26/04/2007

Santa Catarina 1: Nota do Cimi critica reação dos setores antiindígenas

No último dia 19 de abril, o Ministro da Justiça Tarso Genro assinou Portaria Declaratória de 4 Terras Indígenas em Santa Catarina. A publicação dessas Portarias era esperada com muita ansiedade e é resultado de uma luta histórica dos povos Kaingang e Guarani, que jamais aceitaram a expulsão de suas terras. Os processos de demarcação se arrastam há bastante tempo, alguns há mais de 10 anos. Durante os 4 primeiros anos do Governo Lula os indígenas cobraram incansavelmente a demarcação de suas terras, mas não foram atendidos. No último dia 19, finalmente, o Ministro da Justiça cumpriu os preceitos constitucionais e reconheceu aos indígenas a posse de suas terras. A publicação das Portarias Declaratórias é fruto da teimosia de povos que foram sufocados e resistiram, pela persistência estão construindo uma nova história.


 


As quatro terras indígenas estão localizadas no Oeste do estado:


 


1 – Terra Indígena Araçaí, povo indígena Guarani, localizada nos municípios de Saudades e Cunha Porã, com 2.721 ha;


2 – Terra Indígena Xapecó – Gleba Canhadão, povo indígena Kaingang, localizada no município de Ipuaçu,  com 660 ha (essa gleba faz parte da TI Xapecó, reservada ao povo Kaingang no início do século XIX);


3 – Terra Indígena Toldo Pinhal – Povo Kaingang, localizada nos municípios de Seara, Arvoredo e Paial, com 3.975 ha;


4 – Terra Indígena Imbu, povo indígena Kaingang, localizada no município de Abelardo Luz, com 1.965 ha.


 


Ao assinar as Portarias Declaratórias o Ministro da Justiça cumpre uma importante etapa dentro do procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas, que é possibilitar a Fundação Nacional do Índio a demarcação física das terras, indenizar os ocupantes não indígenas e liberar as terras para que os indígenas possam voltar a ocupá-las a sua maneira.


 


 


 


Indenização dos ocupantes não indígenas.


 


Sobre essas terras indígenas vivem famílias de agricultores, posseiros, fazendeiros e até mesmo pequena parte da zona urbana da cidade de Abelardo Luz. A presença não-indígena está assim distribuída: Araçaí 121 famílias de agricultores; Xapecó 32 famílias de agricultores; Pinhal 311 famílias de agricultores; Imbu 61 famílias[1] de agricultores (dados do levantamento fundiário). Ocorre que ao longo do século XX quando essas terras foram roubadas dos indígenas pelas colonizadoras, o Estado de SC legitimou a invasão e expediu título definitivo aos agricultores que adquiriam as terras das empresas colonizadoras. Portanto temos situação em que o ocupante tinha título de propriedade.


Ao reconhecer esses locais como terra indígena, todos os títulos sobre essas terras são nulos (cf.: Art. 231 § 6 da CF-88). A terra indígena é bem da União Federal e de uso exclusivo do grupo indígena. A União não pode pagar a um bem que lhe pertence, por esse motivo a União não poderá indenizar os agricultores pelas terras.


Porém, cabe a União Federal, através da Funai, indenizar todas as benfeitorias quando derivadas de ocupação de boa-fé (ou seja quando o ocupante adquiriu legalmente essas terras); Ao Incra cabe o reassentamento desses ocupantes. Esse reassentamento deve ter prioridade sobre os demais, conforme estabelece o Art. 4 do Decreto 1775/96. Essa prerrogativa atende a todos os pequenos agricultores que vivem sobre a Terra Indígena. Porém, a maioria das famílias que adquiriram as terras de maneira legal, com os títulos expedidos pelo Estado de SC, não se sentem contempladas com esse reassentamento, porque já eram possuidoras de títulos. Tendo em vista essa situação, no ano de 2005 a Assembléia Legislativa de SC aprovou uma emenda a Constituição Estadual (Art. 148A), criando possibilidade para que o Estado de SC indenize os agricultores pelas terras, como já ocorre no estado vizinho do Rio Grande do Sul. Portanto hoje todas as famílias tem direito a indenização pelas benfeitorias, que é efetivada pela Funai, e no caso dos agricultores que tiveram seus títulos anulados terão direito a indenização pelo estado de SC; os posseiros e demais ocupantes poderão ser reassentados pelo Incra.  É necessário, portanto, ações junto ao Estado de SC para que este providencie imediatamente as indenizações aos pequenos agricultores.


Dessa forma entendemos que se estará fazendo justiça para como os povos indígenas e com os pequenos agricultores que foram vítimas do mesmo sistema que beneficiava o latifúndio. O Estado, para não mexer com o latifúndio, incentivava e legalizava as invasões nas terras indígenas.


 


Ameaças de Violência


 


O setor anti-indígena catarinense, vem alarmando, através dos jornais (ex.: Diário Catarinense 24/04/07 p. 21) que os agricultores estão armados e poderá haver derramamento de sangue.  Essas são situações típicas de uma classe dominante que quer usufruir de regalias sem ser importunados, desrespeitando a lei, se colocando acima do Estado de Direito. No momento em que a justiça é aplicada, usam dos meios mais espúrios para amedrontar a população e criar um clima de tensão e insegurança generalizada. Se há indícios de existirem armamentos, a Polícia Federal deverá ser acionada para investigar a veracidade, a origem das armas, a legalidade do porte e punir as contravenções.  Não se pode admitir o uso de ameaças para impedir o cumprimento da lei. Nesse momento estão buscando formas para exigir do Ministro da Justiça a revogação das Portarias, não admitem que os povos indígenas possam ter suas terras garantidas. Essa atitude significa gerar mais tensão e conflito e adiar a solução desse problema. Indígenas e agricultores novamente estão sendo violentados pela mesma classe que historicamente os violentou.


 


 Chapecó, 26 de abril de 2007.


Conselho Indigenista Missionário-Regional Sul.








[1] – Nessa terra indígena apenas uma propriedade ocupa 913,73 ha. Se somarmos as terras dos 3 maiores proprietários  temos 1.623,82 ha, ou seja 82,63% do total da área.

Fonte: Cimi - Sul
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