Guarani Retã – construindo uma nova ferramenta de luta
Quando chega mais um abril, é tempo de mobilização indígena. Ponta Porã, uma agitada cidade fronteiriça está abraçada à sua irmã gêmea, no Paraguai, Pedro Juan Caballero. Como formigas, o movimento entre a fronteira invisível é intenso. Carros, motos e muita gente zanzando de um lado para outro. Parece haver pressa. Algo diz que são tempos favoráveis para circular nesses espaços. Quiçá a cotação do dólar seja um dos indicativos.
Mas para essa simpática cidade de fronteira, que se apresenta como central ao processo de exploração da erva mate, também afluíram corações e mentes dispostas a ajudar construir mais um instrumento de luta do povo Guarani. Intelectuais renomados, exímios conhecedores da historia, cultura, vida e lutas do deste povo, reuniram-se em Ponta Porá, juntamente com uma equipe de técnicos em elaboração de mapas. Eles vieram do Paraguai, Argentina e Brasil. Foi mais uma reunião da Comissão Mapa Guarani, ou Guarani Retã, como ficou consensuado.
Foram momentos bonitos de socialização de conhecimentos, de debate a respeito de aspectos polêmicos em torno da história e realidade do Povo Guarani hoje. Todos estavam imbuído da certeza de que estariam dando o melhor de si para que essa construção coletiva desse instrumental saísse o melhor e mais rápido possível. Senhores já de cabelos brancos, mas com incrível lucidez, sabedoria e disposição, como Bartomeu Meliá, Georg Grunberg, dentre outros, abalizavam o alto nível da tarefa a que umas duas dezenas de pessoas se propunham.
Desenhou-se todo um cronograma de atividades para que até o final do ano fossem feitos os levantamentos, elaboração de textos e técnica do mapa, impressão, lançamento e distribuição entre o povo Guarani dos três países e nos respectivos paises.
Está sendo uma construção coletiva, onde o povo e comunidades Guarani serão os principais agentes e beneficiários do levantamento das informações e construção do mapa.
Guarani Retã – memória, arma e ferramenta
Os Guarani, “sociedades sem Estado” ou “sociedades a pesar do Estado”, conforme nos lembra Meliá, tem entre si uma unidade não fragmentada .
Neste século XX, quando os Estados nacionais da região, mesclando ignorância e interesses locais, cada um deles com ritmos e procedimentos de ocupação territorial diferentes, fizeram efetivas fronteiras nacionais, levantaram muros que em poucos anos tendem à fragmentação, inclusive dos Guarani de uma mesma etnia. Todos os Guarani tem na atualidade seu muro de Berlin, que os separa e divide, os fragmenta e separa, estrangeiros e estranhos para si mesmo” (Guarani Reta, para entender o Mapa Guarani – Bartomeu Meliá, fevereiro de 2008)
“O projeto do “Mapa Guarani” trata de criar um instrumento válido para apoiar aos Guarani em sua luta por um espaço de vida permanente: é incluinte, transnacional e solidário. Não representa um fim em si, senão um meio para gerar outras ações e uma campanha ampla de defesa dos direitos dos povos indígenas na região”.
Como objetivo geral, Guarani Retã, busca ser uma contribuição para a defesa dos direitos territoriais, culturais e econômicos dos Povos Guarani.
Com a elaboração de um mapa situacional do habitat Guarani, busca-se criar um instrumento preciso, confiável e atual sobre os territórios e seu meio ambiente, dos povos Guarani numa região que desde a invasão européia tem sido seu espaço de vida e que hoje abarca partes de Brasil, Argentina e Paraguai.
Por esta razão o grupo decidiu:
Elaborar um mapa-mensagem de ampla difusão que visibilize o espaço de via e a presença atual dos povos Guarani em seu habitat tri nacional e, por sua vez, documente a destruição de sua paisagem cultural e de seus recursos naturais pela expansão agressiva de mono cultivos agrícolas para a exportação (soja, pastagens, cana de açúcar) e fortalecer uma rede social transfronteira entre organizações Guarani e outras de acompanhamento e solidariedade com comunidades e povos indígenas que se encontram arrasados por uma tragédia humana de proporções extremas e que, em alguns casos, chegam ameaçar sua sobrevivência.
Quem são e onde estão os Guarani hoje
Vamos, preliminarmente, falar dos Guarani orientais, não incluindo nessa primeira abordagem os Guarani do Chaco argentino e paraguaio e nem os Guarani na Bolívia.
Os Guarani são aproximadamente cem mil pessoas distribuídas em 400 aldeias/comunidades em três paises do cone sul da América do Sul. Incluindo os habitantes da diáspora guarani no litoral do Atlântico e na Bolívia oriental, os Guarani constituem um dos povos de maior presença territorial no continente sul americano. Se subdividem em três grupos com diferenças sócio-culturais substanciais (Ñandeva, Kaiowá e Mbya). Sem dúvida formam uma unidade convergente, onde as unidades das famílias extensas se constituem em unidades autônomas, com uma intensa comunicação entre si e uma grande mobilidade, particularmente no que se refere aos Mbyá.
No Brasil existem concentrações de população Guarani urbana com características de uma anomalia social grave que se manifesta nos altos graus de violência intracomunitária e intrafamiliar, suicídios, delitos sexuais, alcoolismo, subnutrição severa de crianças e uso e tráfico de drogas. Como reação a este ambiente de insegurança e até de terror aumenta a fuga de famílias nucleares e ás vezes extensas das “reservas indígenas” para as cidades próximas como Dourados, Amambai, Iguatemi, Caarapó….onde muitos trata de dissimular sua identidade como indígenas Guarani para escapar do estigma social vinculado a essa identidade.
Na área Mbyá do sul do Paraguai e de Missiones existe, ao contrário da situação do Mato Grosso do Sul, uma extrema dispersão dos assentamentos, acompanhada por uma mobilidade dentro e entre os países.
Um quadro nos mostra a seguinte distribuição aproximativa, somando os Pai/Kaiowá, Avá/Ñahdeva e Mbyá numa projeção demográfica para o ano de 2006:
Región | Fuente | Año | Lugares | Población |
Mato Grosso do Sul (incluye 8 núcleos urbanos) | FUNASA | 2006 | 40 | 45.000 |
Paraguay | Censo Indígena | 2002 + 10% | 270 | 44.000 |
Misiones, RA | Dirección Asuntos Guaraníes | 2006 | 82 | 4.700 |
Total | 392 | 93.700 |
Egon Heck
Cimi MS
Março de 2008
Elaborado a partir do encontro e de textos de Bartomeu Meliá e Georg Grunberg