26/09/2007

Lançamento da Campanha Guarani: Um grande povo em movimento


Foram chegando de vários paises da América do Sul, da Abya Yala, anterior à invasão européia. Vieram de vários estados brasileiros, do extremo sul ao Mato Grosso do Sul. Vieram do futuro, da terra sem males, do presente sofrido, da terra roubada e da história milenar. Vieram com seus mbaracas, takuaras, cruzes e vestimentas. O Guarani foi a língua oficial. O português ou espanhol apenas foram usados para dar algum recado aos não índios.


Enquanto isso, no extremo norte do país, Lula vai a São Gabriel da Cachoeira para lançar o PAC Indígena, prometendo demarcar 127 terras indígenas até o final de seu mandato. E o juiz de Ponta Porã acabara de condenar a 17 anos de prisão 4 lideranças Kaiowá Guarani de Kurusu Ambá, no Mato Grosso do Sul, por terem retornado à sua terra tradicional.


 


Chegando das trilhas do sofrimento, da luta e da esperança


 


Chegando das batalhas pela vida e dignidade. Da Bolívia indígena de Evo, do território Guarani, donde sai diariamente grande quantidade de gás para o Brasil.


 


Da Argentina, onde as florestas onde vivem estão sendo cada vez mais agredidas e devastadas. Chegam do Paraguai, espaço central do território Guarani, hoje agredido pela expansão do agronegócio, especialmente da soja, com sistemática invasão e destruição da mata e recursos naturais do povo Guarani. Expulsos pela Itaipu e tantas outras grandes projetos de expansão do modelo neoliberal.


 


Vêm do Sul, onde suas terras foram totalmente tomadas, palco de heróicas lutas de resistência desde Sepé Tiaraju. Ali onde hoje é palco de reencontro e reconstrução da união e solidariedade do Povo Guarani.


 


Das quase 30 aldeias e terras Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul foram chegando por entre as nuvens de fumaça e muito calor. Trouxeram na bagagem a firme vontade de lutar pela imediata identificação de pelos menos 30 tekoha, terras tradicionais, que juntamente com o Ministério Publico e aliados estão sendo cobrados do governo federal, através do envio de Grupos de Trabalho para identificação dessas terras.


 


Os Guarani do Sul e Litoral vieram de Brasília onde discutiram, juntamente com a Funai a estratégia e planos para avançar no reconhecimento da territorialidade Guarani, e a efetiva garantia dessas terras para esse povo.


 


Foi chegando o Povo Guarani, um povo de heróico passado e presente, de uma cultura milenar das mais ricas do continente, de uma religiosidade que brota da integralidade da vida do cosmos, dos espíritos e deuses que o sustentam.


 


Foi chegando o povo, e a região de Tey’Kue foi se tornando cada vez mais Guarani.


Um grande momento de encontro, um forte espaço de partilha e articulação das lutas pelo direitos desse povo nos diversos países, mas principalmente o sagrado direito de viverem em paz em seus tekoha, o seu jeito de viver (teko) em paz e harmonia entre si, com a natureza e toda a vida  contida no universo.


 


Eles não vem em vão. Será selada uma grande aliança, um longo caminho está sendo construído. Os Guarani se põem em movimento, em luta pela vida e pelo futuro.


 


Foram chegando dezenas de lideranças políticas, religiosas, professores, agentes de saúde e representantes das diversas organizações do Povo Guarani, vindos da Argentina, Bolívia e Paraguai vieram até a Aldeia de Tey’Kue, município de Caarapó-MS, para partilhar lutas e esperanças, mas principalmente para definir estratégias e assumir compromissos que levem à conquista dos direitos nos diversos paises, onde vive em torno de meio milhão de pessoas desse povo.


 


O dia já vem raiando


 Primavera às partas, calor e secura desértica. A aldeia Kaiowá Guarani de Tey’Kue (Caarapó) estava ansiosa para receber tão ilustres parentes de vários países e aliados de inúmeros lugares. Era o grande momento do lançamento da Campanha, movimento Vida, Terra e Futuro Guarani.


 


Era o coroamento de anos de esforço, mobilização e articulação do povo Guarani e seus aliados, buscando construir coletivamente esse espaço de luta e somatório de esforços para união, conquista e garantia dos direitos da grande nação Guarani.  A comunidade de Tey’Kue, em especial através de seus professores, assumiu a preparação desse importante evento, apoiado em especial pela equipe do Cimi Dourados.


 


A alegria costumeira ia se tornando ainda mais intensa. Afinal de contas receber os parentes e amigos é sempre um motivo de felicidade, pois é encontro, é partilha, é festa. É momento de celebrar, de unir-se aos que já partiram, aos que continuam na luta e aos espíritos guerreiros que não abandonam seu povo. É tempo de dançar, celebrar, refletir e lutar. Tempo de reforçar a esperança, de construir alianças, de fazer o sonho avançar, para mais parto da terra sem males. É povo Guarani em movimento.


 


A bicicleta que virou símbolo, virou terra, virou união, virou luta.


