CPT divulga relatório de violência no campo
Relatório da CPT indica diminuição de 7% no número de conflitos registrados em 2007 em relação a 2006, mas aponta aumento na quantidade de famílias expulsas da terra e na soma de ameaçados de morte no mesmo período
Verena Glass
Brasília – Principal levantamento do país sobre a violência na zona rural, o 32º relatório anual Conflitos no Campo Brasil 2007 da Comissão Pastoral da Terra (CPT) mostrou uma pequena redução de 7% no número total de casos em território nacional (de 1.657, em 2006. para 1.538, em 2007), acompanhada de um aumento de 140% (de 1.809, em 2006, para 4.340, em 2007) na quantidade de famílias expulsas da terra.
O número de ameaçados de morte também aumentou 25% (de 207, em 2006, para 259, em 2007). “É a oligarquia fazendo justiça pelas próprias mãos”, avalia o geógrafo e professor Carlos Walter Porto Gonçalves, coordenador do Laboratório de Estudos em Movimentos Sociais e Territorialidades da Universidade Federal Fluminense (UFF) e consultor da CPT para a elaboração do relatório.
A ampliação do espaço de ocorrência dessas expulsões também preocupa o pesquisador. Enquanto em 2006, oito estados apresentavam esse tipo de problema, famílias foram expulsas da terra em 14 estados diferentes no ano passado. Em 11 deles, houve exatamente o incremento de ações de natureza privada sem intermediação do poder público e à margem da lei.
Carlos Walter chama atenção para o fato de que seis desses 14 estados – Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso – fazem parte da área de consolidação da agricultura empresarial, com perspectivas de crescimento ainda maior.
Os casos de violência contra a ocupação e posse – que inclui despejos, expulsões e destruição de bens e pistolagem, geralmente em áreas de pequenos produtores, populações tradicionais, assentamentos e acampamentos – nos estados ricos do Sudeste diminuíram um pouco: 198 casos em 2006 e 190 casos em 2007. O número de famílias atingidas, entretanto, aumentou de 17,3 mil para 19,8 mil no mesmo período (confira quadro geral com os dados comparativos desde o ano de 1998).
Nas outras regiões, o número de famílias envolvidas caiu na comparação de 2006 com 2007. No Nordeste, foi de 47 mil para 45,1 mil. No Norte, houve uma queda de 35,1 para 31,8 mil. No Centro-Oeste, passou de 25,7 mil para 11,6 mil famílias envolvidas. E no Sul, tinha 15,3 e recuou para 13,8 mil.
O registro de casos de violência contra a pessoa – assassinatos, tentativas de assassinatos e ameaças de morte – também cresceu apenas no Sudeste: 234, em 2006, e 255, em 2007. Houve 28 assassinatos em todo o país no ano passado, 11 a menos que em 2006. Os assassinatos passaram de 2 para 5 no estados do Centro-Oeste, de 6 para 9 vítimas no Nordeste e de 0 para 2 casos no Sul, incluindo a morte de Valmir Mota de Oliveira, conhecido como Keno, ocorrida durante investida de seguranças privados contra ocupação de propriedade da Syngenta, em Santa Teresa do Oeste (PR). Íris Oliveira, viúva de Keno, esteve presente no lançamento do relatório, realizado em Brasília.
Na região Norte, historicamente campeã de assassinatos de trabalhadores rurais, houve uma diminuição de ocorrências de 28 para 10 casos. Segundo a CPT, essa diminuição se deve às intensas mobilizações sociais e de grupos de direitos humanos após o assassinato da irmã Dorothy Stang, em 2005.
Em relação ao trabalho escravo, o documento indica um aumento de ocorrências no país de 262 para 265 casos no período. Nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, as ocorrências subiram de de 8 para 14 casos e de 29 para 43 casos, respectivamente. No Nordeste e no Sul, o número permaneceu estável no período, com 43 casos na primeira região e 9 casos na segunda. No Norte, as ocorrências diminuíram de 173 para 156 casos.
A contabilização dos dados sobre escravidão sinaliza ainda uma grande participação (52%) do setor da cana-de-açúcar no número total de trabalhadores libertados em 2007, como já noticiara a Repórter Brasil em janeiro. Um dos artigos que compõem o relatório Conflitos no Campo Brasil 2007 que versa justamente sobre esse tema é assinado pelo coordenador da Repórter Brasil, Leonardo Sakamoto.
Já o levantamento sobre conflitos pela água aponta um aumento de ocorrências no Sudeste (de 6 para 23 casos), no Nordeste (de 13 para 24 casos), no Norte (de 11 para 21 casos) e no Sul (de 10 para 15 casos), e uma diminuição no Centro-Oeste (de 5 para 4 casos).
As comunidades tradicionais, aponta a CPT, têm sido alvos mais comuns da violência: foram vitimadas em 58% dos casos na Amazônia, 27% dos conflitos no Nordeste e 22% no Sul. Desse total, as comunidades de remanescentes de quilombos estão envolvidas em 20,6% dos conflitos por terra. Já as famílias sem-terra envolvidas em conflitos agrários são maioria no Centro-Sul (70%) e no Nordeste (60%). Na Amazônia, as famílias sem-terra representam 22% dos envolvidas em conflitos.
Modernização da violência
De acordo com Carlos Walter Porto Gonçalves, os dados do relatório apontam ainda para uma mudança no perfil dos agentes da violência. Segundo ele, o latifúndio improdutivo do coronelismo arcaico deu lugar ao moderno agronegócio enquanto principal agente promotor dos conflitos. As regiões com mais aptas ao desenvolvimento da agropecuária de ponta, com uso de tecnologias de última geração e alta lucratividade, têm sido palco prioritário do aumento da violência, adiciona Carlos Walter.
“Observamos, mais uma vez, que a dinâmica imposta por esse modelo de desenvolvimento agrário, baseado nos latifúndios empresariais monocultores de exportação, ideologicamente chamados de agronegócio, têm a violência como componente instituinte”, conclui o geógrafo.