Documento final do seminário
DOCUMENTO FINAL DO SEMINÁRIO
“A CANA NÃO ME ENGANA!”
Campo Grande/MS, 24 a 25 de Agosto de 2007
Nós, representantes das diversas entidades ligadas à Coordenação dos Movimentos Sociais do Estado de Mato Grosso do Sul, preocupados com os impactos negativos que poderão ser causados pela instalação das muitas usinas de álcool e açúcar no Estado de Mato Grosso do Sul, vimos a público nos manifestar e ao final apresentar propostas que visam a garantir o respeito aos trabalhadores rurais sem terra e pequenos produtores, povos indígenas, quilombolas e ao Meio Ambiente.
A grande massa da população Sul-Matogrosseense está sendo enganada pelas afirmações falaciosas que tentam justificar a instalação desses empreendimentos e que beneficiam, mais uma vez, somente poucas pessoas bem como aos interesses das empresas multinacionais, aumentando, ainda mais, a concentração de renda no Brasil. Dessa forma, clamamos a devida atenção da sociedade envolvente visando à garantia de direitos fundamentais dispostos na Constituição Federal Brasileira que não estão sendo respeitados.
A REALIDADE – DESAFIOS E AMEAÇAS
Conforme a apresentação feita pelos palestrantes e debatedores presentes no Seminário, vislumbrou-se um quadro muito grave que pressupõe a compreensão de que existirá no mundo uma crise profunda quanto às fontes de energia derivadas do petróleo e que afetam principalmente os EUA, que estão buscando outras fontes de energia para suprir o consumo exacerbado daquele país.
Foi exposto ainda a problemática do superaquecimento global que desencadeia mudanças climáticas que vem causando catástrofes ambientais que afetarão milhões de pessoas em todo o mundo. Que o consumo de energia, conforme o modelo da cultura consumista praticada por muitos países, mas principalmente pelos EUA, que consome quase 40% da energia produzida mundialmente, gera muita poluição em razão das emissões de gases que se acumulam na atmosfera terrestre.
Em relação às evidencias históricas que foram apresentadas, concluiu-se que a geração de energia a partir de outras fontes que não a petrolífera se torna uma situação praticamente inexorável a partir da realidade atual, levando-se em conta as relações de poder estabelecidas na atual conjuntura política mundial e do grande consumo de energia em todo mundo.
Mesmo que se contemple a necessidade de transformações profundas deste modelo consumista para que ocorra a reversão desse quadro em nível mundial, a problemática brasileira se instala no fato de que a produção de energia a partir da cana de açúcar vem sendo implementada com muita velocidade e com todo apoio estatal do governo brasileiro. Produção que está sendo controlada por poucas pessoas que detém o grande capital privado mundial e que obterão lucros exorbitantes gerados pelo negócio, transferindo toda a fonte de energia para fins de exportação e que geram um impacto social, econômico e ambiental muito grande para o país em razão da prática da monocultura.
Vislumbra-se ainda, a completa ausência de participação de pequenos produtores, populações indígenas, quilombolas, enfim, da sociedade como um todo, das decisões sobre a viabilidade desse grande projeto.
O Mato Grosso do Sul é a Unidade da Federação que mais será afetada no Brasil pela produção do etanol, gerando impactos gravíssimos para o Meio Ambiente, para a produção de alimentos, agricultura familiar, reforma agrária, demarcação de terras indígenas, quilombolas e de soberania territorial.
O projeto de Governo para a produção do etanol está totalmente voltado para privilegiar a monocultura da cana, onde é viabilizado todo o tipo de incentivos fiscais e políticos para tanto. Aceitam-se investimentos provenientes do exterior e o estabelecimento físico de empresas estrangeiras em nosso território, comprometendo a soberania nacional e desencadeando um processo de diminuição sistemática da produção de alimentos.
As áreas destinadas ao plantio da cana são as melhores áreas em termos de qualidade do solo, sendo que muitas atendem as determinações constitucionais para fins de assentamentos de famílias de trabalhadores rurais sem-terra, bem como terras indígenas que estão ainda pendentes da demarcação administrativa que deve ser promovida pelo Governo Federal.
O Estado de Mato Grosso do Sul possui a segunda maior população indígena do país com o pior índice de terras demarcadas no país; cerca de 90% das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios encontram-se sem providências quanto a demarcação feita pelo Governo Federal; O Estado possui o maior índice de violências contra indígenas registrado no país; A terra indígena de Dourados do povo Kaiowá Guarani – a mais populosa do país, compõe cerca de 3,5 mil hectares de terra para quase 13 mil indígenas; a região possui o maior índice de desnutrição infantil registrado no país. Um indígena da terra indígena de Dourados possui cerca de 0,3 hectares de terra enquanto uma cabeça de gado no estado possui uma média de 7 hectares.
Áreas de flora nativa, bacias hidrográficas e áreas de proteção permanente, poderão ter comprometidos sua qualidade e importância ambiental, com riscos permanentes de degradação, em razão dos resíduos gerados da produção do etanol.
