Os Guarani denunciam que são vítimas de atentados com “apoio” de autoridades
Lideranças guarani-kaiowá que reivindicam como área indígena a posse da fazenda Madama, em Coronel Sapucaia, região de fronteira com o Paraguai, estiveram nesta segunda-feira (26) na sede da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil de Mato Grosso do Sul. Recebidos pela presidente em exercício da OAB/MS, Kátia Cardoso, eles denunciaram que não têm qualquer respaldo das autoridades da região diante do conflito com fazendeiros que, desde janeiro, já resultou em duas mortes de lideranças indígenas e dois outros atentados. No mais recente, quatro índios foram baleados no dia 17 deste mês. Os índios reclamam, inclusive, de suposta parcialidade das autoridades em favor dos fazendeiros já que, embora nada tenha sido apurado em relação aos assassinatos, cinco indígenas foram condenados, em tempo recorde, acusados de formar quadrilha para furtar um trator, a penas, exageradas para este tipo de crime, que chegam a 27 anos de prisão.
A comissão que esteve na sede da OAB/MS foi liderada pelo guarani-kaiowá Elizeu Lopes e integrada por Marluce Lopes (viúva do líder Ortiz Lopes, assassinado em julho deste ano), Janete Ferreira Alegre e Noé Lopes, este, um dos quatro indígenas baleados em ataque durante desocupação da fazenda no dia 17 deste mês. A reunião contou com os advogados José Ferraz e Carine Beatriz Giaretta, da Comissão Especial de Assuntos Indígenas, criada neste ano pela Ordem por sugestão de Ortiz Lopes, que visitou a instituição, no fim do primeiro semestre, para denunciar que estava sendo ameaçado, poucos dias antes de sua morte. Acompanharam os indígenas na visita à OAB, o presidente do Centro de Defesa dos Direitos Humanos – CDDH Marçal de Souza, Paulo Ângelo de Souza; o advogado Rogério Batalha Rocha, assessor jurídico do Cimi (Conselho Indigenista Missionário); e Joana Silva, das secretarias de Políticas Sociais da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Federação dos Trabalhadores na Educação de MS (Fetems).
Só “disparo” – Para mostrar que os ataques aos guarani-kaiowás estão ocorrendo com conivência das autoridades, o líder Elizeu Lopes mostrou à presidente em exercício da OAB/MS cópia do Boletim de Ocorrência do dia 17 deste mês quando quatro índios foram baleados durante desocupação da área. A Polícia Militar de Coronel Sapucaia registrou a ocorrência como um simples caso de “disparo de arma de fogo”. O líder indígena afirmou que as vítimas não foram ao menos ouvidas pelas autoridades locais. “Eles só foram ouvidos na última sexta-feira (23), pela Polícia Federal”, afirmou. Elizeu Lopes diz que os índios estão sozinhos: “Até a imprensa tem divulgado apenas a versão apresentada pelos fazendeiros, que nos colocam como culpados dos atentados contra nós mesmos”, lamentou.
Kátia Cardoso informou que a OAB/MS vai apurar o caso. “Vamos procurar saber o que de fato está ocorrendo e se está havendo mesmo negligência das autoridades”, disse. “Este ataque que resultou em quatro pessoas baleadas foi um atentado e não poderia ser considerado como um simples disparo de arma de fogo”, acrescentou a presidente em exercício da Ordem, que, inclusive, é advogada criminalista. “A versão dos índios e o registro policial dessa ocorrência faz crer que há uma absoluta contrariedade em relação das notícias divulgadas até agora sobre o atentado do dia 17 deste mês”, afirmou.
A presidente adiantou ainda que a Ordem vai levantar junto à Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública e ao Ministério Público o que foi feito até agora em relação a apuração dos assassinatos dos indígenas e, junto ao Tribunal de Justiça, detalhes sobre a condenação dos indígenas acusados de furto de um trator. Inclusive, porque, embora envolva disputa de terras indígenas e devesse ser da alçada da Justiça Federal, o caso foi tratado como crime comum na Justiça estadual.
O atentado – Conforme Elizeu Ortiz, depois de um acordo para desocupar a área da fazenda, o proprietário da área ofereceu um caminhão para o transporte dos índios. “No caminho, pistoleiros, em uma caminhonete S-10 que acompanhava a retirada, chegaram a atirar nos pneus do caminhão para nos assustar”, afirmou. O pior aconteceu quando os índios chegavam a Aldeia Taquapery. “Os ocupantes da caminhonete começaram a atirar, sem motivo, baleando quatro pessoas, todas lideranças que sempre me acompanham, ou seja, os alvos não foram escolhidos por acaso”, afirmou. A versão divulgada pela Polícia Militar à imprensa foi que os tiros teriam ocorrido porque índios haviam feito o caminhoneiro como refém.
Foram baleados Angélica Barrios, de 22 anos, Asturio Benites, de 22 anos, Gilmar Batista, de 32 anos, e Neo Lopes, de 35 anos, que esteve com a comissão que visitou hoje a sede da OAB/MS e ainda tem uma bala alojada no corpo. Angélica, conforme os indígenas, é o caso mais grave e pode ficar paralítica em decorrência do atentado.
A disputa – O conflito começou em janeiro deste ano depois que 37 famílias guarani-kaiowá acamparam às margens da estrada que liga Amambai e Coronel Sapucaia para reivindicar a posse da Fazenda Madama, em Coronel Sapucaia, que dizem ser terra indígena e chamam de Curussu Ambá. A área, conforme o assessor jurídico do Cimi, Rogério Rocha, teria sido invadida por fazendeiros que expulsaram a comunidade indígena do local em 1976.
No dia 8 de julho o caso ganhou repercussão internacional com o assassinato do líder indígena Ortiz Lopes, de 46 anos. No dia 17 daquele mês, uma comissão designada pelo presidente da OAB/MS, Fábio Trad, coordenada pelo presidente da Comissão de Assuntos Indígenas, Marcus Antônio Ruiz (advogado indigenista conhecido como Karaí Mbaretê), esteve na região para acompanhar as investigações sobre o episódio.
Em seu relatório, Karaí Mbaretê informou que a comissão constatou um verdadeiro desinteresse da população da região de Coronel Sapucaia e de Amambaí em relação às causas indígenas e que isso já indicava que poderia dificultar a apuração. “Os índios são considerados como inimigos pela população em geral, inclusive por algumas autoridades. Infelizmente, parece que no nosso estado, que detém a segunda maior população indígena do país, ainda prevalece aquela triste teoria do faroeste americano de que índio bom é índio morto”, afirmou Marcus Ruiz.