Brasil – Cana e miséria
Jorge Vieira *
A cerca de duas horas de Maceió, seguindo a rodovia litorânea, encontra-se a divisa dos estados de Alagoas e Pernambuco, separados pelos municípios de Maragogi e São José da Coroa Grande, do outro lado. Para o turista, preocupado somente em curtir e aproveitar as belezas naturais, não tem cenário mais convidativo e deslumbrante: coqueirais ondulantes pela forças do frescor dos ventos, águas azuis e verdes que somente encontra-se nessa região e praias belíssimas convidativas para o banho.
A 40 km de rodovia seguindo em direção à região norte, encontram-se entrecortados por mangues, coqueirais e rios, mansões, condomínios, pousadas e hotéis luxuosos. Ao longo de suas margens se encontram placas anunciando venda de terrenos, casas e condomínios.
Logo após a entrada da cidade de Barra de Santo Antônio, o cenário da natureza começa mudar. De um lado e outro, a cana de açúcar toma conta das terras, serras e morros. Olhando rapidamente para os lados, pode-se perceber que até rios foram desviados e, hoje, encontram-se degradados e o leito plantado de cana. Como esse período é tempo de colheita, ônibus estacionados, máquinas trabalhando e uma multidão de pessoas, pintadas de preto pela cinza das queimadas, cortando a cana.
Os aglomerados urbanos que se encontram ao lado da pista, parecem mais favelões do que propriamente uma cidade. Em suas entradas, instalados buracos e monumentos que, diga-se de passagem, de uma falta de criatividade arquitetônica fenomenal. O pior está dentro dos núcleos urbanos: lixo por todos, esgotos a céu aberto desaguando nas praias.
As moradias já demonstram o contraste de seus moradores. Sem muito esforço, visualmente percebe-se a maioria das casas construídas é de estilo simples, tamanho bem pequeno e demonstrando mínimas condições de conservação. Outras, em número significativamente menor, localizadas em destaque nos pontos mais altos da região e na margem das praias, aparecem mansões e casas de veraneio.
Essa imagem aparece aos olhos do visitante extremamente monótona, visto que a devastação das belezas naturais é igual, a produção agrícola e os principais atores são os mesmos. Isto com algumas exceções, principalmente em finais de semana, quando aparecem os famosos turistas para despejam toneladas de lixos e poluição sonora e os agentes públicos que desfilam em trajes de banho em busca de afago de potenciais eleitores.
Neste contexto, cabe questionar onde estão os impostos municipais, as verbas estaduais e federais e mais, a riqueza produzida pela cana de açúcar? Essas são reflexões para os próximos artigos.
O verde que produz a miséria
A discussão sobre a cana-de-açúcar e derivados ocupou os noticiários dos grandes meios de comunicação, tanto em nível nacional quanto internacional, debate fortalecido pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. O chefe da nação tornou-se o garoto propaganda da causa dos usineiros, principalmente na defesa do “biocombustível”, a exemplo do etanol, justificando o desenvolvimento econômico e a criação de mais emprego para a região.
Em Alagoas, historicamente, a implantação do setor açucareiro data dos primeiros momentos da chegada dos colonizadores, com a extração da madeira e formação dos primeiros engenhos de cana-de-açúcar. São 500 anos de desenvolvimento e exploração dessa economia. Praticamente, toda a faixa litorânea e parte do Agreste, da periferia de Maceió até a divisa com os estados de Sergipe e Pernambuco, o verde da monocultura canavieira tomou conta.
Indubitavelmente, os engenhos e as usinas produziram riqueza e, nos dias atuais, grandes avanços tecnológicos. Neste sentido, pode dizer que em Alagoas encontra-se um dos maiores campos de desenvolvimento tecnológico e científico. Entretanto, é uma riqueza que não tem servido à sua população. Pelo contrário, desde o primeiro momento que aqui chegou, toda a produção foi direcionada para a exportação alimentando a metrópole e o mercado internacional.
Mais do que isso, os povos indígenas que aqui se encontravam foram praticamente exterminadas. Exemplo disso é o Caeté, de grande população, encontra-se hoje reduzido a nome de rua, pousada e usina. As matas foram destruídas, os rios secaram ou estão poluídos. As cidades que se formação ao redor do verde dos canaviais viraram aglomerados de famintos e desnutridos; seus filhos desprovidos de assistência à saúde, educação e moradia e obrigados, desde criança, como única alternativa, a tornarem-se mão-de-obra barata perpetuando a exploração de milhares de pessoas advindas das regiões secas.
O verde que simboliza a Esperança em muitas culturas, no estado de Alagoas, transformou-se em bando de miseráveis abandonados pelas políticas públicas, cidades viraram favelões, o ser humano virou instrumento de exploração e enriquecimento de uma classe abastada que tem o monopólio da terra e dos produzidos. Classe essa que mora em condomínios fechados de luxo ou no exterior, como em países europeus e nos Estados Unidos.
A quem serve o turismo
No meio da riqueza e da tecnologia concentradas nas mãos de alguns poucos donos de usinas e fazendas, encontra-se vasta região de desmatamento, poluição de rios e lixo espalhado pelos quatros recantos das cidades e praias. Dentre os espaços urbanos, instalou-se a favelização e miséria em todos os níveis, da maioria absoluta da população.
Nesse cenário, emerge a beleza da natureza, com praias e coqueirais que ainda resistem aos violentos ataques do instinto capitalista de nativos e de estrangeiros. Em nome do desenvolvimento econômico da região, o que resta da beleza natural é vendido nos cartões postais, em encontros internacionais de rotas turísticas, revistas, jornais e sites. O discurso oficial e de maioria dos agentes encarregados da comunicação, em especial a grande mídia, é a promessa de geração de emprego e renda para a população local, bem como de benfeitorias, quais sejam o saneamento básico, escolas e assistência à saúde.
O que mais intriga aos olhos de quem tem uma percepção menos alienada é que, infelizmente, os recursos públicos, tão reivindicados pelos dirigentes municipais, estaduais e federais, não são investidos na melhoria das condições de vida de seus moradores, mas desviados para os cofres pessoais e de grupos que se alimentam dos bolsões de miseráveis.
Para cá desembarcam, principalmente em períodos considerados de alta- temporada, em aviões, ônibus e em carros próprios, milhares de turistas vindos de todas as partes do mundo para passar férias, deliciar-se da beleza das águas e do calor da região. Dente esses, encantados com a paisagem e oportunidades econômicas, alguns acabam fixando moradia ou investindo em empreendimentos imobiliários, hotelarias e no comércio.
Para a acomodação popular, promessas são alardeadas, como projetos de instalação de aeroporto, grandes complexos de hotelaria e duplicação da rodovia. O que o povo não se dá conta é que os projetos, mesmo sendo viabilizados, não são pensados em função da população local, mas são todos direcionados para os visitantes.
Mesmo assim, ao longo de décadas, o discurso de melhoramento da região se perde no vazio. A promessa cai no esquecimento, até a aproximação do próximo período eleitoral.
O que resta para a população, no aspecto humano, é a frustração e desolação, além do turismo sexual praticado com suas meninas e o trabalho infantil. E, do ponto de vista social, amontoados de lixo espalhados por ruas, praias e córregos, berço de ratos e urubus, geradores de doenças. Economicamente, sobram migalhas que caem da mesa farta dos barões do açúcar e do turismo.
Diante de todo esse quadro, para acomodação e perpetuação do poder político, infelizmente, não se percebe indignação da população local quanto à sua situação de excluídos e explorados.
* Missionário do Cimi-NE e jornalista