 Uma das dinâmicas que marcou o encontro foi a da bicicleta. Ela serviu para andar, foi desmontada, reconstruída e finalmente sorteada entre os participantes. Com certeza ela estará seguindo na memória dos participantes e ajudará a enfrentar os duros e longos caminhos da construção da união ampla do grande povo Guarani, a partir das aldeias/comunidades.


 


Em vários momentos os participantes fizeram suas reflexões utilizando-se do símbolo da bicicleta para falar da união necessária da grande Nação Guarani, da luta pela terra-território.


 


Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas pela ONU


Em vários momentos do encontro houve referência a essa conquista  dos povos indígenas do mundo, que após 20 anos de intensos debates e pressões, conseguiram, finalmente, que ONU aprovasse a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas. E para que efetivamente se transforme numa ferramenta eficaz será preciso conhecê-la e pressionar para que os diversos estados nacionais a ponham em prática. Para tanto, foi sugerido que se faça uma versão da declaração em Guarani e haja uma ampla divulgação e discussão nas comunidades.


 


Na declaração algumas questões são fundamentais para o povo Guarani, como a autonomia territorial, direito aos recursos naturais, livre trânsito nos diversos países em que vivem, a utilização de sua língua em todos os espaços, inclusive em julgamentos, administrar sua justiça, dentre outros.


 


Assembléia do Povo Guarani –APG – 20 anos de luta e organização


Uma das presenças marcantes foi da delegação Guarani da Bolívia. Nos encontros Continentais eles não puderam estar. Porém, a partir desse encontro se estabeleceu um processo de união e aliança muito forte. Pairavam incertezas quanto à comunicação em Guarani. Mas, apesar de algumas diferenças lingüísticas e comunicação fluiu muito bem. A experiência de 20 anos de luta, de inúmeras mobilizações, marchas nacionais, luta pela autonomia em seus territórios e direito sobre os recursos naturais, reconhecimento da justiça comunitária conforme usos e costumes de cada povo.


 


Uma das lutas históricas que os povos indígenas da Bolívia travam hoje é na Constituinte. Ali enfrentam as oligarquias e elites que por séculos vem invadindo, explorando e oprimindo os povos indígenas, esbulhando os recursos naturais dessas terras. É o momento de dar um basta a tudo isso. É o momento de reconhecer o país plural e construir de fato uma nova história…


 


Em recente mobilização dos povos indígenas da Bolívia, foi aprovado um manifesto de 18 pontos, onde manifestaram seu apoio a Evo Morales e exigem que o novo texto Constitucional declare a Bolívia um Estado plurinacional, social e comunitário, com o reconhecimento da Justiça comunitária e a penalização do racismo.


 


Quanto à luta e concepção de Autonomia Indígena para a Nação Guarani, assim a definiram em sua recente Assembléia comemorativa dos 20 anos de luta: “A autonomia indígena é a condição e o princípio de liberdade de nossa nação que impregna o ser individual e social como categoria fundamental de antidominação e autodeterminação, baseado nos princípios fundamentais e geradores que são os motores da unidade e articulação social e econômica no interior do nosso povo e com o conjunto da sociedade”.


 


 Denuncias, anúncios, articulação e compromissos


 O momento de lançamento da Campanha Guarani em Tey Kue se transformou em mais um importante momento de denunciar a violação dos direitos desse povos nos diversos paises em que vivem. A denúncia mais freqüente é pela negação de seus territórios tradicionais e destruição do meio ambiente com o roubo dos recursos naturais. A situação das terras Guarani no Brasil continua extremamente grave. São pelo menos mais de 100 terras que necessitam de regularização e que são a causa de uma situação de violência caracterizada como genocídio. A Campanha vai ser um dos espaços de articulação dessa luta, desde a aldeia até as instâncias internacionais como a Organização das Nações Unidas – ONU e Organização dos Estados Americanos-=OEA.


 


No encontro também foi feito a denúncia da criminalização da luta Guarani e dos inúmeros assassinatos que vem ocorrendo nos diversos países. Foi pedido que se faça justiça nos casos de assassinato de lideranças indígenas.


 


No documento final do encontro  foi exigido respeito à organização e cultura do Povo Guarani, especialmente seus lideres religiosos (Nhanderu-rezadores). Também foi  pedido fiscalização para punir as irregularidades no trabalho escravizante dos indígenas nas usinas de açúcar e alcool, particularmente no Mato Grosso do Sul, onde serão instaladas 50 novas usinas.


 


No final do Encontro de Lançamento da Campanha, todos assinaram a Carta  Compromisso – Yvy Poti.


 


Com os corações cheios de emoção pelo encontro de parentes e aliados de vários paises, e com os compromissos de construir uma união cada vez maior entre todos os membros do Grande Povo Guarani, todos voltaram para suas aldeias e terras fortalecidos e animados na continuidade e ampliação da luta.


 


Egon Heck


Cimi MS,

Aldeia Tey’Kue, Caarapó-MS , 22 de setembro de 2007

Fonte: Cimi - Regional Mato Grosso do Sul
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