22/04/2008

Carta de São Francisco

SEMINÁRIO: O CASO GUARANI KAIOWÁ: UMA HISTÓRIA DE VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS 


CARTA DE SÃO FRANCISCO


Os participantes do Seminário: O Caso Guarani Kaiowá: Uma História de Violação de Direitos Humanos, realizado na cidade de São Paulo, no dia 18 de abril de 2008, organizado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Área de Concentração em Direitos Humanos do Programa de Pós-Graduação em Direito, com o apoio da Procuradoria Regional da República da Terceira Região-MPF, do Conselho Indigenista Missionário – CIMI e do Serviço Franciscano de Solidariedade – SEFRAS /SP


 


CONSIDERANDO QUE,


 


A Constituição Federal consagrou de forma expressa os direitos dos índios, dentre os quais se  encontram o direito à identidade cultural e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, acrescentando ainda que compete à União demarcar essas terras e fazer respeitar todos os seus bens, cabendo-lhes o usufruto exclusivo dessas terras e de todas as riquezas nelas existentes.


 


A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT sobre Povos Indígenas e Tribais recomenda aos Governos o respeito à importância especial que para as culturas e valores espirituais dos povos interessados possui a relação com as terras ou territórios  que eles ocupam ou utilizam de alguma maneira e, particularmente, os aspectos coletivos dessa relação. Estipula, ainda, que dever-se-á reconhecer aos povos interessados os direitos de propriedade e de posse sobre as terras que tradicionalmente ocupam;


 


Vários são os Compromissos Internacionais assumidos pela República Federativa do Brasil na promoção da defesa dos direitos humanos, que dispõem sobre a proteção  das minorias étnicas,  a promoção de suas identidades, a adoção de medidas especiais  e concretas para assegurar o desenvolvimento ou a proteção de certos grupos sociais garantindo-lhes o pleno exercício dos direitos humanos e das liberdades fundamentais;


 


A recente Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, proclamada em 13/09/2007 pela Assembléia Geral da ONU e assinada pelo Brasil, dispõe  que “os povos indígenas não serão submetidos a nenhum ato de genocídio nem a nenhum outro ato de violência reafirmando o direito desses povos à terra em que vivem, ao acesso aos recursos naturais, à saúde e à educação, além da preservação de suas culturas¨.


 


Apesar do cabedal normativo avançado a respeito dos direitos dos povos indígenas e de todo o esforço por mobilização, os índios Guarani Kaiowá continuam sendo expulsos de suas terras, localizadas no Estado do Mato Grosso do Sul, e excluídos da participação política;


 


A maior parte do território original Guarani Kaiowá não teve sua demarcação homologada, estando há muito esgotado o prazo de cinco anos – desde 5 de outubro de 1988 – para a União demarcar as terras indígenas, conforme expressa previsão do artigo 67 do ADCT/88;


 


Os procedimentos administrativos da FUNAI sofrem constantes revezes, seja em função da escassez de recursos materiais e humanos que lhe é crônica, seja em função da enorme quantidade de contestações judiciais de seus atos pelos atuais ocupantes não índios dessas terras, que acabam por suspender  o andamento dos procedimentos demarcatórios;


 


O pleno exercício dos direitos humanos dos índios Guarani Kaiowá  encontra-se gravemente limitado pelos obstáculos encontrados no reconhecimento de suas terras, o que  tem contribuído para a permanência dos casos de suicídio e de desnutrição, principalmente das crianças, elevando sobremaneira a taxa de mortalidade infantil;


 


O desrespeito aos direitos básicos dos índios Guarani Kaiowá e das populações indígenas em geral, além de violar em si a garantia à terra dos povos indígenas, constitucionalmente estabelecida, representa clara opção em favor da grande empresa agrícola e em detrimento de interesses coletivos e difusos, juridicamente resguardados, como a proteção ao meio ambiente (especialmente na região amazônica e adjacências) e a tutela do conhecimento tradicional desses povos e de suas possíveis aplicações sociais.


 


O Conselho Indigenista Missionário – CIMI – noticiou, neste evento, o lançamento do relatório “Violência Contra os povos Indígenas no Brasil – 2006/2007”, no qual apresenta dados sobre a violência praticada contra indígenas e as violações aos seus direitos fundamentais;


 


A situação atual dos índios Guarani Kaiowá pode ser reputada inconstitucional e violadora de normas internacionais garantidoras dos direitos humanos, uma vez que se encontram ainda presentes muitas das condições degradantes, perpetuando-se no tempo como um dos  casos mais graves de violação dos direitos humanos praticados no Brasil;


CONCLUEM QUE DEVEM PERSEGUIR OS SEGUINTES OBJETIVOS PERANTE OS PODERES DA REPÚBLICA:


l     exortar o Estado Brasileiro, a cumprir obrigações impostas pela Constituição Federal e pelas normas internacionais garantidoras dos direitos humanos no que respeita aos povos indígenas;


l     cumprir os objetivos de curto e médio prazos estabelecidos para os povos indígenas no Plano Nacional de Direitos Humanos;


l     buscar perante o sistema de Justiça nacional reverter o quadro de apatia  do Estado brasileiro para com todos os povos indígenas e, em especial, em relação aos índios Guarani Kaiowá;


l     acionar a jurisdição compulsória da Corte Interamericana de Direitos Humanos visando  a proteção dos direitos consagrados na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, nos casos em que as instâncias nacionais não derem exato cumprimento às disposições constitucionais e internacionais antes mencionadas  para prevenir a ocorrência de novas violações de direitos dos índios, em especial dos  Guarani Kaiowá;


l     reafirmar integralmente os termos do Compromisso de Ajustamento de Conduta tomado pelo Ministério Público Federal junto à FUNAI, em Brasília em 12 de novembro de 2007, nos autos do procedimento administrativo MPF/PRM/DRS/MS 1.21.001.000065/2007;.


l     fortalecer a Comissão Nacional de Política Indigenista , estimulando a participação e o protagonismo dos índios na definição das políticas indigenistas;


l     apoiar a criação do Conselho Nacional de Política Indigenista;


l     acompanhar os trabalhos da Comissão Especial do CDDPH criada pelas Resoluções nº 12 e 21/2005 com o objetivo de estabelecer metodologia interinstitucional de trabalho para acompanhamento e apuração de denúncias relativas à violação do Direito Humano à Alimentação Adequada – Grupo de Trabalho Indígena;


 


l     acompanhar a atuação do Comitê Gestor de Ações Indigenistas integradas para a Região da Grande Dourados, no Estado de Mato Grosso do Sul, instituído pelo Decreto de 19 de abril de 2007;


l     acompanhar os trabalhos da Comissão de Direitos Humanos na cidade de São Paulo que incluirá em sua pauta a questão Guarani Kaiowá, conforme anúncio feito pelo Ministro Presidente dessa Comissão durante este evento;


l     repudiar qualquer iniciativa de impedir ou suspender os procedimentos de demarcação das Terras Indígenas dos Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul.


 


Cumpra-se a Constituição!


São Paulo, 18 de abril de 2.008.


 

Fonte: Cimi - MS
Share this: