Índios reproduzem formas de organização no meio urbano
Texto e fotos de Priscila D. de Carvalho, especial para as Agências Carta Maior e Repórter Brasil*
A cozinha da família é embaixo da árvore. Ali, a avó termina de dar almoço às crianças. O barraco de lona preta fica a poucos metros, e as outras casas da família estão a três quarteirões, no bairro Jardinópolis, região industrial de Campo Grande conhecida como Indubrasil. Os avós mudaram para perto dos filhos. Os homens da família estão empregados na indústria de couro: o filho trabalha no corte, o cunhado nas máquinas, o genro separa o couro da carne. Na casa da filha, o genro descansa na rede do trabalho “no faqueiro”, no turno que vai das 5 da tarde às 5 da manhã, folgas aos domingos. O frigorífico que fica a dois quilômetros dali, dá pra ir de bicicleta e o horário da noite é melhor, porque ganha ele ganha adicional noturno.
“Falta trabalho lá
A avó, Dona Ermínia, e os netos, se preparam para uma visita à aldeia. No final de semana seguinte haverá casamento. “Vamos quando tem festa. Quando temos sobra de dinheiro que dá pra pagar condução”, explica o avô. Eles pretendem alugar uma van para a viagem de
A sobrevivência na cidade passa pela construção de estratégias coletivas, em geral familiares. Com isso, os grupos urbanos mantêm um dos traços centrais dos povos indígenas, que são as relações de parentesco.
Muitas famílias de indígenas nas cidades vivem próximas, em grupos pequenos de famílias nucleares, mas também mantêm contato com os parentes de longe. Na extrema Zona Leste de São Paulo, a Pankararu Helena tem dois irmãos e dois primos que vivem em bairros próximos ao seu, o Jardim Rodolfo Pirani. “Meu pai trabalhava na antiga Light e trazia as pessoas de Pernambuco pra cá, para trabalhar aqui. Veio tentar a vida, depois a minha mãe veio. Ficaram 20 anos e voltaram”, conta.
O contato com as aldeias é comum. A cada ano, em fevereiro, um grupo Pankararu vai a sua terra em Pernambuco, para a festa do Umbu. Para este mesmo grupo, que vive em uma favela
Reprodução do modelo produtivo
No Rio Grande do Sul, os povos Guarani e Kaingang simplesmente não se questionam sobre o intercâmbio entre as aldeias: a mobilidade das famílias faz parte da forma de vida destes povos. Não é, portanto, nenhuma novidade, e nem deixou de existir nos últimos 50 anos.
Durante seu mestrado em Ecologia, a bióloga Ana Elisa Freitas estudou a ocupação dos espaço pelos Kaingang,
No interior ou na cidade, o espaço Kaingang está dividido em três ambientes, sempre articulados: o da moradia, o da coleta e manejo de recursos naturais, e o da comercialização e troca.
O espaço da troca são as feiras, no centro da cidade, endereço também dos órgãos públicos, freqüentados para a exigência do cumprimento de direitos – entre eles o direito de expor e vender o artesanato, mas também aqueles relacionados à moradia, educação diferenciada ou saúde.
O território da coleta de materiais para o artesanato abrange toda a bacia do Rio Guaíba, o principal da cidade. E cada família maneja de
Movimentação migratória
“Eles não se pensam como índios urbanos. Moram fora dela, em suas aldeias, e vão à cidade negociar com os brancos mercadorias e direitos”, conclui a pesquisadora.”Somos nós que fazemos este recorte entre cidade e aldeia com rigor. Ir para a cidade não é sair do território. Estes povos sempre migraram muito”, questiona o historiador Antonio Brand, referindo-se especialmente aos Terena e aos Guarani.
As relações com as aldeias permanecem também porque quem mora na cidade acumula conhecimentos úteis para todo o povo. “Quem vem se tratar
Quem migra para a cidade também se abriga na casa dos parentes, até achar trabalho e até conseguir moradia. Estas estratégias de chegar na cidade, aliás, não são exclusivas dos povos indígenas. São comuns para toda a população brasileira que vive nas periferias das capitais