Pelos caminhos Guarani
Onde o Brasil foi Paraguai. Onde o Paraguai foi e é Guarani. O sul do Mato Grosso do Sul é varado pelos caminhos Guarani. Uma saga de séculos marcados pela estratégia da resistência desse povo indígena que tão profundamente marcou e marca essa região. Do outro lado da fronteira a língua mais falada é o Guarani. A moeda é o Guarani. O teko (jeito de viver) é marcadamente Guarani. E, infelizmente, hoje grande parte das terras Guarani estão nas mãos do agronegócio brasileiro, levando à destruição e invasão dos territórios. É o avanço da soja. No rastro da dominação, a insurgência dos pobres, a resistência secular nativa, as sementes do futuro forjadas com sangue e suor.
Viajar pelas aldeias Guarani sempre é um forte momento de emoção, aprendizagem e indignação. É passar pelo roteiro das cruzes de Marçal, Dom Quitito, Dorival, Dorvalino, Eliseu, Jilite e Ortiz. É sentir a energia de tantos lutadores, heróis da resistência, da paciência e da luta pela terra. É beber da sabedoria da fonte milenar Guarani. É sentir o pulsar forte de uma nação que não se rendeu aos apelos fáceis do consumismo e da acumulação.
Andar pelas aldeias Guarani é auscultar os gemidos que vem da profundeza da terra negada, é sentir o pulsar do coração da terra rasgada, da semente prestes a ser lançada, da dor sufocada, refletida nos olhares profundos, nos rostos enrugados e na pele bronzeada.
Andar pelo sul do Mato Grosso do Sul é ver vastidões de terra sem gente e gente sem terra, espremida entre a certa e o asfalto. É ver boi gordo e gente magra, armazéns cheios e pessoas esfomeadas, é ver surgindo enormes estruturas de usinas e do outro lado as “caixinhas de assar pobre”, como diria uma colega nossa ao olhar para aqueles poucos metros quadrados chamados de casa, onde sobrevivem milhares de assentados e indígenas.
Viva o povo Guarani, um Grande Povo!
Que emoção sentir a força do espírito Guarani no corpo debilitado do grande cacique Nhanderu Delosanto, passando uma incrível energia, de ouvir os detalhes das lutas pela terra na memória vivencial de Hamilton, de ver e sentir o sofrimento dos acampados Kaiowá de Kurussu Ambá, dormindo ao relento, pois vários de seus barracos foram queimados e os que restam têm as lonas rasgadas pelo vento. Ouvir Carlito falar de fome, e principalmente de ver a hora de lançar a semente ao chão Guarani. Sentir a garra e ousadia de uma nova escola brotando no Nhanderu Marangatu, escola de lutadores, de guerreiros da vida de seu povo.
Neste dia em que estão chegando para a aldeia de Tey’Kue centenas de Guarani do Paraguai, Argentina, Bolívia e Brasil para o lançamento da campanha Povo Guarani, Grande Povo!, viva a Vida, viva a Terra e viva o Futuro Guarani!
Egon Heck
Cimi-MS
Campo Grande, 21 de setembro de 2007