Campo de Concentração no Mato Grosso do Sul?
“Dois fuzis calibre 7,62mm – um deles com o brasão do Exército Brasileiro – estão entre as armas apreendidas pela Polícia Federal na manhã desta quinta feira em Antonio João, a 300 km de Campo Grande, na fronteira com o Paraguai…”
(Campo Grande News, 8/11/07)
“A comunidade indígena vem através deste colocar em poucas palavras o massacre e opressão que estamos passando e enfrentando com fazendeiros depois que fomos despejados de nossa terra após a homologação…
Hoje nos encontramos a mercê da morte como animais no abatedouro
esperando a morte…”
(CDDI Teko Porã de Ñanderu Marangatu, 6/11/07)
Não estamos nos referindo a uma realidade de guerra de meados do século passado na Europa. Estamos falando de uma comunidade indígena Kaiowá Guarani da fronteira do Brasil com o Paraguai. São algumas centenas de pessoas submetidas ao calvário da violência diária.
Desde o assassinato de Marçal até o de Dorvalino passaram-se mais de duas décadas de luta incansável desse povo pela terra e pela paz com dignidade. Tem sido memorável a persistência e paciência dessa gente, mesmo nos momentos mais difíceis e brutais como a expulsão em 15 de dezembro de 2005 e a permanência à beira da estrada. Como se tudo isso não bastasse, nos últimos tempos eles tem sido submetidos a uma sistemática violência e perseguição.
Estes fatos ecoaram como um grito de socorro ao mundo, na Aty Guasu da fronteira realizada recentemente na aldeia de Sombrerito. Essa violência e massacre foram denunciados insistentemente ao Ministério Publico e outras instâncias nacionais e internacionais nos últimos dias.
Em menos de um mês foram pelo menos três documentos enviados, relatando esse insuportável clima de guerra, com espancamentos, estupros, tiros… “Hoje estamos acuados e ameaçados freqüentemente de morte pelos seguranças dos fazendeiros da região que são mais de 30 homens. Homens estes que andam fortemente armados como policiais, rodeando nosso acampamento dia e noite nos impedindo de ir e vir em qualquer lugar. Inclusive duas melhores senhoras de idade de nosso grupo foram estupradas e seus marido brutalmente agredidos com bastante violência e vário indígenas que foram agredidos por estes homens de má coração” (CDDI Teko Porá, 30/10/07).
A comunidade no referido documento dirigido às diversas instância da polícia, ao Ministério Público, à Funai, ao Cimi e com apelo à ONU e outros organismos nacionais e internacionais alertam que “ queremos dizer que se algo não for feito pelas autoridades competentes responsáveis como a Funai e MPF poderá haver uma grande chacina com os índios…”
Em documento encaminhado ao Ministro Cesar Peluso, do Supremo Tribunal de Justiça, falam que a situação está pior a cada dia, pois os pistoleiros “vem acuando todos os indígenas num pequeno chiqueiro proibindo de ir e vir nas pescarias e caças…Queremos aqui contar tambem que somos freqüentemente espancados, e nossas mulheres estupradas e violentadas pelos seguranças dos fazendeiros e no meio disso tudo a pior coisa é ser acusado ou preso sem justa causa, pelas pessoas que se dizem segurança do cidadão…” e terminam o documento solicitando uma audiência ao Ministro “para que possamos contar isso face a face e assim solicitar para que a votação seja feita mis rápido possível antes que aconteça um massacre” (CDDI-6/11/07)
Solução Urgente
A operação da Polícia Federal, por determinação da juíza Lisa Taubenblatt, da Justiça Federal de Ponta Porá, é sem duvida uma medida fundamental para começar a restabelecer as condições de sobrevivência dos índios, nesta situação insustentável. Os índios em vários momentos falaram que os seguranças “estavam fortemente armados, com armas pesadas”. A operação da Polícia Federal confirmou isso com a apreensão de armas de uso privativo das Forças Armadas, de propriedade do Exercito brasileiro.
Porém outras medidas serão necessárias para que os índios possam sair desse “chiqueiro”, transofrmado numa espécie de campo de concentração, e possam viver em paz em sua terra já demarcada e homologada pelo presidente Lula e suspensa liminarmente por decisão do então Ministro do STF Nelson Jobim. Urge o julgamento dessa ação, para a qual havia um indicativo de julgamento já em fevereiro de 2006, pois a situação de vida da comunidade à beira da estrada era desumana, injusta e insuportável. Porém até hoje essa ação aguarda por julgamento.
Para que não continuemos sendo surpreendidos e com notícias de brutalidade e toda espécie de violências contra essa comunidade Kaiowá Guarani serão necessárias várias ações dos órgãos públicos, e o julgamento da ação que paralisou a conclusão do processo de regularização desta terra indígena.
Documento entregue a Lula
Um dia antes da operação da Polícia Federal nas fazendas que continuam ocupadas dentro da Terra Indígena Ñanderu Marangatu, foi entregue uma carta ao Presidente Lula são relatadas as situações extremamente graves pelas quais estão passando os Kaiowá Guarani, pedindo urgentes providências, especialmente com a demarcação e garantia das terras. No documento destaca o dramático índice de violência a que estão submetidas as comunidades deste povo. Dos 58 assassinatos de indígenas até outubro deste ano, 35 foram de Kaiowá Guarani. Além disso foram registrados 20 suicídios e 8 mortes de crianças por desnutrição nesse mesmo período.
Toda essa realidade, certamente terá sensibilizado o presidente para essa grave realidade e urgido o início de providencias inadiáveis.
Egon Heck
Cimi MS, 9 de novembro de 2007