25/10/2007

Carta de repúdio à portaria que dispões sobre as responsabilidades no atendimento à saúde indígena

Ao tomarmos conhecimento do teor da portaria nº 2.656 de 17 de outubro de 2007, que dispõe sobre as responsabilidades na prestação da atenção a saúde dos povos indígenas, externamos a nossa preocupação com as mudanças que irão ocorrer.


 


Todos os povos indígenas do Brasil sabem que saúde indígena nunca funcionou da forma que deveria, e quando a FUNASA assumiu a responsabilidade sobre essa prestação de serviço, o montante de recursos que o governo federal repassa nunca foi suficiente para atender nossas necessidades, no entanto sempre buscou nos atender da melhor maneira possível. Com os recursos sendo repassados para a prefeitura, o atendimento só tende a piorar, pois haverá diminuição dos valores e conseqüentemente a qualidade do serviço prestado irá cair. Será que o governo federal quer acabar com a população indígena?


 


Será que antes de ser tomada tal atitude, foi feita uma pesquisa junto as prefeituras do Brasil, verificando o potencial das mesmas se têm ou não condições de receber tal demanda? E a pergunta mais importante: será que as prefeituras querem tal responsabilidade? A impressão que o governo nos dá é que simplesmente as prefeituras não têm escolha, e aí surge o velho chavão “se virem!”


 


Dentro da população indígena da Amazônia Legal, temos casos de índios isolados, índios que não falam a língua portuguesa, índios que nunca saíram de aldeias. Com a municipalização, quem irá atende-los? Como será este serviço, visto que as prefeituras não conseguem atender dignamente a população urbana e rural de seus municípios? Será que a tão sonhada saúde diferenciada nos colocará a mercê do atendimento nos postos de saúde, tendo que chegar de madrugada para poder agendar uma consulta, ou esperar vários dias para marcar um exame? Sem contar que não sabemos como seremos transportado para a cidade, já que na grande maioria das aldeias, não temos meio de transporte. E se conseguirmos chegar a cidade em busca de atendimento, aonde iremos nos alimentar? Aonde iremos dormir, até que voltemos a aldeia?


 


Os profissionais de saúde que atendem a população indígena devem ter uma capacitação específica, pois nossa cultura é diferente, o tempo do índio não corresponde ao tempo do branco. Temos dificuldades com a língua portuguesa, temos uma alimentação singular, nossos costumes, nossas dietas, tudo é muito diferente dos não-índios.


 


Essa luta por um atendimento diferenciado já dura mais de 500 anos, o remanescente da nossa população continua lutando para mostrar à sociedade dominante que estamos vivos, que continuamos resistindo, que estamos crescendo e querendo para os nossos filhos uma vida com qualidade. Apesar de que os indígenas Paiter Suruí, Zoró, Cinta Larga e outros, não possuem nem 50 anos de contato.


 


Atualmente o preconceito que nós indígenas vivemos é o de que já somos “civilizados”, que já estamos plenamente inteirados na sociedade envolvente, mas somente nós indígenas que convivemos nas nossas aldeias, conhecemos a realidade dos nossos velhos, mulheres e crianças que ainda não dominam a Língua Portuguesa, necessitando dos agentes de saúde indígena para falarem o que sentem aos profissionais da saúde. Não é permitida a permanência de acompanhantes dentro dos hospitais, não há espaço para que um índio mais estudado acompanhe um doente mais velho, ou de uma mulher que não fala a língua portuguesa, no período de sua internação.


 


Um dos princípios do SUS a Eqüidade: É um princípio de justiça social porque busca diminuir desigualdades. Isto significa tratar desigualmente os desiguais, investindo mais onde a carência é maior. A rede de assistência à saúde dos municípios da Amazônia não está preparada para receber o indígena respeitando suas diferenças culturais, lingüística, sociais, sendo que esta mediação é realizada pela FUNASA através dos DSEI´s.


 


Outro ponto que nos preocupa é o valor desse recurso. Será que vai ser suficiente para pagar nossos profissionais de saúde indígena, nossos agentes de saúde, nossos agentes de saneamento? Ou eles aumentarão o número de desempregados do Brasil? E como será a manutenção da CASAI, que para muitos é apenas uma casa de trânsito, talvez até para o governo que está tão longe da nossa realidade. A CASAI é o local onde muitos dos nossos indígenas tomam medicamentos de forma adequada, onde se restabelecem de cirurgias e aguardam a hora do parto.


 


Sabemos dos graves problemas de saúde que assolam as populações indígenas, como a hepatite na região do Vale do Javari e em Guajará Mirim. Atualmente o povo Suruí está enfrentando muitos casos de tuberculose, com dados alarmantes de uma pesquisa feita pela Fiocruz. Os casos de hepatite também preocupam a população Suruí e Cinta-Larga. Como se resolverão estes problemas, como serão absorvidos pelas prefeituras, com um valor tão baixo de recursos? Como a prefeitura irá pagar as equipes de saúde, os enfermeiros, como irá manter as equipes trabalhando dentro das aldeias?


 


O Fórum Paiter Suruí, como referência de organização indígena na região norte, pois a mesma faz uma articulação com os povos indígenas de Rondônia, noroeste do Mato Grosso e sul do Amazonas, tem sido procurado por nossos parentes de Rondônia e Mato Grosso e Amazonas, todos preocupados com a publicação desta portaria. Índios de Juína, Comodoro, Vilhena, Ji-Paraná, enfim, todos muito preocupados com essa situação.


 


Queremos aqui manifestar nosso repúdio com relação a este ato de irresponsabilidade do Ministério da Saúde para com as populações indígenas, e pedir o apoio de todas as instituições e pessoas que se sentirem solidárias a essa manifestação contra essa atitude do governo, que desconsidera a Lei 8.080 de 19 de setembro de 1990, no artigo 8°, que dispõe sobre a organização das ações e serviços de saúde de forma regionalizada e hierarquizada. Também queremos o apoio da COIAB, como organização representativa dos povos indígenas da Amazônia brasileira, para mobilizar o movimento indígena no intuito de derrubar  portaria n° 2.656, que bem algum trará para a saúde indígena no Brasil.


 


Devemos lembrar ainda o Decreto 3.156 de 27 de agosto de 1999, Parágrafo Único do Artigo II, diz que a organização das atividades de atenção à Saúde das populações indígenas dar-se-á no âmbito do Sistema Único de Saúde e efetivar-se-á, progressivamente, por intermédio dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas – DESI`s, ficando assegurado o serviços de atendimento básico no âmbito das terras indígenas.


Temos certeza que, juntos, fortalecidos, sairemos vitoriosos em mais este desafio.


 


Saudações indígenas,


 


 


 


 


Povo indígena Paiter Suruí

Fonte: Cimi
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