A mão de obra utilizada para o corte da cana, trabalho degradante e muitas vezes escravo, afetará drasticamente as populações indígenas no Estado de Mato Grosso do Sul que, não possuindo suas terras demarcadas e vivendo em confinamentos em razão da omissão do estado, acabam se deslocando para as usinas em busca de melhores condições de sobrevivência, pois dentro da aldeias não encontram nenhuma perspectiva de auto-sustentabilidade. Tem-se conhecimento de que os indígenas são vistos pelos usineiros como a melhor fonte de mão-de-obra para o trabalho no corte da cana.
A instalação e/ou expansão das usinas no MS, aumentam o fluxo migratório com a super exploração da mão de obra destes, e ainda, da mão de obra indígena, da prostituição e do tráfico de pessoas especialmente nordestinos, mulheres, crianças e adolescentes.
Muitas pessoas (homens, mulheres, crianças, jovens) serão transportados de seus lugares de origem para fins de exploração visando lucro de outrem.
É notório que o discurso de geração de empregos não possui nenhum respaldo fático pois sabe-se que toda a estrutura utilizada para a colheita da cana em muito breve será 100% mecanizada. Fato esse, que ainda não ocorre em razão de que a demanda não acompanha a produção de maquinários agrícolas por parte das indústrias.
Sabe-se que as empresas de bio-diesel se instalam no território brasileiro, pois as condições climáticas, qualidade do solo e recursos hídricos possibilitam a produção de matéria prima barata e rápido ganho de capital em razão dos incentivos fiscais dados pelo Poder Público através de “selos sociais”.
A região do Pantanal Sul-MatoGrossense se encontra drasticamente ameaçada caso venham ser instaladas as usinas de álcool naquela região, conforme vem sendo tentado pelos usineiros com o apoio de alguns parlamentares do Legislativo Estadual que propuseram projetos de lei prevendo essa possibilidade Trata-se de um ecossistema complexo e muito vulnerável às transformações do meio ambiente e do clima, e corre sérios riscos de desaparecer.
Diante do exposto, defendemos os seguintes princípios e propostas:
1. Somos contra esse modelo imposto pelo agronegócio que aumenta a
concentração de riqueza, a propriedade privada, destrói o meio ambiente e
explora a força de trabalho.
2 Defendemos um modelo diversificado de produção de alimentos voltado para atender as necessidades da população e a efetiva aplicação do princípio da função social da terra sem a concentração das riquezas.
3 Que sejam identificadas e demarcadas as terras indígenas e dos quilombolas conforme determina a Constituição Federal.
4 Que sejam efetivados os assentamentos da Reforma Agrária para os acampados e os que nela queiram trabalhar para produzir alimentos e viver com dignidade.
5 Se deixe de utilizar recursos públicos para favorecer a implantação da monocultura da cana e instalação de usinas de álcool bem como a suspensão da isenção de tributos. A grande massa da população, principalmente a mais pobre, paga seus impostos, muito mais os inseridos nos produtos alimentícios, se tornando um verdadeiro desrespeito para com o povo que as grandes empresas multinacionais fiquem isentas.
6 Se garanta recursos necessários para que os pequenos produtores tenham efetivas condições para produzir alimentos, diversificando a produção, respeitando o meio ambiente e a produção de energia renovável através da instalação de pequenas e micro usinas que garantam a sustentabilidade alimentar e ambiental.
7 Garantia das condições humanas de trabalho com redução de jornada e salário justo para os trabalhadores do setor sucroalcooleiro.
8 Que o Governo Federal promova um controle rigoroso sobre a aquisição de terras e dos investimentos estrangeiros por parte das empresas multinacionais, conforme manda a Constituição Federal e o Protocolo do Kyoto, visando a proteção da soberania nacional e das riquezas do solo.
9 Sejam criados Conselhos de Segurança Alimentar e Nutricional em todos os Municípios, e nos que vierem a ser constituídos, com a participação representativa da sociedade e das entidades sociais.
10 Monitoramento das atividades em todas as usinas de álcool e açúcar no MS pelos movimentos sociais, no âmbito das instâncias competentes, com o objetivo de garantir que os direitos dos trabalhadores sejam respeitados.
11 Que o Governo Federal garanta condições para estudar e discutir os projetos alternativos dentro da realidade dos agricultores familiares, indígenas, quilombolas e assentados.
Nossos compromissos:
Fazer o debate sobre o modelo energético que está sendo implantado a partir da monocultura da cana, altamente concentrador de capital e poder, gerando ainda mais exclusão e super exploração da mão de obra, em nossas comunidades, meios de comunicação, enfim, em todos os espaços.
Lutar para a construção do Mato Grosso do Sul e Brasil que queremos, a partir de outra lógica que não a do atual modelo de mercado consumista, responsável pela pior distribuição de renda no mundo.
Campo Grande, 25 de agosto de 2007.