08/05/2007

Mãe Terra Terena – Vitórias e preocupações

“Enquanto nossos olhos se virarem, estamos com esperança”


 ( João Leôncio – Mãe Terra, 4/05/07)


 


Alegria no acampamento. Ao receberem a notícia de que o Ministro iria assinar a portaria declaratório dos trinta e seis mil e duzentos hectares da Terra Indígena Cachoeirinha, a delegação indígena do Mãe Terra vibrou. Era uma vitória importante que vinha dar alento e ânimo na luta de vários anos, e que continua.


 


Chegaram de volta ao acampamento, no município de Miranda, saudaram a boa notícia com rojões e fortes abraços de comemoração da vitória. Afinal de contas, depois de um ano e cinco meses após a retomada, já obtiveram pelo menos duas decisões judiciais favoráveis e agora o avanço no processo de regularização administrativa. “Agora não tem nenhum impedimento legal para que a portaria seja cumprida, ou seja, para que a Funai faça a demarcação física da terra”, explicou Rogério Batalha, assessor jurídico do Cimi, e importante aliado da comunidade nessa luta.


 


O ninho de vespas está ouriçado


“Os fazendeiros estão brabos com a gente. Eles estão cada vez mais achando que vão perder a terra, ou melhor, vão ter que nos devolver o que sempre foi nosso. Estamos sendo visto por eles como inimigos.”


 


Logo que saiu o decreto eles se reuniram e anunciaram que vão à Justiça para anular a portaria assinada pelo Ministro da Justiça. Já fizeram várias reuniões e afirmam que “já estão com documentos comprovando que os produtores compraram a terra…Além disso temos também um lado antropológico com a conclusão de que a região de Cachoeirinha nunca foi moradia de índio”. (Jornal Guaicuru, Miranda 1 a 7/05/07).


 


Conforme o advogado Rogério Batalha, essa reação era esperada e não restam dúvidas de que eles vão recorrer à justiça. Resta ver qual é o tipo de ação e onde eles vão entrar.


 


As preocupações


No encontro da comunidade com seus aliados, foi também o momento de olhar os desafios e preocupações que tem pela frente. A questão principal é exigir rapidez da Funai para a demarcação física, antes que os fazendeiros paralisem o processo através de alguma ação judicial.


 


Enquanto isso a comunidade está preocupada em ampliar sua produção, especialmente de alimentos, para não depender da cesta básica e para não precisarem mais ir trabalhar nas usinas de álcool. Atualmente em torno de vinte jovens continuam indo para esse tipo de trabalho semi-escravo, principalmente na usina de Eldorado.


 


Outra preocupação são as divisões dentro do povo Terena, marcado por constantes disputas internas, divisões e tensões. “Isso só enfraquece nossa luta. Um dos resultados disso é a indicação de uma pessoa para a Comissão Nacional de Política Indigenista, que não tem nenhuma representatividade nas bases do povo Terena.” , afirmou Ramon. Falaram que os Guarani têm suas instâncias amplas de debate e decisões – as Aty Guasu – e que os Terena não têm nenhum tipo de articulação entre as comunidades e terras indígenas.


 


Também se mostraram preocupados com o anúncio da prefeita de Miranda, Elizabet de Paula Almeida, de que vai pedir a construção de uma usina de cana de açúcar no município. “Vou ter que comprar uma briga com os ambientalistas”, teria afirmado ela. É claro que a briga não é apenas com os ambientalistas, mas também com  uma dezena de aldeias Terena que existem na região e que estão lutando pela regularização de suas terras.


 


Uma outra preocupação é que os brancos sempre procuram dividir os índios. Um exemplo disso é que os Terena tem mais de 30% dos votos do município e não conseguiram eleger sequer um vereador. “Temos que mudar essa situação. Nós decidimos a eleição do prefeito. Por que não podemos pensar num prefeito indígena?” perguntou um dos presentes. “Temos que corrigir as disputas internas nas aldeias com humildade e respeito”, afirmou.


 


Estamos ganhando


“Essa foi uma vitória da base do nosso movimento. Nossa luta ninguém vai fazer por nós. Queremos juntar com todos os caciques do município de Miranda. Aqui defendemos a vida. Sabemos cuidar da terra, das águas, dos rios..” disse o professor Inácio.


 


“A luta não terminou. Ela é ainda muito longa. Precisamos formar mais lideranças. Nossa prioridade agora é armar nossas estratégias e partir para o ataque”, disse uma das lideranças.


 


Foi lembrado que desde que chegaram a essa terra começaram a limpar o terreno e plantar. Já colheram muitos produtos na roça e já pensam em produzir para vender nas cidades da região e Campo Grande. “Já colhemos bastante mandioca, milho, feijão quiabo, abóbora e agora vai começar a dar banana”, falou todo orgulhoso Lindomar, uma das lideranças do acampamento.


 


Outro motivo de alegria é perceberem que no início eram um pequeno grupo e que hoje quase todas as aldeias de Cachoeirinha (aproximadamente 6 mil pessoas) estão entendendo a luta. Lembram que já houve um avanço significativo na questão da educação, onde já tiveram até aula de língua Terena e atualmente funcionam dois grupos de educação de jovens e adultos além de dezenas de crianças que vão à escola nas aldeias.


 


Com a assinatura da Portaria Declaratória esperam também agora poder religar a luz elétrica que o fazendeiro mandou desligar.


 


Hoje a luta Terena do Acampamento Mãe Terra é conhecida amplamente e suas vitórias são resultado desse processo paciente e persistente de luta e organização. Seus representantes participaram de inúmeros encontros, assembléias, estudos, seminários, mobilizações na região e no país afora.


 


Por isso comemoram com o pé no chão e muito entusiasmo mais essa vitória, obtida com a assinatura da Portaria Declaratória dos 36.288 hectares, constituindo a maior terra indígena do Estado, depois da dos Kadiwéu. “Agora é botar os marcos no chão”. Essa será a próxima etapa.


 


Egon Heck – Cimi MS

Campo Grande, 5 de maio de 2007

Fonte: Cimi - MS
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