O “espírito Constituinte” no Acampamento Terra Livre
O “espírito Constituinte” no Acampamento Terra Livre
Iam chegando às centenas das diversas regiões do país, com o aguerrido espírito fundante, raiz profunda dessa terra, inspiração de vida e harmonia. Eram os povos indígenas que há 20 anos ocupavam com seus gritos, diversidade e beleza os espaços do Congresso Nacional. Estavam armados da determinação de conquistarem seus direitos fundamentais, especialmente à terra, recursos naturais, organização social, valores e cultura. Nunca dantes, após a invasão de mais de quinhentos anos, se vira semelhante agitação no espaço do poder. Corpos pintados, ornamentados com vistosos cocares, colares, vestimentas e munidos com suas armas tradicionais, bordunas, arcos e flechas, dançaram e cantaram nos corredores, nos plenários, nos gabinetes. O som e a beleza nativa contagiaram corações e mentes engravatadas. O resultado foi a conquista, pela primeira vez na história, de um capitulo garantindo os Direitos dos Povos Indígenas no Brasil.
Passados vinte anos e a maioria dos direitos não saíram do papel. O Brasil continua sendo o país de belas leis e péssimas práticas com relação aos povos originários. De que adiantou a lei que determinou que em cinco anos todas as terras indígenas fossem demarcadas e garantidas, dentro de um critério de justiça e direito histórico de territorialidade que garantisse a sobrevivência física e cultural, se na prática continuassem as invasões consentidas e até estimuladas pelas diversas instâncias do poder? Passados 20 anos, mais de 80% das terras indígenas continuam invadidas e grande parte delas sequer demarcadas. Centenas de lideranças foram mortos, milhares de indígenas morreram de desnutrição, fome e desassistência. Inúmeras leis tramitam no Congresso tentando dificultar ou até subtrair os direitos conquistados. No judiciário aumentam as decisões que favorecem invasores, espoliadores e inúmeros interesses anti-indígenas. E o governo se esmerando em belos discursos mas não conseguindo superar a pratica paternalista e colonial.
É nesse contexto que acontece novamente a invasão do “espírito Constituinte”, no Congresso. Acabou sendo barrado no salão negro. Mas o grito e a determinação foram além. Ecoaram novamente país e mundo afora. Os guerreiros foram devidamente desarmados na entrada do salão, mas seu gesto não conseguiu ser barrado por normas e guardas bem fardados. O recado foi dado. Se a Constituição está sendo rasgada, desrespeitada, vilipendiada em ações como o ocorrido na Raposa Serra do Sol, dentre muitas, os povos indígenas vieram ao Congresso dizer que não agüentam mais tanto desrespeito e violação de seus direitos. Querem logo um no Estatuto dos Povos Indígenas e um Conselho onde possam definir e fiscalizar as políticas que garantam os seus direitos.
Talvez apenas uma meia dúzia dos que estiveram nas mobilizações constituintes na década de oitenta, tiveram novamente a oportunidade de sentir a necessidade de sacudir o ranço anti-indigena naquela casa do povo e exigir respostas urgentes e coerentes. O momento é outro. O movimento indígena avançou. Leis internacionais consolidaram e ampliaram os horizontes. As lideranças antigas e novas estão aguerridas nas trincheiras dos seus direito. Seus aliados e apoiadores se multiplicaram país e mundo afora. É hora de avançar. O gesto decidido da marcha para o Congresso certamente se multiplicará. As promessas não ficarão nas palavras. Uma nova história, de luta e gloria, está em marcha. A sabedoria, múltipla, milenar e guerreira, guiará os passos combativos dos milhares de indígenas, aliados a milhões de lutadores que estão forjando um novo país, plural, democrático e justo.
Egon Heck
Cimi MS
Brasília, 17 de abril 2008
Dia de luta em memória dos assassinados em Eldorado de Carajás.