Faleceu o Pe. José Simionato, o padre Zezinho
Padre José Simionato, o Pe. Zezinho, de 83 anos, faleceu em Porto Velho, Rondônia, no dia 27 de fevereiro de 2008, na Paróquia de Nossa Senhora das Graças. No dia anterior tinha se encontrado mal e foi descansar. Porém o seu coração não resistiu e morreu durante a noite.
Missionário em Espírito Santo, Rondônia e Mato Grosso.
Termina aqui a trajetória de um dos mais veteranos militantes da luta pela terra em Rondônia. De origem italiana, ele chegou ao Brasil no ano 1955. Membro da Congregação dos Missionários Combonianos, o Pe. Zezinho fazia parte do primeiro grupo de combonianos que chegou ao Brasil, e também foi dos primeiros a se naturalizar brasileiro, nos anos 1960. Trabalhando durante décadas no estado de Espírito Santo, lá ele se dedicou principalmente ao trabalho da educação, fundando escolas e ginásios em todos os lugares onde estava. Acompanhando a vinda de migrantes que iam de pau de arara para Amazônia, o Pe. José chegou em 1977 à nova cidade de Cacoal, nascida depois da abertura da BR 364 e da criação do Território Federal do Guaporé. Entre Cacoal, Ouro Preto do Oeste, na Diocese de Ji-Paraná; na capital de Rondônia, Porto Velho e também em Mato Grosso; ele dedicou à região amazônica a maior parte dos últimos trinta anos de sua vida.
Fundador da Comissão Pastoral da Terra em Rondônia.
Atento a qualquer tipo de problemática e de sofrimento das famílias da paróquia, a irmã Augusta, companheira no trabalho nas comunidades rurais da Diocese de Ji-Paraná, testemunha como o Pe. Simoniato, escutava todo o mundo, se preocupando com todos, sem ter um não para ninguém. Eles se encontravam com outros agentes de pastoral, celebrando a eucaristia e partilhando as dificuldades que o povo enfrentava em cada lugar. Em 1979, o Pe. Zezinho estava no grupo que iniciou a Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Cacoal e na Diocese de Ji-Paraná, fundando posteriormente a CPT de Rondônia. Eles acompanhavam os colonos e migrantes que chegavam incessantes na região a procura de terra e que com freqüência sofriam abusos e violências dos grandes fazendeiros, que se apossavam impunemente do maior parte do território, muitas vezes acobertados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e pelas autoridades. “Nós acompanhávamos os colonos e os orientávamos para que fossem atendidos e respeitados pelo Incra”. Conta a Irmã Augusta. Foi assim que o Pe. José desde os primeiros anos na região, articulou também a formação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais da Cacoal é a organização de Associações e Cooperativas de pequenos agricultores.
Companheiro do Mártir Pe. Ezequiel Ramin.
O Pe. Zezinho sempre esteve dedicado à conscientização política, orientando ao compromisso político e à defesa dos direitos dos trabalhadores rurais. Tanta dedicação à causa dos pobres e dos agricultores não podia passar sem reação, e ela veio em 1985 com o martírio do seu companheiro e compatriota, o comboniano Pe. Ezequiel Ramin, de apenas 25 anos e que fazia apenas ano e meio que tinha chegado à região. “O Pe. Ezequiel logo ficou marcado pelo exemplo e testemunho do Pe. Zezinho, assumindo as lutas dos posseiros e sem terra, dos pequenos agricultores e dos índios Suruí”. Os enfrentamentos entre posseiros e jagunços a mando dos grandes grileiros para controlar grandes áreas de terra muitas vezes desencadeava a violência.
O Pe. José viveu de perto o drama do martírio do Pe. Ezequiel: “Padre José Simionato lembra-se de naquela noite ter conversado com padre Ezequiel sobre a programação do dia do Lavrador. Estava prevista a chegada entre 800 a mil trabalhadores do interior de Cacoal para uma série de conferências no salão paroquial e uma manifestação nas ruas da cidade. Na hora de deitar – relata ainda o padre José – “Ezequiel me avisou que no dia seguinte, iria com Adílio à fazenda Katuva. Eu reagi imediatamente dizendo que não era para ir e por vários motivos: porque no dia seguinte precisávamos preparar juntos o programa do Dia do Lavrador; porque era inútil aquela viagem por não termos ainda informações precisas dos posseiros, enfim, porque estávamos planejando de entrar na área juntos nos próximos oito ou dez dias. Conversamos bem uns 10 minutos e, quando me parecia que o tinha convencido a desistir, nos demos boa noite dizendo que no dia seguinte conversaríamos melhor”.[1]
Porém o Pe Ezequiel, preocupado com a sorte do povo, e mais inexperiente, acaba saindo para o fatal encontro com os jagunços que lhe tiraram a vida. Era o dia 24 de Julho de 1985. “Foi um covarde atentado contra a Pastoral da Igreja. Com esta morte os grandes fazendeiros tentaram passar a mensagem de que eram eles que mandavam no pedaço, e que não aceitavam interferências da Igreja. O Pe. Ezequiel era novo, fazia pouco mais de um ano que ele estava aqui”. Diz o Pe. Franco, também companheiro por 40 anos do Pe. Simoniato. Ele lembra que depois do martírio do pe. Ezequiel uma das frases do pe. Simoniato foi: “A luta continua”.
