05/07/2007

Usinas de Álcool: Remando contra a correnteza.

 


“Não adianta remar contra a correnteza. Que a implantação se dê da forma menos ruim”. Com essa afirmação, o Secretário Nacional de Extrativismo e Políticas de Desenvolvimento Sustentável do Ministério do Meio Ambiente, Egon Krakhecke, concluiu um encontro que teve com representantes dos movimentos ambientais e sociais, em Campo Grande, no final de um dia seco de inverno, no início de julho.


 


Ele vinha de uma jornada exaustiva de conversações com o Governador do Estado e com representantes do agronegócio.O tema principal em pauta foi a instalação das usinas de álcool para produção do etanol, combustível renovável no qual o mundo está de olho. Falou de duas medidas que considera positivas. Uma é a produção do biodisel com sustentabilidade sócio ambiental e o zoneamento sócio-ambiental-econômico do Mato Grosso do Sul. Apesar de manifestar preocupações com relação a algumas conseqüências do furacão cana, monocultura que deverá ocupar cerca dois milhões ou mais de hectares das melhores terras do Estado. Cabe ao Ibama fiscalizar, fazer cumprir as leis. Para o que certamente sempre conta com o pronto aceno dos detentores do capital. Quem mesmo comanda são os donos do dinheiro, os usineiros, e cá a maioria são estrangeiros.


 


Após breve exposição sobre as principais preocupações, possíveis e necessárias adequações de calendários, como por exemplo a previsão de acabar com a queimada dos canaviais apenas em 12 anos, distância mínima de uma usina para outra (estabelecida em 30 km), distância das cidades (mínimo de 5 km), percentagem de cana a ser adquirida de terceiros (30%). Para Egon, tudo isso é muito acanhado, diante da fúria avassaladora da cana-de-açúcar. As principais conseqüências já são previsíveis, especialmente no impacto sobre as pequenas propriedades que produzem alimentos.


 


No debate foram levantadas várias questões quanto às ações anteriores à implantação, como EIMA/Rima, percentagem de terra que poderá ser ocupada com cana em cada município, relações de trabalho, impacto das massivas migrações sobre as pequenas cidades da região.


 


Um certo clima de reticência  e até de descrença sobre os prometidos benefícios do boom da cana para as populações locais. Em tom jocoso um dos participantes dizia: “Se cana trouxesse benefícios, Alagoas devia ser um paraíso”.


 


A cana , questão indígena e os pequenos agricultores


 


Os movimentos sociais presentes colocaram com bastante ênfase o previsível impacto avassalador da cana sobre as comunidades indígenas da região. Isso porque aqui a Constituição está sendo desrespeitada, uma vez que não estão sendo garantidas as terras aos povos indígenas, o que torna o MS a região de menor percentagem de terra para os índios e conseqüentemente das maiores violências contra esses povos. O cenário é de que com a implantação das usinas tudo isso seja agravado tremendamente.


 


Diante disso, representantes do Cimi expuseram a posição da entidade, baseada em quatro pontos principais: 1. Levantamento urgente de todos as terras indígenas para evitar que sejam ocupadas pela cana; 2. Que a produção da cana para o etanol seja feito pelo pequeno produtor rural, conforme experiências exitosas em outras regiões e como tem defendido recentemente o Dr. Bautista Vidal (criador do programa Pró-Álcool, em 1976); 3. Uma política de produção de alimentos, para que haja segurança alimentar para a população do estado; 4. Uma política séria e coerente de proteção ambiental, recuperação de florestas  matas ciliares e das águas.


 


No mesmo sentido foram feitos questionamentos pelo representante do MST, de um assentamento em Rio Brilhante: “Estamos rodeados de cana Lá no assentamento nós já estamos sentido o impacto das usinas. Todas as manhãs, às 4 horas, sai um ônibus levando pessoal e voltam às 5 da tarde. Quando vamos procurar o posto de saúde, ficamos horas esperando por que estão superlotados com o atendimento do pessoal que veio trabalhar nas usinas”. Além disso, falou do grande aumento da prostituição.


 


Outra questão levantada é sobre as condições do trabalho nas usinas. É degradante e escravagista. Em dez anos o trabalhador está com a saúde acabada. Além disso, muitos estão morrendo de exaustão no trabalho nos canaviais. Com os índios é pior ainda, porque os trabalhos de contrato coletivo dão menos segurança ao trabalhador indígena.


 


Nos seus comentários finais Egon Krakhecke admitiu que a situação é preocupante e prometeu se empenhar especialmente em questões como a demarcação das terras indígenas. Lembrou que existe um caldo cultural favorável, como a questão do aquecimento global e outras preocupações com relação aos limites do Planeta Terra, pressão do mercado sobre as condições de produção dos alimentos, pacto pelo desmatamento zero na Amazônia em 7 anos. Concluiu dizendo que no Brasil estamos começando a tomar juízo. Porém, considera irreversível o avanço da cana e que não adianta remar contra a correnteza.


 


Apesar de certa amabilidade da conversa, saímos muito preocupados com os cenários e lutas que teremos pela frente.


 


Campo Grande (MS), 4 de julho de 2007.


 


Egon Heck


Cimi Regional Mato Grosso do Sul

Fonte: Cimi MS
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