17/05/2007

Dom Erwin comenta condenação do assassino de Irmã Dorothy

O bispo da prelazia do Xingu, dom Erwin Käutler, é um dos delgados da CNBB na V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe que se realiza em Aparecida (SP), de 13 a 31 de maio. Atendendo ao pedido de alguns jornalistas, dom Kräutler ausentou-se de uma das sessões da Conferência para falar sobre a condenação do assassino da Ir. Dorothy, assassinada em 2005, e das ameaças que ele sofre em Altamira.


Segundo o bispo, é preciso continuar as investigações porque “existe um consórcio do crime” que envolve mais de uma pessoa. Escoltado por policiais por causa da ameça de morte que lhe fazem, dom Kräultler aponta três razões por que querem mata-lo: as denúncias sobre o assasssinato da Ir. Dorothy, sua luta contra as hidrelétricas na região e a denúncia de exploração sexual de adolescente. Leia, abaixo, a íntegra da entrevista.


Como recebeu a noticia da condenação do assassino da Ir. Dorothy?


A condenação é um passo rumo à justiça e também um gesto concreto de que querem acabar com a impunidade. Faltam muitos outros passos. Continuo defendendo que existe um consórcio do crime que não envolve apenas uma pessoa. As investigações têm de ir além porque há outros acusados em liberdade.O julgamento tem que desembocar na investigação concreta e também na apuração do envolvimento de mais pessoas.


Quem seriam essas pessoas?


Não vou citar nomes, mas são pessoas da região. Há pessoas que são envolvidas indiretamente. O que me preocupa é que a morte de Ir. Dorothy teve uma preparação de longa. Ela não morreu sem ter recebido avisos.Ela foi ameaçada e não teve medo. Pensei que fosse intimidação, um tipo de terrorismo psicológico. Mas infelizmente isso não se confirmou, de fato eles executaram. Havia pessoas que prepararam ambiente hostil contra ela. Começaram a dizer “essa irmã tem de cair fora”; “essa irmã é uma provocação”.Começaram a dizer que ela instigava os colonos.


A investigação tem que ser retomada para ir a fundo. É preciso chamar toda essa gente que se manifestou contra a irmã, caluniando-a e difamando seu trabalho. É necessário descobrir  porque, naquele tempo, vereadores de Anapu declararam a madre persona non grata no município. Tudo isso tem que ser apurado.


Qual era o trabalho da Ir. Dorothy?


A irmã defendia os assentados, inclusive daqueles que foram assentados pelo próprio governo. Mas o governo não conseguiu resolver o impasse jurídico porque a terra foi pretendida por alguns fazendeiros. Se você assenta famílias em terra pretendida ou grilada, então o conflito está programado.


 Como foi a chegada da Ir. Dorothy no Xingu?


 Eu já era bispo quando ela chegou. Ela pediu para trabalhar no Xingu. Foi em 1982, me lembro como se fosse ontem. Ela se apresentou e disse que queria trabalhar no meio dos pobres, entre os pobres mais pobres. Até não acreditei muito porque é muito difícil, ainda mais para uma mulher, agüentar essa situação de miséria. E ela não fez incursão no meio dos pobres, ela vivia com os pobres. Ela agüentou. e deu um exemplo de dedicação, de generosidade e de abnegação muito raro hoje.


As ameaças que o senhor recebe vêm dos mesmo grupos?


É muito difícil identificar porque eles não chegam na sua frente e dizem “olha, tu vais morrer”. As ameaças feitas contra mim foram de maneira indireta. Foram pessoas ligadas ao meu trabalho que ouviram: “esse bispo tem de morrer”. Numa procissão, um grupo que não se identificou gritou: “o bispo tem que sofrer a mesma morte da irmã Dorothy”, “tem que fazer com ele o mesmo que fizeram com a irmã”. Depois apareceu um artigo no jornal de maior circulação na Amazônia dizendo que pessoas como eu tinha que ser eliminado. Pela internet me avisaram que eu não ia passar do dia 29 de dezembro. Aí o Ministério Público acionou a polícia e até hoje ando com escolta na região.


Quais as causas das ameaças?


Identifico a motivação da ameaça da seguinte forma: primeiro, porque não me calei desde a morte da irmã Dorothy. Exigi a apuração dos fatos e falei várias vezes no consórcio do crime.


A segunda motivação está ligada a hidrelétrica Belo Monte. Questiono muito a maneira como essa hidrelétrica se implantou. Agora é que estão querendo começar a envolver um pouco o povo. Mas o maior problema é que não se fala toda a verdade. Temos de estudos de gente de renome no país e até no exterior que questionam profundamente o tipo de hidrelétrica que querem implantar. Dizem que é impossível que o Rio Xingu durante todo o ano tenha volume de água necessário para funcionar as turbinas. Então, não se trata de uma unidade, mas de um complexo hidrelétrico. Mas a Eletronorte se nega a falar em complexo. Fala apenas em uma unidade, embora todo mundo saiba que não vai ser só isso. Isso vai atingir vários povos indígenas, o povo ribeirinho, vai inundar terras. Altamira. Sou pastor lá há 42 anos, não cheguei ontem. Tenho mais de 26 anos lá como bispo e, claro, que isso me choca.


Uma terceira razão das ameaças está ligada à quadrilha de abuso sexual de meninas, menores, que eram apanhadas em portas de escolas e levadas para chácaras. Tudo isso veio à tona, mas não foi tomada nenhuma providência. Soube desses assuntos, fiz reuniões com o Comitê de Defesa da Criança Altamirense, com a associação de mulheres e outras associações, Conselho Tutelar. Falei e escrevi carta ao ministro da Justiça, acionei a Polícia Federal, a Secretaria de Segurança Pública do Pará e eles imediatamente mandaram os delegados do primeiro escalão e fizeram investigações e prenderam gente. Outros fugiram. Fato é que eles reagiram à minha solicitação, essa gente da alta sociedade, esse povo envolvido nessa quadrilha, médico, vereador, empresário, e reagiram também dizendo que o bispo tem que desaparecer.


 O senhor se sente só?


Nunca estou só nessas causas. Não pensem que o bispo do Xingu é o único que fala e os outros se calam. Tem muita gente que defende a mesma posição comigo.

Fonte: CNBB
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