11/12/2007

Rio: Quanto valem os Direitos Humanos?

Acabo de chegar do mar. Fui a ele perguntar quanto valem os humanos direitos neste lugar. No murmurar revolto das ondas, só consegui decifrar alguns indignados ais. Pergunte às ruas onde dormem centenas de gentes! Pergunte ao Cristo incansável de braços abertos e olhar distante! Pergunte aos morros de casas pendurados, pedindo socorro, pois recebem a visita constante da morte, das balas certeiras, guardados atrás das grades e do medo. Não mais me pergunte, responda você…


 


Fui ao Circo Voador. Ali havia um encontro marcado com a vida. Um debate sobre os Direitos Humanos, no seu dia (como diz o poeta da esquina, quem precisa de um dia é porque nos demais não mais é lembrado!). Ali não estava uma multidão, de bandeira em riste, clamando pelos direitos. Um discreto grupo de militância plural. Meninos e meninas de rua, artistas, ambientalistas, índios, negros, padres, pastores, prostitutas, sem terra, sem pátria, sem paz, mas não sem esperança e indignação! Gente se mobilizando por um outro mundo possível, debatendo caminhos, juntando propostas, trocando experiências, acreditando de forma criativa, com sensibilidade e radicalidade, com paixão e luta.


 


Rio das contradições. De multidões se mobilizando pelo som de um conjunto inglês (que acabara de levar 74 mil pessoas ao Maracanã – The Police), de um time do coração (o Flamengo que levou mais de 80 mil torcedores a este mesmo estádio no final do Campeonato Brasileiro) explodindo de emoção. Por outro lado as pequenas aglomerações de lutadores pelo meio ambiente, direitos humanos, contra a violência, pela vida. O Rio que desce dos morros e vai esbarrar na praia cheia de turistas estrangeiros, que é rechaçado a bala pelas tropas de elite, que é convidado a descer ao som do samba para a avenida bem comportada e enquadrada no sambódromo. Enfim, o Rio que não deixa de ser lindo e vibrante, mesmo quando maltratado e explorado.


 


Índios, negros e sem terra


Teodora, Kaiowá Guarani de Dourados, Mato Grosso do Sul, trouxe o clamor e a raiz profunda dos povos primeiros desta terra. Ela lembrou de seu povo profundamente agredido e massacrado, mas também sabiamente resistente. Após ler parte da Carta da Terra, escrita e assumida no Rio de Janeiro em 1992, fez em tom grave a denúncia das violências e mortes a que estão submetidos os povos indígenas. “Gostaria de dizer aqui, basta de assassinarem nossas lideranças que estão lutando pela terra, basta de matarem nosso povo que volta ao seu pedaço de chão, garantido por lei, mas negado na nossa realidade”.


 


Também esteve presente um indígena Karajá, já um tanto integrado nas artimanhas da sobrevivência no Rio, buscando seu espaço de vida na arte e grafismo indígena. Porém, faltou realmente ser mais contemplada a realidade indígena, nos debates e apresentações. A questão do negro foi ressaltada por Milton Gonçalves, que foi enfático ao lembrar que os negros são maioria nesse país, e nenhuma transformação mais séria acontecerá no país se não contar com a efetiva participação da população negra.


 


A líder do MST fez uma leitura do que vem estampado na grande mídia nos últimos dias, concluindo que por aí se pode ver que os Direitos Humanos estão valendo muito pouco. Após lembrar a história do nosso país, marcada pelo racismo, extermínio e dominação de uma elite que acumulou as terras e o poder em suas mãos e hoje faz da propriedade privada sua vaca sagrada, de valor absoluto. Diante dessa realidade, Fernanda conclui dizendo que não é possível hoje discutir os Direitos Humanos sem discutir o modelo de sociedade que queremos.


 


Nas águas revoltas do Velho Chico e do Rio


Enquanto eram colocadas as duras realidades do nosso país, onde o neoliberalismo galopante e global traz enxurradas de lama, dor, escravidão, fome e morte, no telão eram mostradas imagens singelas de Letícia Sabatella com Dom Cappio, exaurido pela radicalidade do jejum, mas com confiança transparente. Era o encontro do São Francisco de água e afeto, com o Rio agredido, mas mobilizado pela vida.


 


Pe. Ricardo Rezende lembrou do aumento do trabalho escravo em nosso país. É o sintoma do aguçamento da exploração no campo e na cidade. É o neocolonialismo com sua face perversamente moderna. É a fera ferida que procura dar mordidas mais fortes. É a sorte de milhões de brasileiros jogados na vala comum abaixo da linha da fome.


 


A juíza Salete, no final do debate, fez questão de chamar atenção para o foco não apenas sobre os direitos humanos, mas do próprio Fórum Social Mundial, em sua busca de construir um outro mundo possível. “Não podemos esquecer que a proposta no nascedouro do Fórum foi de unir a diversidade das lutas e lutadores do Planeta para o embate com o sistema neoliberal. Esse foco central deve estar presente nas diversas formas em que hoje se desdobra essa insurgência mundial contra a ordem e dominação do capital, no atual sistema hegemônico globalizado, o neoliberalismo.”


 


Egon Heck


Rio de Janeiro, 11 de dezembro de 2007


 


 

Fonte: Cimi
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