeira, minérios, água), na expropriação de terras de camponeses, quilombolas, indígenas, para esse fim, de forma violenta e legitimada pela estrutura do Estado, assim como, na construção de complexos hidrelétricos para produção de energia para grandes indústrias eletrointensivas multinacionais localizadas na região e em outras, como sul e sudeste do país.


 


Com relação ao complexo hidrelétrico de Belo Monte, pensado para a região, destacamos:


 


Desde 1989 as comunidades indígenas, movimentos populares e sociais já alertavam para os problemas que o projeto acarretaria na região, sobretudo para as comunidades de povos originários . Passados quase 20 anos, o projeto não mudou nada de sua origem, apenas sofreu uma “Revisão dos Estudos de Inventário do Rio Xingu”.


 


Passados 18 anos, em 2007, na carta final de um encontro realizado em Altamira, onde participaram lideranças dos povos indígenas da Amazônia, continuava muito clara a posição dos indígenas: “Nós, povos indígenas, queremos viver e respirar no Xingu, suas águas são fonte de vida e nós não queremos morrer, não vamos desistir da vida, não abandonaremos a luta. […] Somos totalmente contra Belo Monte”.


 


Pelos “Estudos de Inventário hidrelétrico da Bacia Hidrográfica  do Rio Xingu” elaborados pela Camargo Correa a “melhor” alternativa de aproveitamento seria fazer cinco (05) barragens no Rio Xingu e uma sexta no Rio Iriri.  Então, a barragem de Belo Monte (ex-Kararaô) seria a primeira de um complexo de cinco hidrelétricas no Rio Xingu. Técnicos alegam que Belo Monte não tem viabilidade como um barramento isolado.


 


Historicamente este tipo de projeto tem beneficiado a acumulação de riqueza para  grandes grupos econômicos nacionais e principalmente internacionais, a exemplo do que vem ocorrendo com outros projetos de barragens na região Amazônica. No caso das usinas de Santo Antônio e Jirau no Rio Madeira o faturamento na geração e distribuição ultrapassará 1 milhão de reais por hora, recurso que não é revertido no desenvolvimento regional e na melhoria das condições de vida da população local.


 


Todos os projetos de hidrelétricas na Amazônia estão diretamente ligados com a extração de minério para grandes empresas como a ALCOA, maior empresa interessada na construção de Belo Monte. Com sede nos Estados Unidos a ALCOA é a  maior empresa de alumínio do mundo  e vem se beneficiando a mais de 20 anos de subsídios de cerca de 200 milhões de dólares anuais na utilização da energia da barragem de Tucuruí no estado do Pará. Outra grande empresa interessada é a Vale (EX-CVRD) que administra quatro unidades industriais na área do alumínio – Valesul, MRN, Alunorte e Albras – as três últimas localizadas no Pará.


 


Os estudos da Eletrobrás prevêem que além dos Juruna da Terra Indígena Paquiçamba, localizados mais próximos à usina, a área de influência de Belo Monte, envolve outros nove povos indígenas: os Assurini do Xingu, os Araweté, os Parakanã, os Kararaô, os Xikrin do Bacajá, os Arara, os Xipaia e os Kuruaia. A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) inclui ainda vários povos Kaiapó na região e mais de 1 mil índios que vivem em Altamira


 


O discurso do progresso e de desenvolvimento utilizados para o convencimento da população brasileira sobre a viabilidade do projeto Belo Monte assim como de todas as demais usinas que foram e vem sendo construídas no Brasil é falso. Isso se comprova através dos exemplos das Barragens de Tucuruí/PA e Samuel/RO. Construídas a mais de 20 anos, milhares de famílias continuam sem terra, sem trabalho e sem acesso a energia elétrica. 


 


Os projetos de barragens no Brasil vem sendo pagos pelo povo, através de financiamentos públicos feitos pelo BNDES, que em projetos como os do rio Madeira e também na construção da barragem de Foz do Chapecó/SC chega a desembolsar 75% do valor total das obras.


 


Após o processo de privatização a energia produzida e consumida no Brasil, está sob domínio e  a serviço de grandes grupos econômicos, na grande maioria estrangeiros. São eles ALCOA, SUEZ/Tractebel, VALE, AES, Duke, BRADESCO, VOTORANTIN, CAMARGO CORREA, ODEBRECHT, ANDRADE GUTIERRES e outros.


 


Neste modelo o povo brasileiro paga a quinta maior tarifa de energia do mundo. Além disso, as famílias pagam até 12 vezes mais pela energia elétrica do que grandes empresas consumidoras como a ALCOA, que paga 4 centavos por Kw/h, ou ainda, como a Vale que paga 3 centavos por Kw/h, ao passo que as famílias brasileiras pagam em torno de 60 centavos por Kw/h.


 


O “incidente“, que todos lamentamos, onde um funcionário da Eletrobrás ficou ferido durante o encontro que ocorreu em Altamira de 19 a 23 de maio, com a participação de representantes de comunidades indígenas, ribeirinhas, camponeses e movimentos sociais, demonstra que a soma de todos estes fatores tem causado muita preocupação, inquietação e revolta na população ameaçada pela obra. È reflexo do sentimento de descaso para com o povo da Amazônia que sofre todas as violências possíveis no seu dia a dia.


 


Diante de todos esses elementos, queremos ratificar nossa posição contra a construção do Complexo Hidrelétrico de Belo Monte, e outras tantas barragens previstas para a região, assim como, ratificar nosso apoio ao CIMI, povos indígenas, lideranças e movimentos sociais que vem a anos fazendo a luta contra esse projeto. Denunciamos também, a ofensiva da direita, de empresários, de latifundiários, da mídia, da estrutura do Estado nos seus mais diversos segmentos, e que defendem seus interesses privados de progresso e desenvolvimento, às custas de uma ampla população que vive na região há anos. Denunciamos firmemente a atitude desse grupo, em querer criminalizar e satanizar os movimentos sociais, lideranças locais, pelo que vem fazendo de forma justa em defesa do Rio Xingu, dos seus povos e da vida da região.


 


Por fim, estamos empenhados na construção de outro projeto de desenvolvimento, baseado no respeito aos povos tradicionais, da população como um todo, sua cultura, sua identidade, nos seus costumes, no respeito a natureza, e na socialização das riquezas produzidas, a fim de construirmos uma sociedade mais humana e mais justa a todos e todas.


 


Assinam:


Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB


Movimentos dos Trabalhadores Rurais sem Terra – MST


Movimento dos Pequenos Agricultores- MPA


Movimento de Mulheres Camponesas- MMC


Conselho Indigenista Missionário – CIMI


Pastoral  da Juventude Rural- PJR


Comissão Pastoral da Terra- CPT


Conselho Pastoral dos Pescadores – CPP


Federação dos estudantes de Agronomia do Brasil – FEAB


Associação Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal – ABEEF

Fonte: Via Campesina
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