Iniciador das escolas Família Agrícola (EFAs) de Rondônia.
O martírio do Pe. Ezequiel marcou profundamente a Diocese de Ji-Paraná, as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e toda a igreja de Rondônia. Um dos frutos inesperados foi à amizade do Pe. Simoniato com a família italiana do Pe. Ezequiel. “Eles quiseram deixar uma obra em memória do Pe. Ezequiel”. Aproveitando sua antiga experiência educativa, o Pe. Zezinho sugeriu iniciar em Cacoal junto ao Pe. Franco a primeira Escola Família Agrícola (EFA) de Rondônia, uma escola dedicada à educação dos jovens do mundo rural. Iniciativa que depois levou para a cidade de Ouro Preto, e que posteriormente se espalhou por outras cidades da diocese e da região. A partir das primeiras, de Cacoal e Ouro Preto, as EFAs iniciadas pelo Pe. Simoniato continuam sendo um ponto de referência para a educação camponesa e inclusive dos indígenas de Rondônia.
Apoiando a vida e o trabalho dos Movimentos Sociais.
De acordo com Giuseppe Grassi, da CPT Mato Grosso, “Padre José foi uma pessoa miúda no físico, de voz fraca, grande, porém, nas intuições e na coragem de antever e tomar posições para uma Igreja comprometida para com os camponeses e índios.”. Ao longo de seu trabalho pastoral em Rondônia e Mato Grosso, sempre atuou a fim de que fosse implantada a Comissão Pastoral da Terra nas Paróquias, Dioceses e Regionais por onde passou. [2] Assim o Pe. Simoniato sempre acompanhou de perto a luta de centenas de posseiros e de sem-terras, apoiando onde estava a criação de equipes paroquiais e comunitários da Pastoral da Terra. Assim foi como também esteve sempre ao lado da luta dois novos movimentos sociais, como o MST , acolhendo encontros e marchas dos sem-terra nos locais de sua paróquia, indo celebrar nos acampamentos, e participando das assembléias, e escutando as lideranças, que muitas vezes procuravam o seu conselho.
Com mais de setenta anos, no final da década dos noventa, o Pe. Simoniato esteve morando na comunidade de Porto Velho, e por cinco anos ajudou os começos da Paróquia de Itapuá d’Oeste e região da Linha Triunfo, e acompanhava os problemas e os conflitos por terra da região vizinha a capital rondoniense. Os locais da Paróquia de Nossa Senhora do Amparo acabaram acolhendo a sede em Porto Velho do MAB, o Movimento dos Atingidos por Barragens, do MST e da Via Campesina, e lugar habitual de encontro do Fórum de Movimentos Sociais.
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Na coordenação colegiada da CPT de Rondônia.
Ficando por dois anos no seminário dos missionários combonianos em São Paulo , ele se sentia lá “como peixe fora da água”. Foi assim, que fiel ao seu compromisso missionário pelo Reino de Deus e a causa dos pobres, ele voltou para Porto Velho, “para quebrar um galho”, disse. Aqui, segurando a presença dos combonianos na Paróquia de Nossa Senhora do Amparo, ele se sentia rejuvenescido, vivendo e acompanhando de perto a luta dos movimentos sociais contra as barragens do Rio Madeira, e as preocupações de jovens e comprometidas lideranças sociais. Também foi assim que ainda nos últimos meses, o Pe. Simoniato escutou os apelos de Dom Moacyr Grecci, para assumir a vaga de Porto Velho na Coordenação Colegiada, criada num momento de grande dificuldade para a CPT de Rondônia. A morte o impediu de continuar com seu bom senso a escutar todo o mundo e orientar a todos, porém não lhe impedirá a continuar dando fruto com seu exemplo e testemunho. “Morreu o nosso comandante”, disse uma liderança dos movimentos sociais, testemunhando o sentimento dos militantes dos movimentos, congregados com todos os paroquianos, missionários combonianos, religiosos e leigos, membros da CPT e toda a Igreja de Rondônia na missa do funeral. Ele foi testemunho de Cristo para o mundo de hoje. Porto Velho, 28 de Fevereiro de 2008.
Pe. Josep Iborra, (zezinho também, perdi o meu xará!)
Da Coordenação Colegiada da CPT Rondônia.